Almada Negreiros, o homem que quis comer todas as artes

São 400 obras distribuídas por duas grandes galerias, muitas delas inéditas. Pintura, desenho, vitral, cerâmica, cinema, novela gráfica, teatro, dança... Almada Negreiros, “o omnívoro”, numa exposição que quer mostrar que o modernismo pode ter várias caras, é plural.

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Atravessa-se a exposição com uma sensação de familiaridade – Almada Negreiros faz parte de um certo imaginário colectivo quando se fala da arte do século XX em Portugal – e de descoberta. Os inéditos são muitos e surpreendentes: uns, como o retrato de Tareca, uma das meninas da alta burguesia lisboeta com quem o artista cria os seus bailados, não parecem sequer feitos por ele; outros, como o que terá pertencido a Gonçalo de Mello Breyner, tio de Sophia e amigo de Almada, mostram corpos de género indefinido cobertos por linhas finas e são como um mistério.

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Atravessa-se a exposição com uma sensação de familiaridade – Almada Negreiros faz parte de um certo imaginário colectivo quando se fala da arte do século XX em Portugal – e de descoberta. Os inéditos são muitos e surpreendentes: uns, como o retrato de Tareca, uma das meninas da alta burguesia lisboeta com quem o artista cria os seus bailados, não parecem sequer feitos por ele; outros, como o que terá pertencido a Gonçalo de Mello Breyner, tio de Sophia e amigo de Almada, mostram corpos de género indefinido cobertos por linhas finas e são como um mistério.

José de Almada Negreiros: Uma maneira de ser moderno, que é hoje inaugurada na Gulbenkian (fica até 5 de Junho), ocupa as duas salas de exposições temporárias do edifício-sede da fundação, as mesmas onde, em 2006-2007, esteve instalada, e com enorme sucesso, Amadeo de Souza-Cardoso – Diálogo de Vanguardas.

Passaram 25 anos sobre a última grande exposição dedicada a Almada (1893-1970) e talvez por isso seja justo dizer que a que agora reúne em Lisboa 400 trabalhos do artista, um quarto deles inédito, gera grandes expectativas. Como se não bastasse agregar num mesmo espaço algumas das obras mais importantes deste artista-omnívoro que fez de (quase) tudo, inclui ainda um variado programa paralelo, com mesas-redondas, visitas guiadas às gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, em que Almada deixou painéis a fresco, uma peça de teatro (Antes de Começar, pelo Teatro da Esquina), um concerto com a orquestra da casa (La Tragedia de Doña Ajada), um ciclo na cinemateca com filmes a ele ligados (o cinema fascinava-o, Chaplin sobretudo, Isabel Ruth em Os Verdes Anos também) e a projecção rara de Almada, Um Nome de Guerra, o antifilme de um admirador confesso – Ernesto de Sousa.

Uma maneira de ser moderno abarca o amplo arco cronológico da obra de Almada – 60 anos, ao contrário da de artistas seus contemporâneos a que é muitas vezes associado, como Amadeo de Souza-Cardoso e Guilherme de Santa Rita –, mostrando obras do início da carreira, marcada pelo desenho humorístico e pelas primeiras encomendas, as da Alfaiataria Cunha, até aos óleos dos anos 1950, que tornam mais evidentes as pesquisas geométricas que sempre o ocuparam e que têm no painel Começar (1968) – o intrincado ensaio/testamento que Almada faz por encomenda para o átrio do edifício-sede da Gulbenkian – o seu expoente máximo.

