Beyoncé vezes dois, ou a rainha da cultura pop a contar a sua própria história

“Está a tornar a vida dela em arte” e a controlar o que se diz dela – é Beyoncé como produto cultural, enquanto celebridade, mulher e citadora. Um anúncio pessoal da maior estrela da pop criou recordes na Internet.

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O último ano foi rico, para o bem e para o mal, na arte da surpresa - na política, no desporto, no lançamento de álbuns, filmes ou séries e nas perdas e nos ganhos da cultura popular. Mas se Beyoncé foi uma mestra no lançamento do seu single e do seu álbum-filme, a sua revelação de 2017 coroou-a não só como a rainha do Instagram com a imagem mais popular de sempre da rede social, mas também como uma rainha da cultura pop. Porque comunicou não um produto cultural de Beyoncé, mas Beyoncé como produto cultural enquanto celebridade, mulher, activista e citadora exímia. Isto tudo porque Beyoncé está grávida de gémeos.

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O último ano foi rico, para o bem e para o mal, na arte da surpresa - na política, no desporto, no lançamento de álbuns, filmes ou séries e nas perdas e nos ganhos da cultura popular. Mas se Beyoncé foi uma mestra no lançamento do seu single e do seu álbum-filme, a sua revelação de 2017 coroou-a não só como a rainha do Instagram com a imagem mais popular de sempre da rede social, mas também como uma rainha da cultura pop. Porque comunicou não um produto cultural de Beyoncé, mas Beyoncé como produto cultural enquanto celebridade, mulher, activista e citadora exímia. Isto tudo porque Beyoncé está grávida de gémeos.

Da morte de Prince e Bowie ao “Brexit”, da vitória no Europeu de Futebol à de Donald Trump, os últimos 12 meses foram pródigos em tentar contrariar a tese de que vivemos numa era em que nada se esconde e tudo se prevê. Foi também o ano “em que Beyoncé se tornou negra” para muitos observadores porque lançou um vídeo, Formation, de forte iconografia e mensagem Black Lives Matter, actuou no Super Bowl com referências aos Black Panthers e no final editou um álbum, Lemonade, que fazia eco de tudo isso e que se tornava um marco na estratégia promocional da indústria. De surpresa e esmagador. Agora, fez um anúncio pessoal, de uma segunda gravidez de duas crianças do marido e rapper Jay-Z, uma Elizabeth Taylor e um Richard Burton versão power couple musical do século XXI, que integrou na sua narrativa enquanto artista. É uma narrativa que tenta controlar ao máximo, sempre.  

Beyoncé cantora, Beyoncé actriz, Beyoncé ícone da feminilidade negra, Beyoncé mulher, Beyoncé aspiracional, tudo parte da história de uma mega-estrela. Desde o filme de 2013 Life is but a dream, autobiográfico e controlado pela própria, até esta imagem posta no Instagram e outras que publicou no seu site, a cantora regista e anuncia mais um capítulo da sua história. Para além do tema de conversa mais etéreo sobre a vida de “famosos” e os mexericos em torno de uma relação amorosa, esta é a história que uma megaestrela, em tudo devedora da cartilha redigida por Madonna e Michael Jackson nos anos 1980, quer contar de si própria.

Descrita em 2016 pela New Yorker como “uma artista que parece estar isolada do resto do mundo” no seu auto-controlo, isto, agora, “é o que qualquer celebridade quer verdadeiramente: ser discutida, mas conforme as suas condições”, escreve Elahe Izadi no Washington Post.  

Artista que actua em público desde os sete anos, tendo o pai era por manager até há seis anos e a mãe como responsável pelo seu guarda-roupa, integrou a sua vida privada na sua produção artística ou vice-versa. Lemonade, o seu último álbum e filme, era atravessado por referências à vida conjugal; o último trabalho de Jay-Z, poderosíssimo produtor, também. A primeira gravidez, ao invés de uma fotografia granulosa furtiva para a imprensa de mexericos, foi anunciada em palco no fim de uma canção nos prémios da MTV em 2011. “Pensei muito em como a revelar”, disse a cantora na altura.

Agora, escolheu uma imagem do jovem fotógrafo em ascensão Awol Erizku, misturada com outras imagens – debaixo de água, numa otomana, num carro – e um poema da poeta de origem somali Warsan Shire, citada em Lemonade, que a associa a uma “vénus negra”. Isso além da profusa iconografia que peritos e amadores em todo o mundo tentam interpretar. A cantora que actuou na tomada de posse de Barack Obama em 2013 divulgou a imagem da gravidez no primeiro dia do Black History Month, o mês dedicado ao percurso dos negros nos EUA, e essa imagem “é arte”, postula a crítica musical Anne Midgette no Washington Post, “porque transcende o momento: porque dá uma voz potente a uma experiência universal”.

Da Virgem de Guadalupe ao rococó, passando pela arte fúnebre ou pela iconografia secular de fertilidade e feminilidade, pela pose como a Primavera de Boticelli, pela composição dos retratos dos mestres flamengos ou da dupla contemporânea Pierre & Gilles, pelo busto de Nefertiti ou pelas imagens subaquáticas saídas de uma produção de moda, o trabalho – cuja autoria completa está ainda por confirmar – é complementado pelo poema I have three hearts, de Shire. No seu site, Beyoncé criou uma espécie de álbum digital meticulosamente ordenado em torno de um anúncio de um marco biológico. “Estas imagens são como uma grande obra dela, investida em descentralizar a branquitude” da cultura, defende no seu podcast o professor do departamento de Estudos de Género do Centro Rutgers, Kevin Allred, responsável pelo seminário Politizando Beyoncé.

A video posted by Beyoncé (@beylite) on

“Beyoncé está sempre a criar momentos”, prossegue Allread, e “está a tornar a vida dela em arte”. Beyoncé também “hipnotiza a América”, como escreveu a BBC, “na Suíça das redes sociais”, o Instagram. O momento é de tensão política e a notícia afastou milhões de olhos e ouvidos dessa actualidade para a outra, a da cultura popular. No Twitter, a surpresa anunciada por Beyoncé na quarta-feira gerou meio milhão de tweets em 45 minutos.

Nesse fórum de popularidade difuso que são as redes sociais, que alguns artistas usam eximiamente para contornar os paparazzi e para se promoverem, continua a ser muito “gostada”, mas também alvo do enfado de quem está saturado do efeito Beyoncé. “Validação do exibicionismo generalizado em curso”, critica o Libération, que considera que tentar associar causas raciais ou de género à cantora é “atribuir a Beyoncé uma dedicação de cidadã total, não muito compatível com a sua auto-estima crescente”. Esta sexta-feira também surgiram críticas a uma possível cópia da imagética escolhida pela cantora M.I.A., de véu e num leito de flores, no seu novíssimo vídeo POWA, e avolumaram-se as inúmeras piadas sobre o barroco do anúncio do casal.

Nos próximos meses, a Beyoncé cantora tem agendada uma presença nos Grammys, a 12 de Fevereiro, que foi confirmada pelo seu pai à televisão americana – está nomeada para nove prémios da indústria musical dos EUA. Sobre as duas datas no festival de Coachella, ainda nada se sabe. Sempre um manager, Mathew Knowles falou sobre o anúncio de quarta-feira de forma desempoeirada. “Penso que foi uma estratégia. Acho que vêm aí mais coisas.”