Activista LGBTI desde os 16, Diogo vai gerir o It Gets Better na Europa
Com 26 anos, Diogo Vieira da Silva é o novo coordenador europeu do It Gets Better, projecto que combate a discriminação e o bullying homofóbico e que chegou a nós pelas mãos deste jovem. Por cá é o Tudo Vai Melhorar
Há momentos assim, capazes de mudar vidas. E se aos 16 anos Diogo Vieira da Silva não tivesse ouvido aquelas declarações do cantor José Cid, provavelmente hoje não estaria aqui com dez anos de activismo LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgéneos e Intersexuais) nas costas e um novo desafio pela frente — o jovem português acaba de ser nomeado coordenador europeu do It Gets Better, popular projecto dirigido aos jovens que combate a discriminação e o bullying homofóbico através de depoimentos em vídeo.
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Há momentos assim, capazes de mudar vidas. E se aos 16 anos Diogo Vieira da Silva não tivesse ouvido aquelas declarações do cantor José Cid, provavelmente hoje não estaria aqui com dez anos de activismo LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgéneos e Intersexuais) nas costas e um novo desafio pela frente — o jovem português acaba de ser nomeado coordenador europeu do It Gets Better, popular projecto dirigido aos jovens que combate a discriminação e o bullying homofóbico através de depoimentos em vídeo.
A Revolta dos Pastéis de Nata estava no ar e Diogo, adolescente em pleno processo de coming out, sentia-se “aterrorizado” com as badaladas afirmações e atitudes do músico, que se mostrou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dizendo ainda que todos os homossexuais que conhecia eram “infelizes”; e depois, boquiaberto, surpreendeu-se com a “coragem” do antropólogo e activista Miguel Vale de Almeida, que anos depois viria a ser deputado na Assembleia da República, fazendo-lhe frente e assumindo a sua homossexualidade.
“Eu estava sozinho a ver o programa e o medo foi tanto que comecei a chorar sozinho”, recorda Diogo. “Foi aterrador. E quando toda a gente do programa, inclusive o apresentador, estava com medo de falar do assunto, ver alguém mais velho do que eu dizer sem medo ‘sou gay’… foi aquele momento de mindset.” Em que tudo mudou. “Eu não quero voltar a sentir isto, eu não vou deixar que ninguém me faça voltar a sentir isto”, pensou. E, como se desse um murro na mesa, decidiu: “Eu tenho de intervir, tenho de ajudar para que isto não volte a acontecer”. Estava escolhida a missão.
O primeiro contacto dos jovens LGBTI
Natural do Porto, Diogo licenciou-se em Comércio Internacional, mas encontra-se actualmente a trabalhar na área de turismo gay em Lisboa. Com 26 anos, é o novo coordenador europeu do It Gets Better, criado em Setembro de 2010 pelo jornalista e activista norte-americano Dan Savage e pelo marido Terry Miller em resposta à alarmante estatística mundial que rodeia os adolescentes LGBTI: segundo dados do projecto, um em cada quatro jovens não heterossexual já tentou pôr fim à vida, sendo que este grupo apresenta quatro vezes maior risco de cometer suicídio, probabilidade que aumenta para o dobro em casos de rejeição pelas pessoas mais próximas (como familiares e amigos).
O depoimento em vídeo do casal, que conta com mais de dois milhões de visualizações no YouTube, deu o pontapé de saída para aquele que hoje já é um movimento internacional. A mensagem é de esperança — “it gets better”, como se repete nos mais de 60 mil testemunhos recebidos até hoje de pessoas de todas as nacionalidades, etnias e orientações sexuais. Do mais perfeito desconhecido a verdadeiros ícones do século XXI: Barack Obama, Hillary Clinton, David Cameron, Ellen DeGeneres e Adam Lambert já participaram. Entretanto, o It Gets Better estendeu-se a outros países, contando hoje com 15 afiliados, Portugal inclusive, aonde chegou em 2012 sob alçada da extinta associação CASA – Centro Avançado de Sexualidade e Afectos, cujo vice-presidente e um dos fundadores era, lá está, Diogo. Por cá, o nome é Tudo Vai Melhorar e é desde meados de 2015 uma organização não-governamental com sede no Porto.
“Nós”, explica o presidente, “somos contadores de histórias, um projecto de primeira linha”. E o que quer isto dizer? “Sabemos que somos o primeiro contacto de muitos jovens LGBTI. O que hoje em dia acontece é que alguém com 13, 14 anos que descobre que é diferente vai fazer pesquisas na Internet. E encontra-nos.” Dá então de caras com uma biblioteca online com cerca de cem vídeos que repetem que a orientação sexual “não é um problema”. “E que inclusive não vai definir a felicidade ou o sucesso profissional que se vai ter no futuro.” Na plataforma portuguesa, entre caras mais ou menos conhecidas do grande público, contam-se por exemplo os registos de Lourenço Ódin Cunha, Kátia Aveiro, Jorge Gabriel, Rita Ribeiro, José Castelo Branco (o mais popular e polémico) e do embaixador americano cessante, Robert Sherman (o mais difícil de obter).