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Nesta obra sem título e sem data, é visível o ecletismo e hibridez de linguagem que compõe toda a modernidade, diz a comissária FOTO: CORTESIA: FUNDAÇÃO GULBENKIAN

A exposição, comissariada pela historiadora de arte Mariana Pinto dos Santos (o comissariado executivo é de Ana Vasconcelos), procura mostrar através da obra de Almada Negreiros que o debate sobre a modernidade não pode assentar apenas na dicotomia centro-periferias nem no discurso que associa as segundas a um atraso permanente. Um discurso “estafado” que ignora uma série de cruzamentos e que esquece que o próprio centro está cheio de periferias. “O modernismo é absolutamente plural. Há várias interpretações do que é ser moderno e do que é trazer a modernidade para a arte, e algumas têm lá dentro valências contraditórias – umas olham para a modernidade como sinónimo de progresso, outras olham para a modernidade e vêem nela uma possibilidade de reinventar a tradição. Umas não excluem as outras”, argumenta esta investigadora da Universidade Nova de Lisboa que trabalha o espólio de Almada Negreiros que pertence à família desde o começo da década de 2000, com Luís Manuel Gaspar, Fernando Cabral Martins e Sara Afonso Ferreira, e que é co-editora da obra literária do artista na Assírio & Alvim.

A historiografia que tem olhado para o moderno em países como Portugal, Suécia, Islândia, Polónia ou Dinamarca sempre por referência a Paris peca muitas vezes por ignorar as singularidades da produção destas “periferias”, defende, peca por procurar uma espécie de padronização.

Em Uma maneira de ser moderno, a comissária quis reunir obras que problematizassem esta multiplicidade do modernismo, mostrando ainda que há uma série de constantes na produção de Almada, como as pesquisas geométricas, que são, no fundo, a procura do que está na base da representação, de uma linguagem entendível por todos. Quis também realçar o que de novo há na investigação à sua volta, contrariando algumas ideias enraizadas, como a de que há géneros e registos mais importantes do que outros em Almada e a de que ele é, de certa forma, um artista do regime.

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Almada retrata-se aqui com Ione Mignoni, uma italiana que foi sua companheira em Madrid. Esta obra pertence a uma colecção pública brasileira FOTO: CORTESIA: FUNDAÇÃO GULBENKIAN

Uma arte sem hierarquias

Com uma apetência natural para desenhar e sem qualquer formação em arte – não fez Belas Artes nem sequer andou numa escola de desenho industrial, lembra o designer Carlos Bártolo –, Almada começa pelo desenho humorístico na imprensa e deixa que a sua actividade se alastre rapidamente. Colabora com a revista Orpheu (título absolutamente fundamental do século XX português, tanto nas letras como nas artes), escreve e apresenta os seus manifestos, às vezes com estrondo; encena, coreografa e dança, claramente influenciado pela passagem por Lisboa dos revolucionários Ballets Russes de Sergei Diaghilev; cria figurinos, pinta, organiza congressos e exposições, algumas delas por concretizar e com sonhos de internacionalização, como as que envolvem os pintores Robert e Sonia Delaunay, Amadeo e Eduardo Viana, e os poetas Guillaume Apollinaire e Blaise Cendrars, todos eles tocados, de alguma forma, por Arthur Rimbaud, o autor de Iluminações.

No catálogo, cuja autoria partilha com Fernando Cabral Martins, Gustavo Rubim, Luís Trindade, Tiago Baptista e Marta Soares, entre outros, Bártolo defende que uma das suas grandes singularidades é rejeitar a distinção entre “artes maiores” e “artes menores”, o que o leva a uma produção sem hierarquias em que todos os géneros se contaminam. “Podemos defender que o desenho atravessa tudo e está antes de tudo – é assim desde o Renascimento e é assim em Almada –, mas isso não significa que ele lhe dê mais importância do que à escrita, à pintura em tela ou a fresco, aos grandes painéis em azulejo ou às tapeçarias, aos objectos de cena, aos figurinos, aos vitrais, aos trabalhos gráficos, aos desenhos pequeninos que faz em qualquer papel que encontre e em qualquer lado... Almada é tudo em simultâneo”, explica este investigador, que está a trabalhar numa tese de doutoramento em que analisa as estratégias de comunicação do Estado Novo.

