Tiquetaque, tique… o Relógio do Apocalipse está meio minuto mais perto do fim
É um momento histórico, que não acontecia desde 1953, quando ficou a dois minutos do fim de tudo. O “relógio” acertado por um grupo de cientistas de renome está apenas a dois minutos e meio da meia-noite.
Pode dizer-se que o resultado não foi surpreendente: o Relógio do Apocalipse está a dois minutos e meio da meia-noite. Já se esperava que o “relógio”, acertado por especialistas da revista Bulletin of the Atomic Scientists, se adiantasse relativamente a 2015 e 2016, anos em que marcou as 23h57. Quais os motivos para este avanço? Os mais citados na conferência de imprensa desta quinta-feira foram Donald Trump, as alterações climáticas, a cibertecnologia e as armas nucleares.
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Pode dizer-se que o resultado não foi surpreendente: o Relógio do Apocalipse está a dois minutos e meio da meia-noite. Já se esperava que o “relógio”, acertado por especialistas da revista Bulletin of the Atomic Scientists, se adiantasse relativamente a 2015 e 2016, anos em que marcou as 23h57. Quais os motivos para este avanço? Os mais citados na conferência de imprensa desta quinta-feira foram Donald Trump, as alterações climáticas, a cibertecnologia e as armas nucleares.
Como uma grande metáfora dos cientistas atómicos, o Relógio do Apocalipse voltou a deslocar os ponteiros em direcção ao fim. O anúncio foi às 15 horas de Lisboa, via streaming da cidade de Washington: pela primeira vez na história do Relógio do Apocalipse são adiantados uns “icónicos” 30 segundos. “Ao longo de 2016, o cenário de segurança global tornou-me mais negro, pois a comunidade internacional falhou as medidas às ameaças, às armas nucleares e às alterações climáticas…”, refere um comunicado do painel de especialistas que decidiu a nova hora deste relógio.
Os ponteiros deste relógio são movimentados por um painel composto por 14 cientistas – especialistas em energia nuclear, desarmamento, armas ou alterações climáticas – e que é liderado por Lynn Eden, Investigadora no Centro para Cooperação e Segurança Internacional, da Universidade de Stanford, EUA. Esta apreciação é feita também por um painel de cientistas que inclui Freeman Dyson, Brian Greene, Stephen Hawking ou Martin Rees. Entre eles, há 15 cientistas laureados com o Prémio Nobel, como Steven Weinberg, Nobel da Física de 1979. Todos calculam se a humanidade estava mais próxima ou mais longe de se autodestruir.
“Para marcar o 70.º aniversário do Relógio do Apocalipse, a deliberação deste ano é muito mais urgente do que o normal”, começou por dizer Rachel Bronson, directora executiva do boletim. E referiu que os perigos das armas nucleares, a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos e as alterações climáticas foram largamente tidos em conta.
Depois do anúncio, Lawrence Krauss, professor de física na Universidade do Arizona (EUA), salientou a “importância histórica do dia de hoje”, uma vez que desde 1953 que o relógio não se aproximava tanto do “apocalipse”. “Em 2016, os líderes mundiais não só falharam na negociação adequada dos perigos, como o risco de uma guerra nuclear aumentou actualmente.”
“Os Estados Unidos e a Rússia – que possuem mais de 90% das armas nucleares no mundo – estão numa quantidade ímpar de teatros de guerra, como na Síria, na Ucrânia e nas fronteiras da NATO. Ambos continuam a modernizar em grande quantidade as suas armas nucleares e a controlar fortemente o armamento.”
Além destes dois países, também a Coreia do Norte foi referida, devido aos testes nucleares que tem vindo a fazer. As ameaças nucleares apontadas pelos cientistas também se estendem a países como a Índia e o Paquistão.
Trump e Putin “como crianças petulantes”
Lawrence Krauss também salientou a importância da cibertecnologia, a propósito da falta de segurança na Internet e do perigo das notícias falsas. Já David Titley, da Universidade da Pensilvânia (EUA), centrou o seu discurso nas alterações climáticas, a propósito da subida do nível do mar e do aumento da temperatura na Antárctida.
