A armadilha finlandesa, ou prometer o céu de graça
O assunto anda por aí: a promessa de um rendimento básico universal (RBI), pago a toda a gente toda a vida, seja rico ou pobre, empregado ou desempregado, criança ou adulto (mas o Estado deixa de pagar o resto). Tudo se vai tornar fácil, portanto, é chapa garantida. Na Finlândia, já começou com um subsídio a alguns desempregados. Na Suíça, já se votou em referendo. Em França, o candidato socialista promete que vai ser desta.
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O assunto anda por aí: a promessa de um rendimento básico universal (RBI), pago a toda a gente toda a vida, seja rico ou pobre, empregado ou desempregado, criança ou adulto (mas o Estado deixa de pagar o resto). Tudo se vai tornar fácil, portanto, é chapa garantida. Na Finlândia, já começou com um subsídio a alguns desempregados. Na Suíça, já se votou em referendo. Em França, o candidato socialista promete que vai ser desta.
O único problema é que nada disto bate certo. Em França, Benoit Hamon promete um dia e despromete no dia seguinte – e, como vai a feijões, é tudo promessa gratuita. Na Suíça, a ideia foi votada mas derrotada. E, na Finlândia, se a proposta serve de exemplo, o seu objectivo é reduzir o pagamento do subsídio de desemprego para menos de metade.
O leitor e a leitora já conhecem a minha reserva sobre esta política, por duas razões. A primeira é que não se promete o céu de graça e só vejo motivos para estranhar que os promotores do RBI se irritem por lhes pedir contas – afinal, querem fazer uma promessa de distribuir dinheiro mas acham aborrecido que lhes pergunte de onde vem o maná. A conta é aliás fácil de fazer, com 10 milhões de habitantes em Portugal: se o RBI entre nós fosse o de Hamon, 750 euros, isso custaria 105 mil milhões, mais de 60% do PIB. Portanto, duplicando os impostos e despedindo todos os professores, bombeiros, enfermeiras, médicas, polícias, tropas e nem pensar em gastar um cêntimo com as funções que esperamos que o Estado cumpra, seria possível pagar a factura.
A minha segunda razão é que desconfio desta ilusão da sociedade plana, em que não se reconhecem diferenças de classe social e portanto a protecção social é anulada e mercadorizada. A experiência finlandesa é a esse respeito impressionante.
Na Finlândia, o salário médio é de 3400 euros por mês e o subsídio de desemprego responde a este nível. Pois o governo inventou uma experiência em que dois mil desempregados ficam a receber só 560 euros por mês, durante dois anos, para ver como reagem a ofertas de emprego. A sua vida é comparada com um grupo de desempregados que continua a receber os subsídios legais.
Diz o relatório do governo: “O objectivo da proposta legislativa é aplicar o RBI para saber se este pode ser usado para reformar a segurança social, especificamente para reduzir as armadilhas dos incentivos em relação ao trabalho.” Aqui estão revelados todos os preconceitos sobre os desempregados preguiçosos mas, sobretudo, uma estratégia bem definida: o que se está a testar é se o empobrecimento dos desempregados muda a sua atitude perante o que lhes ofereçam – e portanto se aceitam a redução dos seus rendimentos para voltarem a trabalhar. Ou, o que se pretende é a cura de que os portugueses já ouviram falar, reduzir os salários.
No relatório da segurança social finlandesa sobre a experiência reconhece-se que esta aumentará a pobreza infantil e que, ao alterar o modelo de protecção social, os desempregados ficarão sempre a perder: "Surpreendentemente, os desempregados seriam os maiores perdedores. Para eles, rendimento básico substituiria apenas parcialmente o rendimento existente" (p.41). Mas esse é mesmo o objectivo. A política neoliberal procura reduzir a segurança social e encontrou este filão: prometendo tudo a todos, e será pouco pois a restrição orçamental é mais dura do que a ideologia, reduz os rendimentos dos desempregados, abate os salários, poupa nas pensões e anula as despesas públicas com a saúde e educação. O mercado, portanto, ganharia em todos os campos.
Na Finlândia, o RBI é usado não para prometer a bonança, mas para conseguir o empobrecimento dos desempregados e para baixar os salários dos empregados. O céu não é de graça, sobretudo quando se vai a caminho do inferno.