Jeff Sessions, o padrinho intelectual de Trump

Durante 20 anos, o senador republicano batalhou, sozinho, por um agenda nacionalista. Ostracizado pelo próprio partido, ascende ao cargo de procurador-geral.

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Com tinta negra e traço irregular, a assinatura do Presidente Donald Trump foi posta, nos últimos dez dias, numa série de decretos que traduziram as promessas feitas durante a campanha em políticas governamentais.

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Com tinta negra e traço irregular, a assinatura do Presidente Donald Trump foi posta, nos últimos dez dias, numa série de decretos que traduziram as promessas feitas durante a campanha em políticas governamentais.

As directivas têm o nome de Trump, mas as impressões digitais de outro homem estão em quase todas: Jeff Sessions.

Os primeiros dias da presidência Trump aceleraram a entrada em acção da sua agenda nacionalista, que durante muito tempo esteve nas franjas da vida americana — e Sessions, o homem tranquilo do Alabama que há muito cultiva estas ideias no Senado, tornou-se uma figura de poder muito singular na nova Washington.

A ideologia de Sessions é movida por uma aversão visceral àquilo a que chama "globalização sem alma", um termo usado pela extrema-direita para identificar ameaças aos Estados Unidos, do comércio livre às alianças internacionais, passando pela imigração de não-brancos.

Apesar de haver entre os republicanos muitas reservas quanto a esta visão do mundo, Sessions — cuja nomeação em 1986 para juiz federal ficou comprometida com acusações de racismo, que nega — não está a encontrar resistência no Congresso quanto à sua nomeação como procurador-geral (equivalente a ministro da Justiça).

A votação de confirmação da nomeação de Sessions está marcada para terça-feira, mas a sua influência na Administração estende-se muito além do Departamento de Justiça (que fará a confirmação). Da imigração ao sistema de saúde, da segurança nacional ao comércio, Sessions é o padrinho intelectual das políticas do Presidente. A sua influência alastra-se à Casa Branca, com assessores e aliados acelerando os passos mais drásticos do Presidente, incluindo a proibição à entrada de refugiados e de cidadãos de sete países maioritariamente muçulmanos, que provocou críticas no mundo inteiro.

O autor de muitos dos decretos de Trump é o conselheiro Stephen Miller, um confidente de Sessions, de quem este foi mentor e que passou o fim-de-semana passado a fiscalizar a execução da proibição. O estratega que está a transformar a agenda de Trump em leis é o vice-chefe de gabinete Rick Dearborn, que foi chefe de gabinete de Sessions no Senado durante muito tempo. E o cérebro por detrás do populismo incendiário de Trump, Stephen Bannon, promoveu sempre Sessions enquanto foi director do site Breitbart.

Finalmente, há Jared Kushner, o genro do Presidente e seu conselheiro, que considera Sessions um sábio e que forjou com ele um laço quando planeou a visita de Trump ao México, durante a campanha eleitoral.

Num email de resposta ao Washington Post, Bannon descreve Sessions como "o facilitador da política e da filosofia" da Administração Trump, dizendo que ele e o senador estão no centro do "movimento pró-América" do Presidente e do fenómeno nacionalista global.

"Na América e na Europa, os trabalhadores estão a recuperar o direito a controlarem os seus destinos", escreveu Bannon. "Jeff Sessions esteve na vanguarda deste movimento durante anos, desenvolvendo políticas populistas sobre o conceito nação-Estado que são apoiadas pela maioria dos americanos, mas que são mal compreendidas pelas elites cosmopolitas nos media e que vivem numa mão-cheia de grande cidades."

"Durante a campanha", continua Bannon, "Sessions foi um promotor aguerrido e dedicado da agenda de Trump no Congresso, tendo desempenhado um papel determinante como o facilitador da política e da filosofia necessárias à implementação desse agenda. Estamos a assistir ao nascimento de uma nova ordem política, e quanto mais frenética a elite dos media ficar, mais poderosa a nova ordem política se tornará".

Trump, que nunca se inibiu de elogiar os que lhe são leais, fala de Sessions com reverência. Num almoço no dia a seguir à tomada de posse, mencionou a alguns que assistiam: "o lendário Sessions", disse.

Num email enviado ao Post, escreveu que Sessions é "uma pessoa verdadeiramente boa". "Jeff é um dos meus apoiantes mais antigos, e o facto de ser tão respeitado por todos em Washington e no país foi um grande trunfo para a minha campanha", escreveu.

Sessions ajudou a delinear a estratégia da primeira semana, em que Trump assinou uma enorme quantidade de decretos para cumprir as promessas de campanha — apesar de ter defendido que se devia ir mais devagar.

O senador defendeu que a existência de um período de decretos destinado a provocar "choque" no Congresso, a impressionar a base eleitoral de Trump e a apanhar desprevenidos os críticos, segundo duas fontes envolvidas na transição. Trump optou por uma estratégia ligeiramente diferente, dizem as fontes, porque queria maximizar a cobertura noticiosa espalhando as medidas por várias semanas.

Trump toma as suas próprias decisões, mas Sessions é um dos poucos legisladores que partilham dos seus impulsos.

"Sessions dá peso aos instintos de Trump", diz Roger Stone, um velho conselheiro de Trump. Compara Sessions a John Mitchell, que foi procurador-geral de Richard Nixon mas que desempenhou um papel mais íntimo como conselheiro do Presidente para tudo. "Nixon não era um tipo dado a receber conselhos, mas Mitchell era provavelmente o conselheiro mais próximo do Presidente", diz Stone.