Companheiro dos modernistas da Brasileira – Pessoa, Sá-Carneiro, Amadeo, Santa Rita –, Almada assina capas de livros e publicações como Manifesto Anti-Dantas; K4, O Quadrado Azul; Portugal Futurista. Em 1919, parte para Paris, onde vive um ano em condições muito precárias, regressando para sair de novo, anos mais tarde, desta vez para Madrid (1927-1932), onde trabalha muito e tem a seu lado Ione Mignoni, uma italiana filha de um cenógrafo e de uma cantora de ópera e que, até ao fim, terá falado de Almada como o grande amor da sua vida.

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Almada Negreiros com Sarah Affonso em Moledo do Minho, em 1934 FOTO: DR

Quando regressa a casa, está instituído o Estado Novo e, com ele, vem uma proposta de integração das artes defendida desde o início do século pela Bauhaus e, antes dela, pelo Arts & Crafts da Inglaterra da segunda metade do século XIX. “Desta integração, Almada tira a ideia de que a modernidade tem de estar em tudo na vida, que o moderno não é um movimento a que se pertence – é o que se faz, é o que se é”, diz Mariana Pinto dos Santos.

O Estado Novo de Salazar, como a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini, tem um forte desejo de modernidade, e o facto de Almada ter participado em exposições promovidas pelo Secretariado de Propaganda Nacional (mais tarde Secretariado Nacional de Informação) de António Ferro e de ter aceitado várias encomendas para grandes obras públicas – gares marítimas, liceus, universidades – não significa, diz a comissária, que fosse, como há quem defenda, um artista alinhado com o regime. Aliás, lembra, entre 1932 e 1937 escreve um vastíssimo conjunto de textos em que contesta abertamente a política de Ferro e a sua visão do modernismo, proclamando a liberdade do artista. “Em 1936, por exemplo, participa na exposição dos artistas modernos independentes ao lado do António Pedro, da Vieira [da Silva], do Mário Eloy e da própria Sarah Affonso [com quem se casara em 1934]. Ele sente haver um fechamento quando regressa [de Madrid] e manifesta-se contra ele.”

Muitos dos estudos que faz para as gares marítimas, por exemplo, estão agora expostos na Gulbenkian, na galeria do piso inferior, onde também têm lugar de destaque o desenho humorístico e a narrativa gráfica, que teve por principal destino o semanário Sempre Fixe.

“O Ferro admirava Mussolini, mas era com os modernos que estava”, acrescenta Bártolo, “respeita o Almada, sabe bem que não pode entrar em ruptura com ele”. É António Ferro, aliás, quem assim o caracteriza, logo em 1921, nas páginas do Diário de Lisboa: “José de Amada Negreiros faz tudo o que quer, é o grande saltimbanco da arte moderna portuguesa (...). A arte é para Almada Negreiros uma vitrina de brinquedos. Dá corda a este, dá corda àquele – mas não se decide por nenhum... Almada não se decide por nenhuma arte, toda a arte, contudo, se decidiu por ele.”

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A partir de 1941, ano em que recebe o prémio Columbano, consagração com a marca do regime, Almada passa a participar nas exposições oficiais e a aceitar de forma sistemática – e até a procurar – encomendas públicas. “Almada não vem, ao contrário de Amadeo, de uma família com dinheiro, a sua fonte de rendimentos é como a da maioria das pessoas – o trabalho. Para se sustentar – e para sustentar a família [os filhos nascem em 1934 e 1942] –, tem de aceitar encomendas e, nessa altura, o Estado é o único cliente. Para além deste aspecto prático, Almada queria ser exposto, reconhecido, queria que o seu trabalho fosse visto. Nada disto faz dele um adepto do regime”, explica a comissária. Trabalhar em espaços públicos dá-lhe, também, a possibilidade de cumprir um dos seus objectivos – “fazer acontecer a modernidade”, levá-la à vida das pessoas para que a ela não aceda apenas o pequeno grupo que visita exposições, sejam elas independentes ou não.

