Lazarilho barcelonês
Um romance em que o mais recente prémio Cervantes, Eduardo Mendoza, recupera a sua personagem mais carismática, um detective louco.
No final do romance O Enredo da Bolsa ou da Vida (Sextante, 2013), de Eduardo Mendoza (n. 1943), encontramos a sua personagem principal, um detective louco, a gerir um salão de cabeleireiro de senhoras o qual será trespassado aos donos de um bazar chinês que fica paredes meias, para que estes o transformem num restaurante de comida chinesa com a condição de lhe darem o emprego de fazer pequenos mandados. É nesta ocupação que o vamos encontrar no mais recente romance do autor catalão, O Segredo da Modelo Perdida. Eduardo Mendoza – Prémio Cervantes 2016 – regressa assim a uma personagem que está presente em vários dos seus romances, incluindo aquele que é, porventura, o seu livro mais conhecido, O Labirinto das Azeitonas.
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No final do romance O Enredo da Bolsa ou da Vida (Sextante, 2013), de Eduardo Mendoza (n. 1943), encontramos a sua personagem principal, um detective louco, a gerir um salão de cabeleireiro de senhoras o qual será trespassado aos donos de um bazar chinês que fica paredes meias, para que estes o transformem num restaurante de comida chinesa com a condição de lhe darem o emprego de fazer pequenos mandados. É nesta ocupação que o vamos encontrar no mais recente romance do autor catalão, O Segredo da Modelo Perdida. Eduardo Mendoza – Prémio Cervantes 2016 – regressa assim a uma personagem que está presente em vários dos seus romances, incluindo aquele que é, porventura, o seu livro mais conhecido, O Labirinto das Azeitonas.
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ARTIGO_SIMPLES
O leitor nunca saberá o nome deste detective de ocasião, que neste livro, e por causa de um incidente fortuito, a mordidela de um cão enquanto fazia as distribuições para o restaurante chinês “vestido de guerreiro Xi’an”, nos conta um caso em que esteve envolvido nos anos 80, a morte de uma modelo, Olga Baxter, e que acaba resolvido de forma atabalhoada para disfarçar uma intriga tentacular. Depois de na primeira parte do livro nos contar o caso, e as investigações que fez à época (pressionado por se ter visto envolvido sem querer e ser procurado pela polícia) com a ajuda da menina Westinghouse (um antigo guarda civil transexual que tinha inscrita no cartão de visita a frase ‘Fazem-se jobs ao domicílio’), o detective louco, e isto já na segunda parte do romance, 35 anos depois, reabre-o. Com este hiato de tempo, Mendoza consegue dar ao leitor uma ideia das mudanças acontecidas na sociedade espanhola desde ‘os anos da Transição’ até aos dias de hoje, sobretudo naquele microcosmo barcelonês, aparentado com o bas-fond cinematográfico, que o autor visita amiúde nos seus livros. “Naquela época Barcelona era uma porcaria. Hoje é a cidade mais admirada. Quem havia de dizer! O presente nada tem a ver com o passado. Ou tem?”. Pelo meio da trama, surge ainda uma organização clandestina de empresários catalães que nos anos 70 lutou contra o franquismo usando a “heróica, patriótica e exemplar estratégia” de levar todo o dinheiro para a Suiça.
Eduardo Mendoza é um escritor extremamente ágil que consegue imprimir um ritmo quase frenético às narrativas, e este romance não é excepção. Outro dos seus traços tão característicos é o humor cáustico, não passa uma página sem provocar um sorriso (quando não gargalhadas) que seja ao leitor. Em O Segredo da Modelo Perdida, Mendoza parece recorrer de maneira propositada a um registo de arcaísmo cómico que transforma o detective louco numa espécie de pícaro da antiga Espanha, um verdadeiro Lazarilho de Barcelona. São inúmeros os exemplos de situações rocambolescas e absurdas. “Dava por perdidas todas as minhas esperanças quando, mal iniciada a travessia, ouvi atrás de mim o ruído produzido por um brusco movimento da vegetação, acompanhado de um grunhido e seguido de um grande estrépito e profusão de injurias, ameaças e pragas. Virei a cabeça e vi o meu guardião por terra, procurando às apalpadelas o cassetete, que tinha deixado cair em consequência do sobressalto e da confusão, no intento de repelir o ataque de um animal diminuto mas muito animoso e persistente.”
Por entre a ironia e a paródia, em registos que se misturam e trocam – por exemplo um porteiro que fala em registo de advogado, ou muitos outros, incluindo o narrador quando se dirige ao leitor – Eduardo Mendoza tece um romance divertido, no entanto sem a profundidade de retrato de uma cidade e das suas gentes a que chegou noutros livros.