Pergaminho

Uma vez por semana, vou tentar concentrar-me na tarefa que me foi pedida de tentar salvar deste mar de uso indevido, desatenção, desprezo ou esquecimento algumas palavras da língua portuguesa

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Paulo Pimenta

Em vez de irmos para a praia acelerar o envelhecimento da pele, vamos todos fazer uma excursão à Turquia, para rejuvenescer o espírito. Não sei nada quanto à vossa disposição e disponibilidade financeira, mas isso não tem importância perante qualquer coisa que é forçoso fazer. Além disso, cada um paga o seu.

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Em vez de irmos para a praia acelerar o envelhecimento da pele, vamos todos fazer uma excursão à Turquia, para rejuvenescer o espírito. Não sei nada quanto à vossa disposição e disponibilidade financeira, mas isso não tem importância perante qualquer coisa que é forçoso fazer. Além disso, cada um paga o seu.

Vamos, num instantinho, à actual cidade de Bérgama, no vale do rio Caico, mais precisamente às ruínas da antiga cidade de Pérgamo, onde subsistem ainda vestígios de grandes monumentos. Um deles foi o Altar de Zeus, cujos frisos se conservam em Berlim, num edifício cuja concepção foi inspirada pelo próprio espólio que iria guardar, o Museu de Pérgamo, e que, dizem, ficam, em grandeza, apenas atrás dos do Parténon de Atenas, que se encontram no Museu Britânico, em Londres.

Nesta viagem (e noutras) vão guiar-nos dois livros muito recomendáveis, justamente identificados no fim do texto: um é sobre livros e bibliotecas (1), o segundo é sobre a sua destruição (2). Acompanhados por eles, vamos ao tempo de Êumenes II (ou Euménio II), que reinou em Pérgamo entre 197 e 159 a.C., o qual, por meio de uma aliança com os romanos, se apoderou, sem ter tido necessidade de formar um exército, de vastos territórios que viriam a constituir, no auge do seu reinado, o maior reino da Ásia Menor. Com as riquezas que arrecadou, e com as quais transformou o seu reino num dos maiores centros de arte helénica e de saber, determinou o rei que se edificasse uma biblioteca real que pudesse ombrear com a de Alexandria, no Egipto.

Desta rivalidade resultou que, a dado momento, os egípcios tenham interrompido o fornecimento, ao reino rival, do precioso papiro, que era o material em que se escrevia e que se guardava em rolos. Sem papiro, os de Pérgamo tiveram de recorrer a materiais alternativos, o que fizeram transformando peles de carneiros, ovelhas e cordeiros (anhos). Um dos nossos livros diz (tradução minha): “Apesar de o processo não ter sido inventado lá, foi empregado a tal ponto que a palavra ‘pergaminho’, derivada de uma frase latina medieval que significa ‘de Pérgamo’, passou a ser de uso corrente” (1). Mas o outro contradi-lo, citando Plínio, que, por sua vez, cita Varrão (2): “(...) os livros de ovelha foram inventados em Pérgamo; e daí que o uso deste material se tornasse comum, tanto que veio a ser o instrumento da imortalidade do homem [...]”.  

É este um problema que decorre de não se ler apenas uma obra sobre um determinado assunto. Então sobre a grafia de nomes próprios da antiguidade, sejam topónimos (nomes de locais), sejam antropónimos (nomes de pessoas), estamos conversados... Mais um exemplo de discórdia: o cálculo dos volumes existentes na Biblioteca de Pérgamo também varia entre 200.000 (1) e 200.000 a 300.000 (2), mas o que é certo é que, após a ruptura militar com os romanos, acabaram por ser todos transferidos para Alexandria por ordem de Marco António, que deles fez presente à rainha Cleópatra VII (essa mesma, a que nós todos conhecemos, a que ficou conhecida pelo nariz, em vida, e pela áspide, na morte).

Na Idade Média, conheceu o pergaminho grande utilização, quer em rolos (chamados rótulos ou volumes, que deixaram de se produzir nos finais do século XIII), quer em livros (chamados fólios, in-fólios ou códices), permitindo salvar para os tempos modernos pensamentos e obras de todos os tipos, por meio de métodos de trabalho semelhantes aos dos monges tradutores e copistas que, no seu “scriptorium”, estão no centro da intriga detectivesca do romance “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, e do filme de 1986 de Jean-Jacques Annaud. Até que lá chegou o tempo em que o pergaminho se tornou tão caro, que se rasparam documentos tidos como de interesse secundário para que se pudesse reaproveitar o material nobre com novos textos a que se atribuía maior importância. E este novo aproveitamento do pergaminho também tem a sua palavra própria: palimpsesto.