A forma como Almada responde a algumas das encomendas que recebe do Estado – muitas delas chegam através do arquitecto com quem mais trabalhou, Porfírio Pardal Monteiro – é um reflexo da sua capacidade de reacção e de um certo distanciamento ideológico que mantém da chamada “política do espírito” promovida pelo regime. “Muitas vezes não pode escolher o tema porque a encomenda o define bem, mas pode interpretá-lo à sua maneira – nas igrejas de Nossa Senhora de Fátima [Avenida de Berna], por exemplo, as figuras dos vitrais têm uma linguagem gráfica muito próxima do seu desenho humorístico, e o Cristo da capela mortuária [há um estudo em tamanho real na exposição] vai ficando verde, que é a cor identitária de Almada. Na do Santo Condestável [Campo de Ourique], a Virgem da Anunciação tem a pela escura, o que nos faz lembrar que ele nasceu em São Tomé e que a sua avó materna era angolana.” As varinas que representa nos frescos da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, que termina em 1949, também parecem africanas, longe da estilização vigente na época.

O seu trabalho nesta gare, que tal como a de Alcântara é desenhada por Pardal Monteiro, é dos que mais incomodam o regime, diz esta historiadora de arte, chamando a atenção para o facto de Almada pintar saltimbancos a pedir esmola e colocar o tema da emigração numa sala de visitas da cidade – nos seus painéis, Portugal é muito mais o lugar de onde se parte do que um porto de acolhimento. Refere Luís Manuel Gaspar, autor da preciosa cronologia do catálogo, que vários conservadores influentes que os achavam “indignos” chegaram  a pedir que os frescos fossem destruídos.

“Almada nunca desliga a arte da política”, defende a comissária, “mas diz sempre que faz arte e não política, o que não impede que boa parte dos seus textos seja profundamente política, contestatária”. Se assim é, porque é que é tantas vezes visto como um artista do regime? “Porque havia expectativas em relação ao Almada que foram goradas. Queriam que fizesse mais. Mas a verdade é que ele também não é adepto de determinado tipo de oposição e que, nalguns textos, põe comunismo e fascismo no mesmo saco.” Isto sem deixar de dizer, como numa entrevista de 1953, que “todo o artista faz realismo social”.

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Estar onde estão todos

Quem percorre a exposição e se detém um pouco na vida e obra de Almada fica com a sensação de que há um lado de performance em tudo o que faz (já assim era quando descia o Chiado com Santa Rita, deitando a língua de fora a quem passava e esperando desencadear reacções), um desejo permanente de intervir publicamente, de levar a que a arte e os artistas se tornem indispensáveis aos espaços partilhados por todos, ao que importa debater. 

É este lado de “disseminação” da modernidade, se quisermos, um dos aspectos que o distinguem de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) – o pintor de Manhufe que quis conquistar Paris e que provavelmente só não tem hoje outro lugar na história de arte internacional porque morreu cedo de mais –, com quem é constantemente comparado. Ambos procuravam reconhecimento, mas se em Amadeo encontramos um artista que se preocupou sobretudo com a sua carreira, que reduziu as suas áreas de intervenção e que definiu uma estratégia de promoção nacional e internacional sem se envolver em grandes intervenções públicas, em Almada temos uma multiplicidade de formas de expressão, de suportes, um esforço constante para chegar à sua audiência, para causar impacto, retirando a modernidade do ambiente elitista das tertúlias dos intelectuais e dos salões de exposições, e levando-as para os jornais, para as salas de teatro, para a rua.

“Almada é um omnívoro no sentido de querer comer todas as artes, de absorver todas as influências. Mas mantém os olhos sempre bem abertos e tem boa digestão, o que quer dizer que, na sua obra, se reconhecem essas influências, mas não se reconhecem cópias nem mimetismo porque eles não existem – o que existe é um discurso próprio.” O discurso de um homem que nasceu com uma “aptidão natural para o desenho”, que é um autodidacta eternamente curioso e disposto a experimentar.

