Acções de Trump arriscam enfraquecer defesa americana contra o terrorismo

Actuais e antigos responsáveis alertam que proibição de entrada de cidadãos de países muçulmanos pode danificar alianças estratégicas, servindo para alimentar propaganda jihadista.

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Nenhuma outra relação foi tão directamente colocada sob pressão como aquela que une os EUA ao Iraque REUTERS/Lucas Jackson

Apesar de terem sido apresentadas como medidas para tornar o país mais seguro, as iniciativas anunciadas pela Administração Trump no último fim-de-semana podem, na verdade, enfraquecer as defesas de contraterrorismo que os Estados Unidos ergueram nos últimos 16 anos, dizem vários antigos e actuais responsáveis dos serviços de segurança.

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Apesar de terem sido apresentadas como medidas para tornar o país mais seguro, as iniciativas anunciadas pela Administração Trump no último fim-de-semana podem, na verdade, enfraquecer as defesas de contraterrorismo que os Estados Unidos ergueram nos últimos 16 anos, dizem vários antigos e actuais responsáveis dos serviços de segurança.

Recorrendo a uma retórica inflamada e a decretos presidenciais apressados, a Administração indignou países aliados, incluindo o Iraque, forneceu material de propaganda às organizações terroristas que muitas vezes apresentam o envolvimento americano no Médio Oriente como uma cruzada religiosa, e pôs em risco a cooperação essencial de aliados que são poucas vezes mencionados — seja o líder de uma mesquita num subúrbio americano, seja o chefe de uma agência de informação no Médio Oriente.

O decreto emitido sexta-feira proíbe a entrada nos EUA de pessoas oriundas de uma lista de países de maioria muçulmana, incluindo o Iraque, onde o Exército e os serviços secretos americanos dependem há anos da cooperação das autoridades tanto de Bagdad como do Curdistão, já para não falar de milhares de tradutores e subcontratados.

“Receamos que este decreto seja uma ferida auto-infligida na luta contra o terrorismo”, afirmam os senadores republicanos Lindsey Graham e John McCain num comunicado divulgado domingo. Esta ordem “envia um sinal, desejado ou não, de que a América não quer que os muçulmanos venham para o país”, o que pode “fazer mais pelo recrutamento das organizações terroristas do que melhorar a nossa segurança”, acrescentam.

Vários apoiantes do Daesh foram rápidos a descrever a proibição como uma vitória. Mensagens publicadas em sites associados ao grupo terrorista alegam que a ordem de Trump vai galvanizar os muçulmanos e prova que os EUA estão em guerra com o islão.

A Casa Branca recusou comentar. Mas em tweets publicados no domingo, Trump escreveu: “O comunicado conjunto dos antigos candidatos presidenciais John McCain e Lindsey Graham é errada — infelizmente eles são fracos na imigração. Os senadores deviam concentrar as suas energias no ISIS [uma das siglas pela qual é conhecido o Daesh], no [combate] à imigração ilegal e na segurança da fronteira, em vez de estarem sempre a procurar começar a III Guerra Mundial.”

Num outro comunicado, Trump afirma que “os sete países incluídos no decreto presidencial são os mesmos que foram anteriormente identificados pela Administração Obama como fontes do terrorismo” e alega que Obama já tinha proibido a entrada de refugiados nos EUA em 2011.

A promessa feita por Trump na tomada de posse de colocar “apenas a América” em primeiro lugar desconcertou os aliados. Um rascunho do decreto sobre as políticas de detenção nos EUA aumentou os receios ao levantar a hipótese de ser reaberta a rede de prisões que a CIA manteve em vários pontos do globo. As medidas sobre imigração anunciadas sexta-feira à noite foram vistas pelos responsáveis em contraterrorismo como particularmente contraproducentes e mal concebidas.

“Todo o decreto está a ser e será sempre interpretado como sendo uma acção anti-islão e antimuçulmana deste Presidente e da sua Administração”, diz Paul Pillar, antigo dirigente do Centro de Contraterrorismo da CIA. “Não está dirigido para onde está a ameaça e a mensagem anti-islão que envia vai muito provavelmente tornar a América menos segura.”

Há ausentes de peso da lista de Trump: a Arábia Saudita ou qualquer outro país associado aos ataques de 2001. A acção do Presidente também não abrange o Paquistão, onde continua a viver a liderança da Al-Qaeda.

O antigo director da CIA Michael V. Hayden afirma que a ordem e outras medidas que se lhe sigam podem forçar os diplomatas norte-americanos, os comandantes militares e os chefes de delegação das agências de informação a entrar em modo de limitação de danos. “Temos boas pessoas que continuam a trabalhar no duro, mas não há dúvidas de que isto já está a criar consequências irreparáveis”, diz.

A suspensão do programa de acolhimento de refugiados “tornou-nos sem dúvida menos seguros”. “Foram adoptadas medidas draconianas contra uma ameaça que foi exagerada. O resultado disto alimenta a narrativa dos jihadistas e faz com que seja mais difícil os nossos aliados manterem-se ao nosso lado”, insiste.