Mas há limites à influência de Sessions. Ainda não convenceu Trump — pelo menos por enquanto — a eliminar o programa Deferred Action for Childhood Arrivals, que permite às crianças que entram ilegalmente nos EUA a permanecerem no país.

Sessions também estava a pressionar Trump para que nomeasse William H. Pryor Jr., que trabalhou consigo no Alabama, para o Supremo Tribunal. Pryor estava na lista de três finalistas de Trump.

Nas reuniões com a sua equipa, Trump fala de Sessions como alguém que "consegue fazer as coisas" calmamente, sem grande alarido, diz a conselheira da Casa Branca Kellyanne Conway. "Faz as coisas de forma muito cortês", diz, "nunca há poeira ou dramas."

Newt Gingrich, antigo presidente da Câmara de Representantes e conselheiro informal de Trump, diz que "Sessions é uma pessoa que está confortável por ser uma pessoa de fora do sistema, mas que sabe explicar esse sistema a Trump. Há este preconceito entre os que são de Nova Iorque e de Los Angeles... se és do Alabama, não podes ser tão brilhante, mas isso está errado e Trump reconheceu a inteligência genial de Sessions."

Sessions foi essencial nos primeiros dias da transição, depois do afastamento do governador de Nova Jérsia, Chris Christie, e dos seus associados. Sessions esteve sempre presente na Trump Tower de Nova Iorque, traçando a agenda política e tomando todo o tipo de decisões. O antigo presidente da câmara de Nova Iorque Rudolph W. Giuliani ficou fora da lista para secretário de Estado. Trump considerou nomear Sessions, pois era uma pessoa muito respeitada no seu ciclo de confiança (incluindo Kushner), segundo fontes que testemunharam o processo.

Desde que foi nomeado, Sessions tem sido cauteloso, não se envolvendo, mesmo que sejam as suas ideias a animar a Casa Branca. Num depoimento no domingo, negou ter tido qualquer "comunicação" com antigos assessores ou ter revisto os decretos de Trump.

Sessions colocou aliados em toda a Administração. Convenceu Cliff Sims, um amigo e conselheiro, a vender o seu media outlet no Alabama e a aceitar um emprego como estratega de comunicação na Casa Branca. Também influenciou a escolha de Peter Navarro — um economista amigo com quem escreveu, no Outono, um artigo de opinião sobre "o buraco sem fundo da globalização" — como director do Comité de Comércio Nacional.

As conexões de Sessions estendem-se à sala de imprensa da Casa Branca, onde a primeira pergunta ao porta-voz, Sean Spicer, foi feita pela jornalista do site conservador LifeZette, dirigido por Laura Ingraham, uma apoiante de Trump e uma populista nos moldes de Sessions. O director do site, Garrett Murch, é um antigo assessor de imprensa de Sessions.

Muitos republicanos moderados estão alarmados com o ascendente que Sessions tem. John Weaver, o veterano estratega republicano que foi consultor na primeira campanha de Sessions para o Senado e que agora é um crítico do Presidente, disse que o senador do Alabama está nos pináculos do poder porque partilha "da visão da fortaleza americana dos anos 1940" de Trump.

"É um cenário que podemos encontrar nos livros de Allen Drury", disse Weaver. "Infelizmente, isto tem consequências reais, como as decisões draconianas sobre imigração e uma visão insular da América, em vez de ser um membro activo da comunidade global."

Dentro da Casa Branca, e entre os discípulos de Sessions, habituaram-se a tratar o senador por "José", uma referência ao patriarca do Antigo Testamento que, depois de desdenhado pela família e vendido como escravo em criança, superou as adversidades para se tornar o braço-direito do Faraó e governar as terras do Egipto.

Sessions tem uma carreira de 20 anos no Senado, onde foi ostracizado pelos seus colegas de partido.

Enquanto alimentava a ideia de se candidatar, Trump gostou do que viu em Sessions, que estava próximo do eleitorado que queria trazer para a direita. Por isso, apostou na relação, contribuindo com dois mil dólares para a campanha de reeleição de Sessions em 2014 para senador, apesar de aquele não ter qualquer opositor.

"Sempre tivemos Sessions no nosso radar", diz Sam Nunberg, conselheiro político de Trump nessa época. Em Maio de 2015, diz Nunberg, falou com Miller, que então trabalhava com Sessions, para que este comunicasse com Trump ao telefone. Os dois deram-se bem e Trump disse a Nunberg: "Aqui está um tipo forte."

No mês seguinte, Trump anunciou a candidatura. Em Agosto desse ano, Sessions juntou-se a Trump num megacomício na cidade natal do senador, Mobile, e recebeu um boné a dizer "Fazer a América grande outra vez". Em Janeiro de 2016, Miller tinha-se juntado à campanha de Trump e viajava diariamente com o candidato, escrevendo discursos e delineando políticas.

"O senador Sessions lançou algumas fundações... em matérias como o comércio e a imigração ilegal", diz Conway. "Foi o candidato Trump quem, depois, olhou para esses dois pilares e os ergueu à luz do que é melhor para os trabalhadores da América."

À medida que Trump ascendia, Sessions ascendia.

"É como um guerrilheiro que, na selva, prepara mais um ataque falhado contra o Governo", diz Mark Krikorian, director do Center for Immigration Studies, um instituto de pesquisa conservador. "A dada altura, recebemos a notícia de que a capital capitulou."

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post