Mapa do passado dos sismos em Portugal esclarece riscos no futuro
Investigadores da Universidade de Évora analisaram dados sobre a actividade sísmica em Portugal de 1300 a 2014. O mapa regista 175 sismos neste período e define claramente as zonas de maior risco no futuro.
Uma equipa de cientistas da Universidade de Évora estudou o quanto Portugal tremeu (e onde) ao longo de várias centenas de anos, mais precisamente entre 1300 e 2014. O mapa de intensidades sísmicas máximas observadas destaca a região de Lisboa e arredores, o Norte da costa alentejana e o Algarve como as zonas mais sensíveis. Partindo da certeza de que a terra vai voltar a tremer um dia, os investigadores defendem a adopção de medidas de prevenção nas zonas mais críticas.
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Uma equipa de cientistas da Universidade de Évora estudou o quanto Portugal tremeu (e onde) ao longo de várias centenas de anos, mais precisamente entre 1300 e 2014. O mapa de intensidades sísmicas máximas observadas destaca a região de Lisboa e arredores, o Norte da costa alentejana e o Algarve como as zonas mais sensíveis. Partindo da certeza de que a terra vai voltar a tremer um dia, os investigadores defendem a adopção de medidas de prevenção nas zonas mais críticas.
Portugal vai sofrer um sismo? “Seguramente”, responde, sem qualquer hesitação, Mourad Bezzeghoud, investigador do Instituto de Ciências da Terra da Universidade de Évora e um dos autores do artigo publicado na revista Sismological Research Letters, da Sociedade Americana de Sismologia.
Quando? “Não sou capaz de dizer. É impossível saber isso com exactidão”, admite o geofísico. E onde? O que o mapa que a equipa de investigadores da Universidade de Évora nos diz é que há locais onde um eventual sismo poderá surgir com mais intensidade. São as áreas que escondem perto de nós um “confronto de duas placas tectónicas”, a africana que está a colidir com a euroasiática, explica Mourad Bezzeghoud. Mais precisamente, o Algarve e a região de Lisboa e arredores.
O estudo agora apresentado considerou um período histórico, entre 1300 e 1985, e um período de medições instrumentais entre 1986 e 2014 com dados mais precisos (nomeadamente, os registos feitos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, ou IPMA). “Setecentos anos parece muito tempo mas não é nada se pensarmos no tempo da Terra”, avisa o investigador, que faz questão de sublinhar que este estudo é um projecto aberto e pode (e deve) ser alvo de contributos de qualquer investigador interessado. No período histórico foram registados 160 eventos sísmicos e no período mais recente foram usados os dados de 15 sismos. Um total de 175 pontos assinalados no mapa, portanto.
A tremer durante uma "Avé Maria"
Para perceber o que aconteceu antes de 1986 foi preciso recorrer a qualquer tipo de registo. Cartas, relatórios, documentos históricos, notícias, qualquer coisa. Os investigadores recuaram a um tempo em que o registo de um sismo era descrito com um “castigo de Deus” que destruía igrejas e casas e durava “uma Avé Maria”.
Com diferentes fontes de informação, a equipa converteu todos os dados para uma só escala (a Escala de Mercalli Modificada) e para a elaboração do mapa foram apenas considerados os eventos sísmicos com uma intensidade igual ou superior a V (cinco). De acordo com a escala usada, um sismo de intensidade V é aquele que é, por exemplo, capaz de acordar alguém que está a dormir. O IPMA classifica esta intensidade como forte e descreve que pode ser “sentido fora de casa; pode ser avaliada a direcção do movimento; as pessoas são acordadas; os líquidos oscilam e alguns extravasam; pequenos objectos em equilíbrio instável deslocam-se ou são derrubados; as portas oscilam, fecham-se ou abrem-se; os estores e os quadros movem-se, os pêndulos dos relógios param ou iniciam ou alteram o seu estado de oscilação”.
Segundo concluíram, aproximadamente cem anos separam os três sismos com magnitude superior a 8,0 na escala de Ritcher (relativa à magnitude, a energia libertada por um sismo) ocorridos no período em estudo: em 1755, com epicentro na costa, sentido em toda a Europa e seguido de tsunami em Portugal, no golfo de Cádis e no Norte de Marrocos; em 1858, com epicentro ao largo da costa; e em 1969, seguido de um tsunami pouco intenso.
O risco sísmico em Portugal continental e na região Atlântica subjacente é caracterizado por eventos moderados a fortes em terra e elevados a muito elevados no mar. Isto já se sabia antes da elaboração deste mapa. Além de tornar mais legível o passado sísmico de Portugal, este estudo deixa avisos para o futuro. O zonamento da perigosidade sísmica é “crítico” para “apoiar a tomada de decisões relativamente à localização e qualidade da construção”, defende Mourad Bezzeghoud. E se pouco podemos fazer além de eventuais reforços em relação aos edifícios que já existem, as novas construções deveriam ser abrangidas por mais regras anti-sísmicas, diz o investigador.
As áreas de maior concentração demográfica coincidem com as zonas com intensidades sísmicas mais elevadas, situação que, alerta ainda o investigador, “conjugada com a inadequada capacidade de grande parte do nosso edificado resistir satisfatoriamente a fortes solicitações sísmicas”, coloca “uma parte importante da população portuguesa numa situação de risco sísmico considerável”.
A equipa de Universidade de Évora já tinha feito um trabalho de mapeamento semelhante sobre o Norte de África, mais concretamente na região da Argélia. À espera de publicação está também um artigo assinado pelos mesmos autores que retrata o passado sísmico dos Açores, onde os sismos “são mais frequentes mas não registam maior intensidade”.
Remetendo para um texto sobre o risco sísmico publicado no site da Organização dos Trabalhadores Científicos portugueses, Mourad Bezzeghoud nota que qualquer avaliação deve começar por conhecer, com rigor, como o território foi afectado no passado. São esses os dados que, combinados com o conhecimento científico do fenómeno, vão permitir projectar um futuro mais seguro. “Não podemos impedir a ocorrência de um sismo, mas podemos fazer previsões a médio e longo prazo mais ou menos precisas e tomar as devidas precauções para minimizar consequências humanas ou económicas”, conclui.