Partidos já admitem revisão pontual do acordo ortográfico
O presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Artur Anselmo, vai à Comissão Parlamentar de Cultura apresentar a sua proposta de melhorar o Acordo sem o deitar fora.
O presidente da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), Artur Anselmo, vai hoje à Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto defender que o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) deve ser revisto e melhorado, e que é possível fazê-lo sem rasgar o tratado internacional que o sustenta. Que haveria vantagens em se corrigir alguns aspectos do Acordo é uma convicção que hoje parece bastante consensual mesmo entre os partidos que o aprovaram, mas adivinha-se que Artur Anselmo terá alguma dificuldade em conseguir convencer o Parlamento de que Portugal deve introduzir as melhorias que entender necessárias na norma euro-africana, sem as negociar previamente com o Brasil.
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O presidente da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), Artur Anselmo, vai hoje à Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto defender que o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) deve ser revisto e melhorado, e que é possível fazê-lo sem rasgar o tratado internacional que o sustenta. Que haveria vantagens em se corrigir alguns aspectos do Acordo é uma convicção que hoje parece bastante consensual mesmo entre os partidos que o aprovaram, mas adivinha-se que Artur Anselmo terá alguma dificuldade em conseguir convencer o Parlamento de que Portugal deve introduzir as melhorias que entender necessárias na norma euro-africana, sem as negociar previamente com o Brasil.
A delegação da ACL a esta audição, proposta pelo Bloco de Esquerda e agendada para as 15h, incluirá ainda o escritor e histórico socialista Manuel Alegre, o jurista Martim de Albuquerque, ex-director da Torre de Tombo, e Ana Salgado, a lexicógrafa que orientou a elaboração do documento Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que a Academia aprovou na semana passada, com 18 votos contra 5, e que pretende ser um ponto de partida para se discutir a revisão do A090.
O presidente da Academia afirma-se "optimista" e cita um título do escritor oitocentista Alberto Pimentel — O que Anda no Ar — para justificar a sua confiança. "O que me chega dos jornais e da Internet parece-me simpático para a posição da Academia e para a sua linha de actuação, que é isenta e não pretende agravar ninguém", diz. E acredita que "há hoje em Portugal um ambiente mais saudável e amadurecido, que permite o diálogo e o confronto de opiniões". E esta audição solicitada pelo BE, bem como a recente proposta do PSD, redigida pelo deputado José Carlos Barros, sugerindo a criação de um Grupo de Trabalho que avalie o impacto do AO90 e verifique até que ponto os seus propósitos estão a ser cumpridos, são também sinais de que a Assembleia da República parece disposta a discutir seriamente a possibilidade de uma revisão do AO90.
O deputado bloquista Jorge Campos, um dos vice-presidentes da Comissão Parlamentar de Cultura, presidida pela socialista Edite Estrela, sublinha que o BE "não considera o AO uma prioridade", mas quer "perceber melhor" o que Artur Anselmo propõe, e aquilo que "está efectivamente em causa quando fala de pequenas intervenções que podem tornar o Acordo mais claro".
Reconhecendo que algumas dessas alterações lhe "parecem sensatas" e que o seu partido é "sensível aos argumentos adiantados para se melhorar" o AO90, Jorge Campos lembra, no entanto, que "o Acordo está assinado" e que se trata de um tratado internacional, relativamente ao qual a Assembleia da República (AR) "pode fazer recomendações, mas não mais do que isso".
Também a deputada socialista Gabriela Canavilhas, ex-ministra da Cultura, salienta que "as posições políticas estão tomadas" e que "não há enquadramento para alterações profundas", mas reconhece "dificuldades em algumas decisões tomadas no quadro do AO", acrescentando que "ninguém nega a vantagem de haver acertos". Mas se a Academia de Ciências quer propor alterações, que a deputada até considera "bem-vindas", terá de as articular com as instituições congéneres dos outros países abrangidos pelo tratado.
"Não pode haver iniciativas unilaterais por parte de país nenhum, e espero que o presidente da Academia tenha articulado a sua posição com as academias dos outros países e com o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que tem a seu cargo a elaboração do Vocabulário Ortográfico Comum, que é a sede própria para se estabelecer alterações ao Acordo", diz Canavilhas.
Argumentando que "o que cabe aos políticos é decidir a estratégia nacional", e não os aspectos técnicos do AO90, a deputada continua a rever-se na ideia de que este tratado veio "evitar a fragmentação da língua portuguesa, que estava a dividir-se em duas". E acredita que "se não houvesse unificação, passaríamos a ser uma língua usada por apenas dez milhões", já que os restantes países iriam "descolar para outras formas de falar e escrever português".
O deputado social-democrata José Carlos Barros também admite que "houve intenções recomendáveis" no AO90, como o de "reforçar o papel do Português como língua de comunicação internacional", mas não lhe parece evidente que esse propósito esteja a ser cumprido, e ainda menos o objectivo de definir uma base ortográfica comum. "Todos reconhecemos que o Acordo veio provocar uma grande instabilidade ortográfica, mas quando é a Academia de Ciências, com as competências que tem, a dizer isso mesmo, afirmando que o texto é ambíguo, omisso e lacunar, não podemos ignorar essa posição".
Tal como Jorge Campos e Gabriela Canavilhas, o social-democrata acha que "não devem ser os políticos a discutir hífenes ou facultatividades", mas recorda que a AR "aprovou o Acordo com grandes consensos políticos e partidários", e que se este não está a cumprir os desígnios que ditaram a sua criação, os deputados não podem deixar de discutir o problema. Garantindo que o Grupo de Trabalho que o PSD propôs não nasce com "conclusões prévias", José Carlos Barros diz que o seu objectivo "é fazer, com a ajuda da comunidade científica, um ponto da situação da aplicação do Acordo, e só depois apresentar as recomendações que se vierem a justificar".
O próprio Artur Anselmo sublinha que a ACL não partilha "a ideia radical de rasgar tudo o que está feito". A questão é a de saber se aquilo que propõe não levanta questões legais equivalentes, já que se trataria de decidir o que faz sentido alterar na (e exclusivamente para a) norma europeia, sem qualquer negociação com o Brasil. "Os brasileiros fizeram o mesmo quando rasgaram a convenção de 1945, após a morte de Getúlio Vargas, e convivemos lindamente com as normas brasileira e africana até 2010", argumenta.