Olá vizinho, queres partilhar wi-fi?
Regar as plantas, cuidar dos animais, carregar as compras. Projecto de investigação e intervenção social La Escalera já está em mais de 30 comunidades de Madrid. E há um kit online para o fazer chegar a todo o mundo. Objectivo: criar redes de solidariedade entre vizinhos
Para carregar as compras até ao terceiro piso, Rosario e Luisa contavam sempre com a ajuda de Rosa Jiménez. Em troca, as duas irmãs, idades de respeito, convidavam-na para entrar e comer algo. No resto do prédio, a vizinhança era também uma comunidade: a limpeza do edifício, por exemplo, era repartida entre todos (irmãs do terceiro andar à parte). O choque foi, por isso, gigante quando, aos 18 anos, Rosa se mudou de Sevilha para Madrid e foi parar a um local onde os vizinhos eram perfeitos estranhos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Para carregar as compras até ao terceiro piso, Rosario e Luisa contavam sempre com a ajuda de Rosa Jiménez. Em troca, as duas irmãs, idades de respeito, convidavam-na para entrar e comer algo. No resto do prédio, a vizinhança era também uma comunidade: a limpeza do edifício, por exemplo, era repartida entre todos (irmãs do terceiro andar à parte). O choque foi, por isso, gigante quando, aos 18 anos, Rosa se mudou de Sevilha para Madrid e foi parar a um local onde os vizinhos eram perfeitos estranhos.
Já lá vão 16 anos a viver na capital espanhola e há uma contabilidade que é um diagnóstico claro: nestes anos, Rosa não conheceu “mais do que cinco vizinhos” pelo nome. Com esse cenário de solidão urbana como alvo a abater, iniciou, em Novembro, o La Escalera, um projecto que procura criar redes de apoio e solidariedade entre vizinhos.
As raízes da história estão em Sevilha. Mas não se esgotam aí. Vamos recuar.
Rosa mudou-se para Madrid, estava o ano 2000 a estrear-se, para estudar Jornalismo, curso que acabou por trocar por uma formação superior na área da imagem. Há uns anos, deu nova volta à vida para se entregar a um curso de auxiliar de enfermagem e a outro de acompanhamento terapêutico. Trabalhou em centros de dia com idosos, fez acompanhamento pessoal de doentes com dependências e terapia na área da saúde mental. E assim se cruzou com o grupo de investigação MediaLab Prado.
Há seis meses, quando Rosa ficou desempregada, foi resgatar uma ideia discutida nesse grupo: de que forma pode a comunidade pode ajudar vizinhos mais vulneráveis que vivem isolados? Com o projecto de investigação social Indaga, presidido pelo marido Carlos López, apresentou ao MediaLab Prado o La Escalera. Com duas vertentes: investigação e intervenção social.
Com a criação de um kit de ícones para imprimir, recortar e colar nas caixas de correio, o projecto incentiva os vizinhos a partilhar wi-fi, a regar as plantas, a ajudar a carregar as compras ou até a convidar para um café. Outros “autocolantes” vêm sem nada escrito e permitem mensagens personalizadas. As possibilidades são imensas: tomar conta dos filhos, cuidar do gato ou passear o cão quando o vizinho se ausenta, receber encomendas enviadas por correio, partilhar refeições, boleias ou até partilhar Netflix.
A ideia procurou dar resposta a um interesse inesperado despontado depois de uma primeira e “tímida” apresentação do La Escalara, feito na página de Facebook de Rosa Jimézez. “A publicação teve muito mais impacto do que esperávamos”, conta numa entrevista por email ao P3. De repente, havia gente de vários locais de Espanha e até da Austrália a contactá-la. Queriam implementar o La Escalera no prédio deles.
Em Madrid, há já 30 comunidades a estreitar laços com este projecto. Noutros locais, os ecos que lhe chegam através das redes sociais ou por email são também animadores. “Qualquer pessoa pode participar” no projecto que para a sevilhana é ainda mais importante num cenário como o espanhol, em que quem os arrendamentos são frequentes: “A lei de propriedade horizontal diz que se estás em regime de arrendamento precisas da autorização do senhorio para assistir às reuniões de condomínio e em nenhum caso o inquilino tem direito de voto”, explica a espanhola de 34 anos que gostava muito de ver o projecto traduzido para a língua de Camões. “Não sei como será em Portugal, mas em França, por exemplo, é habitual haver a ‘festa de vizinhos’, um evento anual organizado pela própria comunidade.”
Para Rosa Jiménez, o caminho é esse. “Acreditamos que a comunidade é formada pelas pessoas que habitam os espaços, independentemente do regime de uso [compra ou arrendamento], e acho que estamos a precisar de espaços de encontro e participação inclusivos”, acrescenta.
Num futuro nada longínquo, o La Escalera quer juntar-se a outras iniciativas e, dessa forma, potenciar a capacidade de criar redes. As ideias andam a fervilhar na cabeça de Rosa: pode ser através de comércio de proximidade, com a criação de uma rede de telecomunicações livre, aberta e neutra, como faz o colectivo Guifi.net, projectos de saúde comunitária, o uso de energias mais éticas e sustentáveis. O La Escalera ainda agora começou, mas “não param de abrir-se novas formas de trabalho. É emocionante”. E Portugal está também convidado.