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“O que há nele é a necessidade permanente de comunicar, de procurar o outro”, acrescenta, “e é por isso que tudo em Almada é público, tudo é espectáculo”. É por isso que procura constantemente o futuro, o que ainda não tem, o que ainda não viu, recorrendo a uma linguagem maleável que tanto produz um desenho neoclássico, “de salão”, como se dedica ao abstracto. “Desde que me conheço nunca pisei o risco fora daquilo que não fosse comunicação”, diz Almada no célebre programa da RTP Zip-Zip, em Maio de 1969.

“Espectáculo”, diz Mariana Pinto dos Santos, no sentido grego do termo, ligado ao acto de ver – neste caso de ver e ser visto, de dar a ver. "Aqueles olhos enormes são uma marca, ele constrói a sua identidade a partir deles, mas é mais do que isso. Há nele um sentido de serviço que também está presente nos saltimbancos que pinta e desenha, como tantos outros modernistas. Também ele sente que a sua missão é levar o espectáculo até ao fim e, se alguma coisa não chega ao público, é porque o artista falhou.”

Cinema no dia-a-dia

Um dos meios que o fascinam desde logo, precisamente por essa capacidade de comunicar e, sobretudo, de animar o desenho, é o cinema, em foco na segunda galeria desta exposição dividida em oito núcleos, a que abre com os painéis de gesso que criou para o Cine San Carlos, em Madrid, e com uma fotografia de cena do único filme em que Almada entra como actor, O Condenado (1921), de Mário Huguin, hoje perdido.

É lá que pode ver-se também o retrato que fez de Greta Garbo depois de ver O Beijo (1929), desenhos de mulheres em Paris e Biarritz, uma lanterna mágica com 64 desenhos (O Naufrágio da Ínsua, 1934) que relata as peripécias de um naufrágio sem vítimas em Moledo, nas primeiras férias que passa com Sarah Affonso, já casados. “Ele faz esta lanterna mágica, cheia de humor, para a mostrar num arraial do Minho, entre amigos. Este cinema fingido é um exemplo de como Almada trabalha para levar a linguagem da modernidade para o dia-a-dia.”

A outra lanterna mágica que pode ver-se na exposição – La Tragedia de Doña Ajada (1929) – foi feita anos antes em Madrid, para ser mostrada num espectáculo com música de Salvador Bacarisse (que será interpretada pela Orquestra Gulbenkian) e poemas de Manuel Abril. “A componente de contar histórias por imagens é fortíssima em Almada, ele escreve com cores e com tintas.” Nas novelas gráficas como Era Uma Vez (1926) e A Menina Serpente (1926), ambas expostas pela primeira vez, ela torna-se particularmente evidente, assim como o seu desejo de comunicar com a audiência. Noutra destas histórias – O Sonho de Pechalim (1926) –, também destinada aos leitores infanto-juvenis, o artista coloca legendas em apenas 13 dos 72 desenhos originais em que sobressaem uma menina alada, um rapaz com asas falsas que parece apaixonado por ela e um S. Pedro de ar severo (está já anunciada a publicação destas três novelas gráficas, com a chancela da Assírio e Alvim, para este mês): “Ele quer que cada um complete a história à sua maneira.”

Nesta galeria, podem ver-se ainda os cartazes que criou para o primeiro filme sonoro português, A Canção de Lisboa (1933), os 23 desenhos a sépia em que representa uma mãe com o seu filho (1948), “feitos todos numa tarde para explorar a linha, algo que é uma contante até ao fim”, o desenho de cores vivas, inédito, em que encontramos um guerreiro clássico a matar uma corista, num misto de violência, erotismo e humor.

É, em parte, por causa desta capacidade de se multiplicar que, para Carlos Bártolo, Almada sempre foi um mistério. “Nunca consegui enquadrá-lo, embora haja muitas constantes na sua obra.” Talvez Almada preferisse ficar fora de qualquer enquadramento. O que esta nova exposição vem reforçar é que a análise da sua obra tem de ser feita em correlação, como se puséssemos cada género, cada suporte, cada forma de expressão sobre um grande estirador e olhássemos para tudo ao mesmo tempo, em vez de arrumar cada coisa na sua gaveta.