Morreu Emmanuelle Riva, uma actriz entre o amor de Resnais e de Haneke

Protagonista de Hiroshima Meu Amor e de Amor morreu na sexta-feira aos 89 anos. Embora tenha "nascido" num filme fundamental da Nouvelle Vague, a sua carreira não passou muito por aí.

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A actriz francesa Emmanuelle Riva, de 89 anos, morreu na sexta-feira à tarde, segundo noticia neste sábado a imprensa francesa. O Le Monde, que lhe chamou "grande e magnífica dama do ecrã e dos palcos franceses", disse que a actriz tinha um cancro há quatro anos, mas que apenas os seus amigos sabiam que estava doente porque quis trabalhar até ao fim. Ainda este Verão, acrescenta o jornal francês, rodou um filme na Islândia e fez um espectáculo na Villa Médicis em Roma.

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A actriz francesa Emmanuelle Riva, de 89 anos, morreu na sexta-feira à tarde, segundo noticia neste sábado a imprensa francesa. O Le Monde, que lhe chamou "grande e magnífica dama do ecrã e dos palcos franceses", disse que a actriz tinha um cancro há quatro anos, mas que apenas os seus amigos sabiam que estava doente porque quis trabalhar até ao fim. Ainda este Verão, acrescenta o jornal francês, rodou um filme na Islândia e fez um espectáculo na Villa Médicis em Roma.

Os seus filmes mais conhecidos são aqueles que marcam o início e o final da sua carreira, Hiroshima Meu Amor (1959), primeira longa-metragem de Alain Resnais, e Amor (2012), de Michael Haneke, que lhe valeu finalmente um César de Melhor Actriz e uma nomeação para os ÓscaresE entre os dois e a sua personalidade é quase obrigatório estabelecer um paralelo, como faz a imprensa francesa, falando de "coragem", "beleza" e "dignidade".

Amor, que valeu uma série de prémios e nomeações ao realizador e aos dois protagonistas, que interpretam um casal idoso confrontado com a doença terminal da mulher depois de um acidente cardiovascular. Emmanuelle Riva contracena com Jean-Louis Trintignant e Michael Haneke filma um homem e uma mulher depois dos 80 anos, na sua intimidade, uma realidade normalmente estranha ao cinema, que enfrentam a mortalidade. Foi aos 85 anos, como escreveu o Libération, que a actriz encontrou, devido a Michael Haneke, um papel à sua medida, 50 anos depois de Resnais: "Não é todos os dias que somos atingidos pela beleza de uma mulher de 85 anos."

Para Hiroshima Meu Amor, que tem argumento da escritora Marguerite Duras, Alain Resnais encontrou este rosto sério e melancólico num cartaz, que tinha chegado a Paris, vinda dos Vosges, para estudar teatro aos 26 anos. O filme faz parte de uma trilogia, juntamente com Noite e Nevoeiro e Muriel, que sinaliza o aparecimento da Nouvelle Vague e uma nova forma de fazer cinema, ou seja, como escreve o Le Monde, "a emergência da modernidade na história do cinema mundial".

Sobre o papel de Anne em Amor, Michael Haneke lembrou numa entrevista ao PÚBLICO as dificuldade de representar depois dos 80 anos, ele que fez o filme para Jean-Louis Trintignant: "Ficámos todos muito impressionados com Emmanuelle Riva, pois tratava-se também de um papel perigoso. Representar alguém com uma deficiência é gratificante quando é bem feito, mas esconde também o perigo enorme de não resultar. Assim acontecia com o papel de Anne. Por um lado, a paralisia tinha de ser credível, mas por outro também era muito importante transmitir a ideia de que se tratava de uma mulher com classe e autoridade, que tinha formado pianistas. É preciso termos em conta que Emmanuelle Riva tem 84 anos e que se entregou com uma vontade de ferro e com um grande sentido de responsabilidade." 

Amor, escreve o Le Monde, "um filme terrível, de uma lucidez atroz e de uma humanidade aterrorizadora", vai conhecer um sucesso crítico e de público inesperado que começa com a Palma de Ouro do Festival de Cannes.

Entre dois amores

Mas entre os filmes de Resnais e Haneke Emmanuelle Riva teve uma carreira longa e variada, onde não faltaram obras e interpretações notáveis. É curioso notar que, tendo "nascido" num filme fundamental da Nouvelle Vague (o de Resnais), a sequência da sua carreira não passou muito por aí, e esteve mesmo num dos filmes que essa Nouvelle Vague anatemizou através dum célebre texto de Jacques Rivette, o Kapo de Gillo Pontecorvo, em 1960. Mas também nesse ano foi uma das amigas de Adua em Adua e as Amigas, do genial e tão esquecido cineasta italiano Antonio Pietrangeli, contracenando com Simone Signoret e Sandra Milo.

Nessa época inicial, princípio dos anos 60, deve salientar-se também a sua participação num filme de Marcel Hanoun (Le Huitiéme Jour), e sobretudo no Amor Proibido (Léon Morin, Prêtre), o polémico filme de Jean-Pierre Melville que a pôs a encarnar a personagem de uma viúva apaixonada por um padre (Jean-Paul Belmondo) no contexto histórico da Ocupação durante a II Guerra. Nesse período foi também a protagonista de Therese Desqueyroux, de Georges Franju, na pele de uma mulher, farta do seu casamento, a envenenar lentamente o marido.Voltaria a Franju mais tarde nessa década (em Thomas L'Imposteur) em que se dividiu muito entre os cinema francês e italiano, e que correspondeu ao seu período de maior actividade.

Os anos 70 "apagaram-na" um bocadinho, com poucos filmes memoráveis, embora deva ser referida a sua constante disponibilidade para projectos de características pouco comuns, como o célebre filme de Arrabal, Irei como um Cavalo Louco, em 1974.

Nos anos 80 há assinalar um papel fabuloso num filme genial, o Liberté, la Nuit de Philippe Garrel, que tematicamente tem alguma coisa a ver com o filme de Haneke que quase trinta anos depois viria a dar um novo fôlego à sua carreira: também aí era uma questão de intimidade, da intimidade de um matrimónio longo e acidentado. Mas deve referir-se o à-vontade com que Riva, como em toda a sua carreira, passava dos mais modernos aos mais tradicionais: e se filmava com Garrel, nos anos 80 também esteve num dos filmes finais de Jean Delannoy (La Passion de Bernadette), que para a geração da Nouvelle Vague fora praticamente o epítome da detestada "qualidade francesa".

Entre os anos 90 e 2000 há a referir a sua participação na Trilogia das Cores de Kieslowski e, imediatamente antes de Amor, o seu papel em O Verão de Skylab, de Julie Delpy, que a juntava a outra actriz símbolo da Nouvelle Vague, Bernadette Lafont, numa escolha de elenco plena de significados. Depois veio o filme de Haneke, que lhe renovou a popularidade, e teve o condão de fazer terminar em alta uma carreira tão cheia de grandes momentos como de períodos de eclipse.

Actualizado às 17h com o resto da carreira da actriz no cinema