Precários? Preparem-se para uma desilusão
Mas lendo este relatório sobre a dita 'precariedade' no Estado, ou o Governo abre os cordões à bolsa (e muda de conceito sobre o mercado laboral) ou a esquerda vai ter uma grande desilusão.
São só 59 páginas. É preciso lê-las devagarinho, porque têm muitos quadros com informação e diferentes conceitos e contextos. Mas vale a pena o esforço de ler o relatório que o Governo apresentou na sexta-feira sobre os trabalhadores ditos ‘precários’ do Estado. Não só porque ficamos com um bom retrato da complexidade das várias funções do Estado, mas também porque ficamos com a ideia de que precários não há muitos. Ou há, mas é assim que fazem sentido.
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São só 59 páginas. É preciso lê-las devagarinho, porque têm muitos quadros com informação e diferentes conceitos e contextos. Mas vale a pena o esforço de ler o relatório que o Governo apresentou na sexta-feira sobre os trabalhadores ditos ‘precários’ do Estado. Não só porque ficamos com um bom retrato da complexidade das várias funções do Estado, mas também porque ficamos com a ideia de que precários não há muitos. Ou há, mas é assim que fazem sentido.
É essa a versão do Governo. Área a área, o que se lê é uma longa justificação da utilidade dos contratos a prazo. E a justificação legal para a sua contratação, com a minúcia de nos remeter para os artigos das leis que abrem espaço a essas contratações. Seja nas áreas onde isso será mais pacífico (como nos voluntários das Força Armadas), ou nos casos mais polémicos - e é aqui vale a pena apontar o caso da Saúde.
A ideia que todos temos, que mais se discute na praça pública, é a de que os hospitais funcionam com enormes dificuldades e pouquíssimos médicos e enfermeiros, certo? E que há muitos precários que lá trabalham, com contratos ilegais que deviam ser, na verdade, contratos permanentes. Certo? Não, não é isso que diz o Governo.
Ora anote, por exemplo, esta passagem do relatório (respire fundo): “Em resultado da situação particular que envolve a prestação de cuidados de saúde, quer em termos de penosidade, quer pelos factores de risco que lhe estão associados, é elevada a taxa de absentismo no sector da saúde, factor que, associado à morosidade que subjaz à realização das necessárias juntas médicas, pode implicar que os trabalhadores permaneçam numa situação de ausência temporária durante um largo período temporal, não raras vezes durante três anos, o que implica, durante este período, que a sua substituição seja assegurada através do recurso ao regime do contrato de trabalho a termo resolutivo incerto.”
Dirão o Bloco e o PCP que não. E dirão que não a cada parárafo que lerem destas 59 páginas. “A cada posto de trabalho permanente terá que corresponder um posto de trabalho efectivo”, disse ontem Rita Rato (do PCP). “Há muitos milhares de casos em que não se justifica um contrato de trabalho permanente”, disse o ministro Vieira da Silva.
O Governo diz que agora vai avaliar tudo caso a caso (sabendo que neste documento isso está praticamente feito). E talvez junte a isto dados fundamentais como tempo médio destes contratos, necessidades dos serviços, critérios de escolha e disponibilidade orçamental. Mas lendo este relatório, ou o Governo abre os cordões à bolsa (e muda o seu conceito sobre o que é o mercado laboral) ou a esquerda vai ter uma grande desilusão.