Valls e Hamon dão tudo por tudo… para ficarem em quinto nas presidenciais
A segunda volta das primárias socialistas em França deve escolher Benoît Hamon como candidato à presidência. O difícil será manter o partido unido a seguir. Macron pode ser o maior beneficiário das divisões do PS.
Quem será o candidato socialista às eleições presidenciais francesas, Manuel Valls ou Benoît Hamon? Provavelmente, o vencedor da segunda volta das primárias neste domingo será Hamon, numa competição que está a ser vista como luta entre a esquerda de governo realista e a esquerda sonhadora. Ou seja, o PS de Valls, que seguiu a austeridade imposta pela Comissão Europeia, e um PS que, a ser liderado por Hamon, tentará criar um rendimento tendencialmente universal.
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Quem será o candidato socialista às eleições presidenciais francesas, Manuel Valls ou Benoît Hamon? Provavelmente, o vencedor da segunda volta das primárias neste domingo será Hamon, numa competição que está a ser vista como luta entre a esquerda de governo realista e a esquerda sonhadora. Ou seja, o PS de Valls, que seguiu a austeridade imposta pela Comissão Europeia, e um PS que, a ser liderado por Hamon, tentará criar um rendimento tendencialmente universal.
Fala-se em “esquerdas irreconciliáveis”, um fosso entre irmãos desavindos que levará à desintegração do Partido Socialista, se Benoît Hamon ganhar. Ele vai tentando lançar cabos entre as margens para construir novas pontes. “As nossas esquerdas não são mais irreconciliáveis que as de Mitterrand, Rocard, Chevènement e Marchais, quando eles fizeram um programa comum”, disse Hamon jornal regional Ouest-France.
Mas pacificar o PS não será fácil. Um grupo de deputados socialistas apoiantes de Valls está a fazer circular de mão em mão um texto que não é mais do que um apelo a apoiar o candidato independente Emmanuel Macron, em caso de vitória de Hamon nas primárias, noticia a rádio Europe 1.
Se houver uma reviravolta e Manuel Valls conquistar a nomeação como candidato do PS, também não é de admirar que a ala mais à esquerda do PS, desgostosa com os anos de François Hollande na presidência, se volte por sua vez para Jean-Luc Mélenchon, apoiado por vários pequenos partidos de esquerda radical e pelos comunistas – e que as sondagens dizem que ficaria à frente dos socialistas nas presidenciais de Abril.
Aliás, o que os socialistas estão a disputar não é um lugar na segunda volta, a 7 de Maio: as sondagens não lhes dão mais do que um quinto lugar. Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita, François Fillon, da direita, ou então Macron, são os que têm hipóteses, por ora, de disputar a presidência.
Inspirados em Piketty
Valls e Hamon estão separados em vários planos. Na economia, enquanto Valls promete que manteria o défice abaixo dos 3% do PIB, Hamon considera esse limite “inatingível”, e que o importante é investir.
Hamon propõe um rendimento universal de 750 euros, mas a aplicar de forma faseada. Diz que começaria por um aumento de 10% do rendimento de solidariedade, que hoje é pago às pessoas sem recursos, para chegar a 600 euros, e um “rendimento de vida” para todos os jovens.
O tema dominou toda a campanha. Manuel Valls, que tal como Hamon cita o trabalho do economista Thomas Piketty para fundamentar as suas ideias, diz que as ideias de Hamon teriam “um custo exorbitante”, e propõe antes dar a quem trabalha um “salário justo” de 800 euros.
Hamon quer avançar para uma VI República – mudar a Constituição para que seja possível revogar leis através de referendos de iniciativa popular, prolongar os mandatos presidenciais para sete anos não renováveis, sortear parte da composição do Senado, reconhecer o voto em branco, introduzir uma parte de voto proporcional para as eleições legislativas, por exemplo. Valls, tal como Hamon, propõe limitar a leis de Orçamento o uso do artigo 49.3 da Constituição – que permite ao Governo aprovar legislação sem que seja votada na Assembleia. Mas Valls usou este mecanismo várias vezes enquanto chefe do Executivo.
A laicidade, e a atitude a ter perante os muçulmanos, foi um tema de grande discórdia entre os dois socialistas. Valls, que no Verão passado protagonizou declarações polémicas a propósito do burquini, e cujo governo pôs em prática uma linha securitária dura, face aos múltiplos atentados terroristas em França, assumiu uma visão intransigente do Estado laico como um dos seus combates políticos. E não foi meigo com Hamon, que apelou a uma França “mais generosa em matéria do direito de asilo”.
Nas primárias de direita também houve ataques de índole racista – com os candidatos a serem apelidados sucessivamente “Ali” Juppé e “Farid” Fillon. “Bilal” Hamon foi o nome que calhou ao candidato do PS. Durante a última semana de campanha, Hamon foi transformado em saco de pancada por Valls e pelos seus apoiantes, por causa do que o ex-primeiro-ministro designou como as “suas ambiguidades” sobre o Islão.
A campanha roçou a calúnia: o Libération publicou, a coberto do anonimato, as declarações de um ministro socialista que dizia que Hamon era “o candidato da Irmandade Muçulmana”.