Sogrape celebra 75 anos com dívida zero e “vontade de investir”
No dia em que começa as celebrações do seu 75.º aniversário, a Sogrape vive um raro estado de graça. Com a dívida apagada, a multinacional portuguesa facturou em 2016 mais de 210 milhões de euros e o seu líder anuncia para breve um novo fôlego de crescimento.
“Se não fosse o Mateus Rosé nós não estaríamos aqui”, diz Fernando Cunha Guedes, 48 anos, que em 2015 substituiu o irmão Salvador (que padece de Esclerose Lateral Amiotrófica) na condução dos destinos da maior empresa portuguesa do sector do vinho. O reconhecimento representa a fidelidade a um legado, mas revela também um alicerce para o futuro. No ano que celebra 75 anos de vida, a Sogrape da família Guedes anuncia um novo ciclo de crescimento sustentado por uma folga financeira rara em Portugal e baseado numa estratégia que tem nos vinhos nacionais o seu principal trunfo.
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“Se não fosse o Mateus Rosé nós não estaríamos aqui”, diz Fernando Cunha Guedes, 48 anos, que em 2015 substituiu o irmão Salvador (que padece de Esclerose Lateral Amiotrófica) na condução dos destinos da maior empresa portuguesa do sector do vinho. O reconhecimento representa a fidelidade a um legado, mas revela também um alicerce para o futuro. No ano que celebra 75 anos de vida, a Sogrape da família Guedes anuncia um novo ciclo de crescimento sustentado por uma folga financeira rara em Portugal e baseado numa estratégia que tem nos vinhos nacionais o seu principal trunfo.
Pouco mais de dois depois de tomar posse como vice-presidente e CEO da Sogrape, há alguma mudança de fundo que tenha a sua impressão digital? A estratégia em curso é sua ou é ainda a definida por Salvador Guedes?
Nós fizemos um novo plano estratégico que coincidiu com essa passagem, que, como sabe, foi uma passagem forçada e inesperada, lamentavelmente, mas que teve o contributo ainda do Salvador, meu e de toda a administração. Esse projecto está a ser implementado, e bem implementado, penso eu. Tem-se feito muita coisa. Nessa altura, estávamos muito dispersos e preocupámo-nos em focalizar. Tínhamos muitas marcas, cerca de 30, e decidimos dar prioridade a cinco (o Mateus, Gazela, a Casa Ferreirinha, os LAN, em Espanha, e a Sandeman, no vinho do Porto). Depois, em função dessas marcas, focalizámo-nos também em mercados, que foram seleccionados e organizados entre os “core”, Portugal, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, dois mercados que nos são muito próximos, Angola e Brasil, e seleccionámos duas plataformas de crescimento, onde pensamos que temos possibilidades de crescimento mais acelerados.
Está a correr bem?
Está a correr bem em termos de negócios e de rentabilidade e nestes últimos dois anos vemos que os resultados estão alinhados com esta estratégia.
O que é fundamental para que a empresa seja capaz de vender 135 garrafas de vinho por minuto?
Um conjunto de coisas. Se pergunta uma, obviamente é a experiência e o percurso adquirido nos mercados internacionais ao longo de 75 anos. Hoje em dia o mercado nacional vale 25% das vendas. A maior parte das nossas vendas é lá fora e grande parte delas é ainda com o Mateus Rosé. O que é preciso é um percurso, uma história, uma experiência adquirida.
Como é que correu 2016? No ano que celebra três quartos de século, o volume de negócios vai chegar aos 210 milhões de euros?
Vamos ultrapassar. Esse número está mais ou menos fechado, vamos ficar entre os 210 e os 215 milhões.
Cresceram mais do que os 2% de 2015?
Sim, vamos crescer entre 3 e 4%.
Os resultados de 2015 mostram que o desempenho da Casa Ferreirinha, com os vinhos do Douro, ou da marca Gazela, do Vinho Verde, foi melhor do que o das companhias instaladas no Chile, Argentina ou na Nova Zelândia. É sinal do potencial do vinho português? Ou de um crescimento mais acentuado no mercado interno?