Apesar dos receios sobre as consequências externas, os analistas acreditam que muitos dos danos vão ocorrer dentro do país. Há anos que responsáveis pelo contraterrorismo identificam a integração dos muçulmanos nos EUA como uma das principais vantagens de segurança em relação a países na Europa, onde é mais provável os muçulmanos viverem isolados ou serem marginalizados.

E os que estudam o extremismo temem que o sentimento de pertença dos muçulmanos americanos possa começar a enfraquecer, aumentando a probabilidade de um cidadão americano se radicalizar, complicando a já difícil tarefa do FBI e das autoridades locais para cultivarem boas relações com os líderes das comunidades muçulmanas. “Já era um trabalho complicado”, diz Seamus Hughes, antigo funcionário do Centro Nacional de Contraterrorismo que viaja frequentemente pelo país para se encontrar com membros das comunidades muçulmanas após ataques terroristas.

As dicas para o FBI ou para a polícia local vindas de pais preocupados, de líderes religiosos ou de cidadãos muçulmanos têm sido “uma linha vital para a maioria das investigações por terrorismo” nos EUA, explica Hughes, que trabalha agora na Universidade George Washington. “Até agora não vejo ninguém a hesitar comunicar uma ameaça iminente”, diz, “mas estes decretos não vão ajudar”.

No entanto, o congressista republicano Devin Nunes, da Califórnia, presidente do Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, emitiu um comunicado dizendo que, “à luz das tentativas dos grupos jihadistas para se infiltrarem nos fluxos de refugiados que chegam ao Ocidente, a par da trágica experiência da Europa a lidar com este problema, a ordem executiva da Administração Trump sobre refugiados é uma medida de senso comum para evitar ataques terroristas no país”.

Iraque em fúria

Em relação aos parceiros estrangeiros, nenhuma outra relação foi tão directamente colocada sob pressão como aquela que une os EUA ao Iraque. Trump usou o discurso na CIA, no seu primeiro dia em funções, para dizer que tinha sido um erro os EUA não se terem apropriado das reservas de petróleo iraquiano após a invasão de 2003, e sugerir que haveria uma nova oportunidade para o fazer.

O decreto presidencial espalhou por isso a confusão e o repúdio em Bagdad. Os iraquianos que há anos trabalham com os militares norte-americanos, muitas vezes correndo grandes riscos, estão entre as primeiras pessoas a ser afectadas pelos novos regulamentos. Ainda antes destas medidas terem sido anunciadas, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, disse aos jornalistas que o petróleo do país “não é para os iraquianos”. Um comentário que confirma explicitamente as velhas suspeitas existentes no Médio Oriente sobre as motivações geopolíticas do envolvimento americano. “É tudo por causa do petróleo e de um plano para destruir o islão”, resume Dan Byman, um perito em terrorismo da Universidade de Georgetown. “Se o objectivo é alimentar teorias da conspiração, Trump está a fazer um bom trabalho.”

Durante o fim-de-semana, deputados iraquianos insistiram para que o país aplique medidas semelhantes aos EUA. Moqtada al-Sadr, o influente líder xiita, considerou “arrogante” a decisão de impedir os iraquianos de viajar para EUA, enquanto os americanos continuam livres para ir e vir, e exigiu que todos os americanos saiam do Iraque.

Os iraquianos interrogam-se sobre por que não constam da lista alguns países do Golfo e do Norte de África que tiveram cidadãos envolvidos em ataques terroristas de grande visibilidade. Saad al-Hadithi, porta-voz de Abadi, diz que a parceria de segurança com o Iraque, incluindo o apoio americano às operações contra o Daesh e um programa de venda de armamento, deveriam ser suficientes para distinguir o Iraque de outros países que constam da lista.

As novas medidas estão a ser postas em prática numa altura em que o Pentágono continua a depender em grande medida do Iraque na sua luta contra o Daesh. Mais de 6000 militares americanos estão actualmente estacionados no país, muitos como conselheiros das forças iraquianas na batalha para reconquistar Mossul, a grande cidade do Norte em poder dos jihadistas.

A decisão mina Abadi, encurralado entre um aliado ocidental de cujo apoio precisa para derrotar os jihadistas e os aliados xiitas que encaram com hostilidade a presença americana no país. Lukman Faily, que foi embaixador iraquiano em Washington até ao ano passado, diz que Abadi vai tentar separar a parceria de segurança que mantém com os EUA da ofensa contida no decreto presidencial de Trump. “Vai, sem dúvida, colocar o primeiro-ministro numa posição esquisita”, diz. “Certamente, não o ajudará a conduzir a sua política enquanto tenta concluir [a batalha de Mossul] e ao mesmo tempo que enfrenta uma crise petrolífera.”

Hadithi fez questão de sublinhar o carácter temporário do decreto. “Vamos ter de discutir com os americanos”, diz. “Se for apenas por um período curto para reorganizarem o seu sistema de vistos e o trabalho com os refugiados, vamos perceber e encarar isto de forma positiva.” Não é, no entanto, claro se o período de 90 dias estipulado no decreto será prolongado.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post