“Garantir no futuro que a temperatura não sobe para níveis catastróficos requer uma redução das emissões dos gases com efeito de estufa além dos acordados em Paris [em 2015], ainda que conferência do clima em Marraquexe tenha havido pequenas cortes”, lê-se no comunicado. Lawrence Krauss deixou ainda uma mensagem: “A Administração de Trump precisa clara e inequivocamente de aceitar as alterações climáticas, causadas pela actividade humana, como uma realidade.”
A chamada de atenção a Donald Trump foi geral: “A situação no mundo tem sido ameaçadora devido ao cenário dos nacionalismos em crescimento em 2016, incluindo a campanha presidencial nos Estados Unidos, e depois com a vitória de Donald Trump, que fez comentários perturbadores sobre o uso e a proliferação das armas nucleares e de afirmações de descrença sobre o impressionante consenso científico relativo às alterações climáticas”, refere ainda o comunicado.
O alerta mais efusivo veio de Lawrence Krauss, que se dirigiu não apenas a Donald Trump, mas também a Putin. “O Presidente Trump e o Presidente Putin podem escolher agir em conjunto como políticos ou como crianças petulantes, e desta forma arriscam o nosso futuro.” Dirigindo-se a todos nós, disse ainda: “Pedimos a todas as pessoas que se manifestem e enviem uma mensagem aos nossos líderes, que estão a ameaçar desnecessariamente o nosso futuro e o futuro das nossas crianças.”
Já se esperava este resultado. Também houve uma votação aberta a todos no site do Bulletin of the Atomic Scientists. Nessa votação, 78% dos votantes apostava que os ponteiros do relógio se deslocariam para menos de três minutos, 11% que se movimentariam para mais de três minutos e 10% que ficariam nos três minutos.
Um “relógio” que funciona desde 1947
Foi em 2015 que o Relógio do Apocalipse se deslocou dos cinco minutos, marcados em 2012, para os três minutos do fim. “Alterações climáticas sem controlo, a modernização global das armas nucleares e arsenais grandes de mais representam ameaças extraordinárias e inegáveis à existência continuada da humanidade, e os líderes mundiais não têm agido com a velocidade ou na escala que se exigia para proteger os cidadãos da catástrofe potencial”, comentou na altura o painel de cientistas.
Em 2015, Rachel Bronson dizia ao PÚBLICO que estava muito satisfeita com a atenção que tiveram nesse ano, pois 400 mil pessoas assistiram via streaming ao acerto dos ponteiros nesse ano.
No ano passado, os três minutos mantiveram-se e os cientistas foram bem claros: “Esta decisão não é uma boa notícia, mas sim um sinal de desalento para com os líderes mundiais, que continuam a falhar o ênfase das suas decisões, assim como na reduzida atenção do mundo para com perigo extremo que representa ser dominado pelas armas nucleares e as mudanças climáticas.”
Em 1953, os ponteiros também marcaram dois minutos para a meia-noite. O clima era o da Guerra Fria e os Estados Unidos e a União Soviética faziam os primeiros testes termonucleares. Nos anos seguintes, os ponteiros foram variando de posição. Em 1991, chegaram a estar a 17 minutos da meia-noite. Nesse ano, o Muro de Berlim desmoronava-se e, com isso, adivinhava-se o fim da Guerra Fria. Além disso, os Estados Unidos e a União Soviética assinavam o Tratado para a Redução de Armas Estratégicas, o primeiro acordo bilateral para redução das armas nucleares.
O Relógio do Apocalipse foi criado em 1947 e foi incluído na capa da revista Bulletin of the Atomic Scientists, para alertar para os perigos nucleares. Estava a sete minutos da meia-noite. Afinal, só tinham passado dois anos desde o lançamento das bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui, no Japão. Desde então, já se acertou 23 vezes. A primeira vez em que isso aconteceu foi em 1949, ficando a três minutos da meia-noite. Naquele o ano, o Presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, anunciou que os soviéticos estavam a fazer os primeiros testes nucleares.
E a revista Bulletin of the Atomic Scientists surgiu em 1945, criada por cientistas do Projecto Manhattan, dirigido por Robert Oppenheimer para fazer as primeiras bombas atómicas, durante a Segunda Guerra Mundial, e que não queria ficar indiferentes às consequências do uso da energia nuclear. No passado, o painel de cientistas do Bulletin of the Atomic Scientists já contou, além de Robert Oppenheimer, com nomes de peso como Albert Einstein, Leo Szilard, Edward Teller, Robert Wilson, Harold Urey ou Arthur C. Clarke.