“Não se vê, não se cheira, não se ouve”
Antigo mineiro e ambientalista lamenta atraso na recuperação das antigas minas de urânio e diz que é difícil mobilizar a população para o problema ambiental. “Qualquer dia que passe é sempre tempo a mais”.
António Minhoto anda nisto há muitos anos. Antes de ser presidente da Associação de Zonas Uraníferas (AZU) foi mineiro, de 1976 a 1989. Depois, com o encerramento progressivo das minas naquela zona onde se cruzam os distritos de Viseu, Guarda e Coimbra, somou as preocupações com os problemas dos antigos mineiros às do impacto ambiental do abandono das explorações de urânio.
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António Minhoto anda nisto há muitos anos. Antes de ser presidente da Associação de Zonas Uraníferas (AZU) foi mineiro, de 1976 a 1989. Depois, com o encerramento progressivo das minas naquela zona onde se cruzam os distritos de Viseu, Guarda e Coimbra, somou as preocupações com os problemas dos antigos mineiros às do impacto ambiental do abandono das explorações de urânio.
As antigas minas a céu aberto de Quinta do Bispo, Mondego Sul, e Castelejo são dos pontos mais sensíveis. As duas últimas já têm intervenções previstas, mas a recuperação da Quinta do Bispo, entre as povoações de Póvoa de Espinho e Cubos, ainda não tem data para arrancar.
Maria Fernanda carrega um carro com palha numa segunda-feira de manhã de cafés fechados, tempo chuvoso, ruas quase desertas. A eventual contaminação dos solos não lhe causa desassossego. Em casa utilizam a água da rede, mas para o cultivo a água vem dos poços. “A gente não sabe se a água está contaminada, se não está… É o que há.”
Na Póvoa de Espinho, a questão do impacto ambiental da antiga mina também não é a mais preocupante, pelo menos para Hermínia Figueiredo. O abandono dos terrenos trouxe problemas de segurança, conta. Fala na vegetação que ali cresce descontroladamente (um incêndio em 2015 amenizou essa situação) e lembra o caso de um homem da aldeia que, antes de a área ser vedada, ali morreu numa queda, quando ia levar os seus animais a pastar.
“Em 2004, quando só tinha aqui uma cancela, serviu para um empreiteiro menos escrupuloso vir buscar material contaminado para utilizar nas obras de saneamento básico de Cubos”, lembra António Minhoto. Hoje, o perímetro da mina tem uma cerca e nos sinais colocados à entrada da antiga exploração podem ler-se os avisos de “proibida a entrada – cratera mineira” e “águas, areias e escombros eventualmente contaminados”. Para lá da vedação observa-se a escombreira e o que sobra da indústria. Vegetação, um monte de aparência terrosa, uma cratera e, lá em baixo, uma lagoa de águas azul vívido.
O ex-mineiro e ambientalista ensaia uma explicação para esta aparente despreocupação com as consequências do abandono das explorações uraníferas. “Esta poluição não se vê nem se cheira.” Fala mesmo em crianças das aldeias circundantes que iam dar mergulhos ao lago deixado pela exploração mineira. A invisibilidade do problema também tornou mais difícil a mobilização das populações para protestar contra o abandono das várias explorações mineiras de urânio na região.
Da Quinta do Bispo avista-se a Cunha Baixa, noutra encosta. A antiga mina, a escassas dezenas de metros de casas, é uma das que já foram reabilitadas, num projecto que custou seis milhões de euros. Hoje, o terreno é ocupado por um açude que recolhe águas das chuvas para distribuir por campos agrícolas e por uma área de recreio, com bancos e mesas de betão num plano elevado com vista para a povoação.
O presidente da Câmara de Mangualde, João Azevedo, diz ter recebido informação da EDM de que a última mina a ser intervencionada seria a da Quinta do Bispo, por servir de estaleiro das obras que vão sendo realizadas. Os trabalhos só arrancarão “eventualmente no final de 2018” e terão um custo superior às da Cunha Baixa. A utilização a dar aos terrenos ainda é desconhecida. Esta é uma das interrogações do presidente da AZU: o que fazer com estes terrenos quando recuperados? “Não dão para agricultura nem dão para criação de gado”, diz, pelo que a sua utilização fica limitada.
Os censos mostram que, entre 2001 e 2011, as freguesias de Espinho e da Cunha Baixa perderam cerca de um quinto da população. João Azevedo entende esta diminuição como fazendo parte de um “despovoamento transversal” do interior e não como consequência dos perigos que representam as antigas minas a céu aberto. Mangualde quer agora aproveitar a reabilitação dos antigos espaços de exploração para criar uma rota da história mineira e transformar “um problema ambiental num factor de atracção” turística, explica o autarca.
Junto ao Mondego
Na aldeia de Ázere, uma pequena barreira de terra — que não terá mais de cinco metros — separa a albufeira da Aguieira da cratera inundada deixada pela antiga exploração. “Conforme sobe o nível da barragem, sobe também o nível da lagoa”, conta Jorge Sarmento que, por várias razões, tem uma relação de proximidade com as minas de Mondego Sul. Para além de ser membro da AZU, o seu quintal dá para os terrenos da mina abandonada e é deputado da CDU na Assembleia Municipal de Tábua. Há vários anos que alerta para aquele perigo: há um “problema de comunicação de águas” que “afecta todo o Mondego a jusante”. Mas, tal como António Minhoto, Jorge Sarmento explica que, como este é um problema que “não cheira mal, não se vê nem se ouve, as pessoas esquecem”. As minas de Mondego Sul deixaram de ser exploradas há 30 anos.
Em Dezembro, o município de Tábua anunciou que o Governo avançaria para a recuperação daquelas minas durante este ano, apesar de não ter estabelecido prazos nem ter adiantado o montante necessário para a reabilitação dos terrenos.
Amílcar Castanheira Luís foi presidente da junta durante 18 anos e agora dirige a Acuredepa, uma IPSS que comprou os terrenos da antiga mina de Ázere à Empresa Nacional de Urânio para ali construir um empreendimento turístico. O dirigente lamenta os sucessivos atrasos justificados pela EDM com a “falta de verbas” e aguarda agora que se elimine a “contaminação de água e solos, de forma a permitir a utilização futura” dos 17 hectares.
Enquanto a reabilitação não avança, a escombreira vai tendo variadas utilizações. Já foi palco de uma prova de todo-o-terreno, serve para o despejo ilegal de entulho e há quem vá ali carregar areia. Perto da lagoa que confina com o Mondego encontram-se pequenos segmentos de fios de nylon, sinal de que há quem pesque nas águas da antiga mina.
A AZU nasceu em 2000 e já viu a recuperação das antigas minas de urânio da região ser anunciada para depois ser adiada. António Minhoto não sabe dizer quando ficará resolvido o problema, mas diz que, depois de tantos anos, “qualquer dia que passe é sempre tempo a mais”.