Get Hands Dirty: ela ensina 100 mil pessoas a trabalhar a madeira

O canal de YouTube de Cristiana Felgueiras tem mais de 100.000 subscritores e milhões de visualizações. A jovem autodidacta constrói objectos de madeira e peças de mobiliário e partilha o processo, passo a passo, em vídeo. Tudo a partir do estúdio que também é casa

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Paulo Pimenta

Abrimos a porta do estúdio e vemos barrotes de madeira alinhados numa espécie de estante (uma “biblioteca de madeira”, como foi baptizada). Mais abaixo, caixas transparentes com aparas de madeira. Ao lado, placas de MDF de vários tamanhos, encostadas à parede — que também é de madeira. Ainda não demos três passos no atelier, que também é a casa de Cristiana Felgueiras, e já deu para perceber que este é um espaço de trabalho. As várias máquinas de carpintaria espalhadas em mesas e bancadas completam o cenário, marcado por uma estrutura que é cama, secretária, estante e lar de vários peixinhos de aquário. São os bastidores do projecto Get Hands Dirty, canal de YouTube que ultrapassou recentemente os 100.000 subscritores e no qual Cristiana partilha todo o processo de construção de objectos ou peças de mobiliário, passo a passo.

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Abrimos a porta do estúdio e vemos barrotes de madeira alinhados numa espécie de estante (uma “biblioteca de madeira”, como foi baptizada). Mais abaixo, caixas transparentes com aparas de madeira. Ao lado, placas de MDF de vários tamanhos, encostadas à parede — que também é de madeira. Ainda não demos três passos no atelier, que também é a casa de Cristiana Felgueiras, e já deu para perceber que este é um espaço de trabalho. As várias máquinas de carpintaria espalhadas em mesas e bancadas completam o cenário, marcado por uma estrutura que é cama, secretária, estante e lar de vários peixinhos de aquário. São os bastidores do projecto Get Hands Dirty, canal de YouTube que ultrapassou recentemente os 100.000 subscritores e no qual Cristiana partilha todo o processo de construção de objectos ou peças de mobiliário, passo a passo.

Quando a jovem, natural de Vila Real, nos recebe no quinto andar de um prédio cheio de luz natural, o computador portátil está aberto num programa de edição de vídeo. Há mais um projecto a ser editado para ser partilhado online, em inglês para ser útil ao maior número de pessoas. “Pondo a ideia de um objecto na cabeça, não descanso até tê-lo completo. Tenho paixão por executar, gosto que a peça seja parte de mim e tenha, de certa forma, a minha mão”, vai dizendo Cristiana, 27 anos. O Get Hands Dirty — e a marca gráfica criada nas redes sociais com o mesmo nome — é passatempo e trabalho, um dois em um que se mistura nas quatro paredes de madeira e na varanda voltadas para a Baixa do Porto. Vive da Internet e começou na Internet, quando a necessidade de criar um encaixe para um trabalho universitário levou Cristiana a embrenhar-se nos canais de vídeo dedicados à bricolage e ao do it yourself (DIY). “Criei até uma espécie de obsessão por esse tipo de canais”, confessa. De tanto ver, começou a ter vontade de sujar as mãos, de “ter esta máquina e aquela”.

 

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Cristiana e a sua biblioteca de madeira, uma espécie de armazém de material Paulo Pimenta

Licenciada em Escultura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto (FBAUP), nunca manifestou particular interesse por madeiras até terminar o curso. Foi aprendendo sozinha como trabalhar esta matéria-prima, adquiriu uma primeira máquina — uma tupia — para construir uma caixa de luz e uma mesa para a encaixar, já consciente de que aplicava conhecimentos do YouTube. “Dei conta de que falava sozinha enquanto estava a construir coisas, sempre em inglês.” O canal Get Hands Dirty viu a luz virtual em Março de 2015. Hoje, quase dois anos depois, é a principal ocupação de Cristiana, frequentemente contactada por marcas de ferramentas ou materiais e seguida por pessoas de todo o mundo.

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A estrutura que é cama, secretária e estante foi construída por Cristiana Paulo Pimenta

Os objectos que idealiza e constrói têm em comum a matéria-prima — quase sempre o pinho — e a “estética muito minimal e simples”. “Não gosto de coisas toscas, gosto que fiquem bastante perfeitas em termos de aspecto, quase como se tivessem sido feitas totalmente por máquinas.” Pensa em peças de que precisa, imagina-as e lança-se na busca pelo material; poucos desenhos faz, revela, é um processo de tentativa-erro típico de quem nunca fez formação em carpintaria, nem sequer um workshop.

“Pensar sobre isto causa-me alguma estranheza: até ter começado o canal, sempre fiz coisas que não se precisam mais relacionadas com arte. Agora não são objectos artísticos, têm funcionalidade.” É o caso do vaso para quatro cactos — o único vídeo narrado em português — que vemos pousado numa cómoda branca, uma das poucas peças de mobiliário que decoram a casa da youtuber e que não foram feitas por si. Ou a caixa de luz com o logótipo do Get Hands Dirty que serve de cenário para alguns dos vídeos que partilha.

Nenhum projecto, contudo, rivaliza com a estrutura de madeira [vê vídeo à esquerda] na qual assenta a cama e um conjunto de paralelepípedos encaixados em jeito de estante e escada, onde se encontra também um aquário iluminado e com plantas naturais. Demorou vários meses a concluir o projecto — muito por culpa do compromisso em filmar e partilhar os vídeos, trabalho que dobra, no mínimo, o tempo gasto — e, se tivesse comprado todos os materiais, teria gasto perto de 2000 euros. Teve o patrocínio de uma marca para o valcromat usado na secretária e na estante e os vários vídeos nos quais mostra todo o processo somam mais de um milhão de visualizações. Já tem fãs, ainda que isso seja “um bocado estranho de dizer”, e as pessoas que a seguem “são bem distintas”: utilizadores entre os 18 e os 25 e os 26 e os 30 e poucos anos são os mais comuns, que comentam e criticam o que Cristiana vai fazendo e mostrando.

“É um trabalho solitário, mas eu gosto de estar sozinha”, garante. “Gosto de controlar o processo, de estar comigo, tomar as decisões, não ter ninguém a ver quando erro.” A timidez de Cristiana, que também faz trabalhos de cenografia para a Casa da Música, não se percebe nos vídeos que produz e que hoje têm “outro tipo de plasticidade e dinamismo” que faltava aos feitos há dois anos. O passatempo que se transformou em trabalho está a dar frutos: além de máquinas e material que se acumulam na oficina, a youtuber vai recebendo encomendas para peças e adereços de pessoas que se identificam com a sua linha estética. “Não tinha a preocupação consciente de criar uma marca, mas acabou por fazer sentido”, admite. “É uma característica minha: grande parte do que faço é intuitivo.”