É também uma forma de colmatar uma lacuna com que Diogo se deparou durante a sua adolescência: a falta de referências. “Enquanto homossexual, e durante o meu processo de coming out, a parte mais difícil foi perceber que não estava sozinho e conseguir projectar-me noutras pessoas”, recorda o jovem, que não se cansa de alertar para os números nacionais. Num estudo da Rede Ex-Aequo e do ISCTE sobre homofobia e transfobia, cujos resultados foram apresentados em 2013, mais de 40% da juventude lésbica, gay ou bissexual afirmava já ter sido vítima de bullying homofóbico; 85% dos jovens inquiridos já tinham ouvido comentários discriminatórios na escola, como “bicha”, “gay”, “fufa” ou “maricas”. Sendo que os números do suicídio entre jovens são “preocupantes”, como descreveu ao P3 o presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, Fausto Amaro: no grupo dos 15-24 anos, segundo dados de 2014 do Instituto Nacional de Estatística, a taxa era de 5 por 100 mil habitantes no sexo masculino e de 1,5 no feminino. E, aponta Diogo, não há até hoje qualquer estudo português que relacione estes dados com os preconceitos sofridos por causa da sexualidade.
Falta punir a discriminação
No Tudo Vai Melhorar, tal como na casa-mãe, a política é de “mensagem pela positiva”. “Não acreditamos que perder uma vida seja uma forma de ser ouvido”, reforça Diogo. “O impacto é muito mais duradouro se estivermos neste mundo a dizer ‘eu sou como sou, não tem problema nenhum, reparem que vou alcançar os meus sonhos independentemente de quem eu gosto.” Uma postura que, considera, pode explicar algum do sucesso online do projecto, em particular do afiliado português, aquele que a nível mundial tem o maior alcance nas redes sociais.
Para este novo ano, os objectivos portugueses passam por conseguir um novo financiamento do It Gets Better internacional para realizar a segunda temporada da websérie Já Melhorou, em que personalidades de diversas orientações sexuais não normativas contam a sua história de vida – o deputado Alexandre Quintanilha foi um deles —, lançar um livro com depoimentos em português (“Gostaríamos que estivesse disponível em todas as bibliotecas do país”), além de reforçar a intervenção local, se possível em articulação com a autarquia. “Achamos que o Porto tem de defender as questões LGBTI”, considera Diogo, apelando a que a Câmara ponha estes temas na “agenda política”. Para já, há a promessa de assinalar em conjunto o dia 17 de Maio, Dia Internacional Contra a Homofobia, Lesbofobia e Transfobia.
E a nível europeu? Como será o mandato de um ano? “A minha forma de trabalhar sempre foi ter uma visão de futuro, uma visão de interligação e uma visão de sustentabilidade”, diz o coordenador. Então, primeiro há que gerir os afiliados existentes (Portugal, Espanha, Itália, Suíça, Áustria, Moldávia e Grécia) e, se possível, encontrar novos (França está no alvo). Depois, realizar um evento que junte os diferentes intervenientes europeus. E, por fim, recorrer à filantropia — pode estar para breve o lançamento de uma linha It Gets Better de calções de banho unissexo, cujas vendas revertem a favor da organização internacional.
Claro que vão continuar a perpetuar a nível global a mensagem que "tudo vai melhorar", esperando recolher mais depoimentos — quem quiser, convém dizer, pode gravar a sua mensagem positiva. E ainda há muito trabalho a fazer por cá. Portugal, é certo, evoluiu muito nos últimos anos a nível de direitos LGBTI, mas não chega. “Se me dissessem, em 2005, que em dez anos íamos ter casamento e adopção entre casais do mesmo sexo, Lei de Identidade de Género [actualmente em discussão], lei anti-discriminação, que íamos ter políticos a falar abertamente sobre isto, novelas com personagens gays, lésbicas e transexuais... eu ria-me.”
Numa década, considera Diogo, Portugal passou de “um dos piores países da Europa a nível de questões LGBTI para o top 5”. No entanto, ainda “falta muita intervenção nas escolas” e uma “verdadeira educação sexual”. E há que, acima de tudo, transformar a sociedade: “Sempre foi a parte mais difícil: concretizar, criar estruturas para punir e fiscalizar situações de discriminação.” Porque “continuam a existir pessoas que escondem a sua orientação sexual no trabalho, que são despedidas por serem gays”. Jovens que se refugiam no anonimato e não assumem o que são por “medo que as poucos as pessoas se afastem”, como escreveu o X, de 19 anos, num testemunho enviado ao Tudo Vai Melhorar em 2013. Deixando, à despedida, uma esperança: “Um dia deixar-me-ão de conhecer como o X e passarão a conhecer-me pelo meu verdadeiro nome”. Até hoje, Diogo desconhece o autor. “Mas quero acreditar que, mais tarde ou mais cedo, hei-de saber.” Está a trabalhar para isso.