Das nossas cinco marcas prioritárias há uma espanhola, e esse conjunto cresceu mais do que o conjunto da empresa. Das marcas nacionais, tivemos crescimentos muito bons. O Mateus voltou a crescer na casa dos 6%, o que é extraordinário para uma marca de 75 anos, e em mercados exigentes como o do Reino Unido. Na Casa Ferreirinha, há um sucesso continuado, também na casa dos dois dígitos. Isso resulta da focalização. As marcas portuguesas têm um enorme potencial de crescimento.
Lançaram há meses um novo Barca Velha. O Barca Velha é mais importante para a companhia pelo prestígio ou por ser um grande negócio?
É pelas duas. O Barca Velha é um vinho icónico, não só para a Sogrape mas também em Portugal. Só por isso é motivo de orgulho e de prestígio tê-lo no nosso portefólio. Tem um papel muito importante na afirmação da nossa estratégia no Douro, está integrado na gama da Casa Ferreirinha. Dito isso, o Barca Velha é também um bom negócio. É um produto rentável. O nosso desafio permanente ao Luís Sottomayor [o enólogo da Ferreirinha] é perguntar-lhe ‘por que não se pode produzir mais?’. E ele diz sempre que produz aquilo que pode e, pronto. É fundamental que se entenda que nós no Barca Velha privilegiamos a decisão enológica muito antes de qualquer decisão económica. A prioridade económica aqui vem para segundo lugar.
A Sogrape vendeu 12 milhões de euros para Angola em 2015. Que queda registaram neste mercado em 2016?
A Sogrape sentiu efeitos, mas não são efeitos dramáticos como a que se fala na generalidade do sector. Angola chegou a representar 20% das exportações nacionais de vinho. No nosso caso, Angola representará 5 ou 6% da facturação. Não é um problema tão grande como os outros que estão muito expostos. Nós temos uma vantagem competitiva: temos a nossa empresa lá. Estamos lá para ficar, como estamos na Argentina para ficar. Nós na Argentina apanhámos bons momentos e apanhámos maus momentos e acreditamos que uma empresa que tem uma visão a longo prazo tem de estar sujeita a estes ciclos e de se adaptar. O grande problema de Angola é a repatriação de divisas, um problema que afecta todo o sector. Só que tendo uma empresa local, podemos facturar localmente. Conseguimos ter uma actividade normal, só que depois o dinheiro fica lá em kwanzas.
Não tiveram perdas de mercado?
Não. Tivemos um ano relativamente bom. O que tivemos de fazer a partir de Setembro foi travar as vendas. Se quiséssemos vender mais, podíamos vender mais. Não quisemos. Travámos. Não nos interessa acumular kwanzas que se vão desvalorizar. Estamos cautelosos. O nosso orçamento para Angola para este ano prevê uma redução da nossa actividade em Angola.
Que balanço faz da compra da Bodegas LAN, em Espanha? Não se arrependeram de ter vendido a Quinta da Boavista, no Douro, para financiar essa aquisição?
Como dizia um jogador de futebol, ‘prognósticos só no fim do jogo’. A decisão de gestão é boa ou má quando se toma e não depois. Somos bastante conservadores na nossa gestão financeira e em 2012 tínhamos feito investimentos fortes e o balanço estava bastante carregado com dívida. Decidimos vender um conjunto de activos para estarmos com folga suficiente para não nos preocuparmos com a dívida. Foi uma opção. Hoje, com a nossa capacidade financeira, se calhar poderíamos comprar uma outra Quinta da Boavista ou até dez ou 15. Mas a LAN é um projecto que está a correr extraordinariamente bem, 2016 voltou a ser um ano fabuloso, é uma empresa que só nos dá alegrias.
Em 2016 conseguiram manter a dívida líquida em valores inferiores aos dos lucros?
A dívida líquida praticamente não existe.
Quer dizer que a dívida líquida, que rondava os 15 milhões no final de 2015, desapareceu?
Deve estar próxima de zero.
Num país onde um dos maiores problemas é o endividamento, como é que isso aconteceu? Resulta de uma gestão ‘à antiga’?
