Gestão e áreas protegidas
Sem investir em equipas de vigilância e extensão rural parece-me que toda esta conversa não vai passar de mais uma guerra de alecrim e manjerona.
Sei que não vou por aí; Numa coisa todos estão de acordo: como está, não dá para continuar.
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Sei que não vou por aí; Numa coisa todos estão de acordo: como está, não dá para continuar.
Mal li este arranque de uma peça de Ana Fernandes sobre a gestão de áreas protegidas, lembrei-me de José Régio a dizer que não sabia por onde ia, não sabia para onde ia, mas sabia que não ia por aí. Penso que não será pôr-me em bicos de pés se disser que fui eu, exactamente eu, quem se lembrou de propor o modelo que pôs de acordo toda a gente: “como está, não dá para continuar”. E não será pôr-me em bicos de pés porque não é com certeza grande medalha propor um modelo que falhou redondamente.
Poderia dizer que entre o momento em que foi feita a proposta e a sua aprovação o modelo foi sendo martelado (o que é verdade); poderia dizer que entre a aprovação e a sua aplicação o modelo foi desvirtuado (o que é verdade); poderia dizer que quem tinha a responsabilidade de fazer o modelo funcionar não estava interessado em o fazer (o que é verdade), mas nada disso é muito relevante. A verdade é que havia um modelo, se adoptou um modelo alternativo e o resultado, hoje, é pior.
Não é pior só porque o modelo é pior. Não inventei o modelo, lembrei-me apenas de sugerir um modelo existente em vários sítios do mundo, começando por Espanha. O modelo pode é ter acentuado as razões pelas quais a gestão de áreas protegidas em Portugal pelo Estado central é um desastre há muitos anos.
E o que me preocupa na actual discussão sobre alterações à gestão de áreas protegidas é o facto, muito comum em políticas públicas em Portugal (veja-se o excelente artigo recente de Nuno Garoupa sobre custas judiciais), de haver facilmente acordos sobre por onde não se quer ir, sem a menor noção de por onde e para onde se quer ir.
Com muita frequência não se avaliam resultados, não se recolhe informação empírica, não se discute o que significa a informação existente.
Há uns anos, a Câmara Municipal do Barreiro encomendou-me um trabalho que lhe permitisse uma decisão informada sobre se deveria criar, ou não, uma área protegida local no concelho.
Optei, nessa altura, por fazer uma coisa que o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas deveria fazer numa base regular, mas que simplesmente não faz de forma consistente: avaliar a gestão de todas as áreas protegidas locais, ver quais as que funcionavam bem e mal e tentar perceber que regras e opções de gestão estavam associadas aos diferentes resultados.
Nas áreas protegidas locais havia de tudo, como na botica: áreas muito bem geridas, áreas muito mal geridas, áreas não geridas de todo, áreas com maior pendor de visitação, áreas muito mais centradas na conservação, áreas bem conhecidas, áreas mal conhecidas, áreas com orçamentos generosos, áreas com orçamentos draconianos, áreas fortemente centradas na actuação pública, áreas como muito boa articulação com agentes privados, enfim, uma variedade de situações enorme.
Por mim, tanto me faz que seja o Estado central, autarquias locais ou privados a gerir áreas protegidas, há abundante literatura mundial sobre áreas protegidas que demonstra que é possível ter boas soluções de gestão com qualquer destas opções, e que é possível ter desastres com qualquer destas opções de entidade de gestão.
O que estranharia se funcionasse é a ideia peregrina de institucionalizar o princípio de que “uns comem os figos e aos outros rebenta-lhes a boca” atribuindo as partes simpáticas e fofinhas da gestão a umas entidades (distribuição de dinheiro, visitação, etc.) e as partes espinhosas a outras entidades (pareceres sobre conservação). Pelo menos não conheço uma única aplicação deste modelo de gestão que funcione em lado nenhum do mundo.
Não é verdade que os privados não estejam interessados em garantir a conservação dos valores naturais (aconselho quem tenha dúvidas a dar uma volta por muitas e muitas áreas protegidas geridas pelo National Trust inglês, ou pelo menos conhecido Natuurmonumenten holandês, por exemplo) nem é verdade que o Estado central garanta a conservação do que quer que seja (aconselho quem tenha dúvidas a dar uma volta pelas áreas protegidas nacionais em Portugal).
Se tivesse de escolher um factor, um único, que desse a maior garantia de uma boa gestão de áreas protegidas, eu escolheria o que a minha longa experiência no assunto confirma do que li na literatura: os guardas, vigilantes, rangers, o que se lhe quiser chamar, isto é, os que todos os dias estão no terreno, que todos os dias falam com as pessoas, residentes ou visitantes, os que fazem a ligação entre quem estuda e o terreno, entre os que investem e o terreno.
Não, não são trabalhadores rurais, não são sapadores florestais, não são polícias e todas essas coisas que com frequência associamos a esta categoria profissional, são isso tudo, é certo, mas são muito mais que isso. Em muitos países estas funções são desempenhadas por equipas que podem juntar o pastor que toda a vida viveu naquela área e resolveu mudar de vida e o investigador júnior que resolveu combinar o seu doutoramento com forte experiência prática ou mesmo o investigador sénior que sentiu necessidade de voltar a sair do seu casulo académico e pôr outra vez os pés na terra.
Sem avaliação séria do que é hoje a gestão de áreas protegidas em Portugal, por parte do Estado central, por parte de autarquias e por parte de privados, e sem verdadeiramente investir em equipas de vigilância e extensão rural que são, em qualquer parte do mundo, a verdadeira cara da área protegida, francamente, parece-me que toda esta conversa sobre alterações de gestão das áreas protegidas não vai passar de mais uma guerra de alecrim e manjerona.