Não, de forma alguma. É uma gestão cautelosa. Se virmos uma série histórica de 20 anos, a nossa dívida vai sempre em “dentes de serra”. Cresce muito, por algum investimento, seja em terra ou em aquisições, e depois não descansamos enquanto não metermos a dívida num estado que nos pareça razoável. Depois volta a subir, e depois volta a baixar… E agora está no pico mais baixo.
O que quer dizer que vão investir?
O que quer dizer que agora temos capacidade de sobra, vontade e motivação para continuar a investir. Sempre foi a nossa filosofia. Estamos com um balanço sólido para termos novas ambições, sem dúvida.
Há já alguma ideia do que vão fazer? Vão comprar, manter o crescimento orgânico?
Depois de 2012 tivemos uma gestão bastante próxima e eficaz da dívida. Era uma coisa que nos preocupava. Agora vamos voltar a investir, nas nossas marcas, em activos que possam sustentar o crescimento das marcas, e depois não excluímos de maneira alguma a hipótese de crescer por aquisição sempre e quando haja uma marca, um activo que seja interessante, que seja coerente e consistente com a nossa estratégia, em Portugal ou lá fora.
Sentiu-se incomodado por ter sido convidado para a administração da CGD para logo depois ser vetado pelo Banco Central Europeu?
Primeiro, senti-me francamente honrado por ter sido convidado. Não estava nada à espera. Aliás, não conhecia bem António Domingos. Trabalhei há 20 anos no BPI e nessa altura ele era director financeiro. Devemo-nos ter cruzado duas sou três vezes. Não o conhecia. Depois, todo o processo, daí para frente é uma novela sobre a qual não gostaria de me pronunciar muito. Foi um processo todo ele mal gerido. Mas nem o meu nome nem nenhum outro chegaram a ser chumbados; penso que, pura e simplesmente, não chegaram a ser apresentados.
O cenário político actual em Portugal garante confiança para o investimento?
O pior que pode acontecer na vida de uma empresa é a incerteza. Portanto, um cenário como este, independentemente das cores políticas, é um cenário pouco sólido. Há um acordo que existe, mas é pouco sólido e isso causa alguma incerteza. Dito isto, nestes primeiros meses tem-se visto alguma estabilidade dentro dessa instabilidade. Mas sinceramente, as empresas, e nós Sogrape, temos tanto a fazer por nós próprias que temos de concentrar muito mais as nossas energias no nosso negócio e procurar novas oportunidades lá fora – o nosso crescimento tem de vir lá de fora, Portugal é muito pequenino para empresas que têm ambições grandes. Temos de nos concentrar e de ser positivos, em vez de estar sempre a chorar por causa de uma situação de Portugal menos boa, pela incerteza política ou económica.
Para uma pequena multinacional como a Sogrape, a incerteza gerada com a eleição de Donald Trump e com o Brexit obrigou-vos a repensar a estratégia?
A preocupação é forte, diariamente falamos nisso.
Mas condiciona os vossos investimentos?
Nós reforçámos os investimentos na Inglaterra já depois do Brexit. Muita coisa pode acontecer, ninguém sabe que tipo de acordo o Reino Unido vai celebrar com os outros países da Europa. Mas se vamos ficar à espera, vamos perder oportunidades. Passe o que passar, o Reino Unido vai continuar a ser um mercado extremamente importante, como sempre foi. Vão continuar a beber vinho. O que vai mudar? Não sabemos. Na altura teremos de ter a flexibilidade suficiente para nos ajustarmos aos novos cenários. Quando se pensa a muito longo prazo, tudo se torna mais fácil.
De todos os vinhos da Sogrape qual é o que prefere?
O que mais gosto é claramente do Mateus Rosé. E digo-o com seriedade. Por variadíssimas razões: não só porque gosto de o beber, mas também porque tem uma carga emocional para mim tremenda. Bebo-o e lembro-me do que faço aqui todos os dias e de tudo os que os que estiveram aqui antes fizeram. Já para não dizer que se não fosse o Mateus Rosé nós não estaríamos aqui. Foi o Mateus Rosé que nos deu capacidade financeira para fazer tudo o resto. Por todas as razões, é o vinho que mais gosto.