Mas não se ficou por aqui nem a utilização de pele nos livros nem dos mistérios que guardaram por séculos. As peles tratadas de ovelhas, carneiros e cabras (as de vitela chamavam-se velino e aco), entretanto, deixaram o interior dos livros e passaram a reforçar e a decorar certas encadernações. Hoje são um luxo que acrescenta quem pode a uma obra que considera admirável. Nesta qualidade, a pele curtida e colorida passa a chamar-se carneira.

Com tão rico historial, pergaminho deixou de ser apenas um nome do material sobre o qual se escrevia, para passar a ser um universo simbólico de livros, bibliotecas, conventos, cartapácios, histórias, mistérios, memórias, saberes, repositórios, revelações resistentes ao tempo, quer de forma integral, quer por menções a obras perdidas. Quantos pergaminhos, completos ou em fragmentos, andarão por aí, escondidos em encadernações insuspeitas de registos e arquivos?

Mencionemos, a propósito, a descoberta do Pergaminho Sharrer na Torre do Tombo, em Lisboa, em 1990, “o mais antigo documento conhecido com música profana de origem portuguesa”, contendo sete canções trovadorescas de D. Dinis, com as respectivas notações musicais, a cujo estudo musicológico aludia o PÚBLICO em 2005, numa reportagem de Lucinda Canelas para o caderno Ípsilon.

De material tão nobre ficou-nos a expressão “honrar os pergaminhos” (nos quais eram escritos os títulos de nobreza), isto é, honrar a linhagem, a reputação ou a tradição e a inspiração para, a partir dele, se formar a designação de um polímero, um composto plástico antigo, destinado a substituir a pele natural em revestimentos e estofos, numa versão acessível ao consumo das massas, o pergamóide.

Obras citadas:

(1) “Patience & Fortitude”, de Nicholas A. Basbanes, Perennial, 2001.

(2) “História Universal da Destruição dos Livros”, de Fernando Báez, Texto Editores, Lda, 2009

Correio premente 

De Amadeu Martins, Monção: “Então o Sr. faz uma lista de génios da humanidade, dos maiores vultos das ciências e das artes, e deixa de fora o Newton e o Eusébio? Diga-me lá como é que conseguiu fazer isso… Um sábado à noite?... Um copito a mais? Um é o homem da gravidade e o outro é a gravidade de ter deixado de fora o maior futebolista português de todos os tempos!...”

Caro Senhor: é certo que caí na asneira de amanhar mal uma lista de representantes de gente que todos gostaríamos de ter na nossa equipa se uns extraterrestres bem-dispostos viessem desafiar-nos para um concurso televisivo do género “O Mundo Tem Talento”, mas peço-lhe que não vamos além disso. Jamais toco em vinho fora das refeições e bebidas brancas não bebo porque a correcção política mo impede, já que também não bebo bebidas pretas, como o café. Faço uma excepção apenas para a cevada, que é uma bebida virtualmente inexistente, em vias de extinção e, como tal, inspirando alguma ternura. Admito a falta do Newton como uma incoerência na intenção da constituição da tal “equipa ideal” (em português: “all stars”), mas também o genial Tesla, hoje completamente desconhecido no seu génio, e igualmente no seu nome, não fosse uma fábrica de carros eléctricos ter-se apropriado dele para marca, o Lavoisier, o Mendeleiev, o Maxwell, a Curie, o Planck, o Ramanujan, o Turing, o Bohr, o Dirac, o Feinman, o Haydn, o Handel, o Puccini, o Rossini, o Verdi, o Vermeer, o Courbet, o Cézanne, o Degas, a De Lempicka, a Cassat, o Majorelle, o Horta, o Gaudí, o Lloyd Wright, o Gallé, o Lalique, o Tiffany, o Chiparus, o Preiss, o Wilde, o Steinbeck, o Chandler, o Forster, o Chaplin, o Hitchcock, o Wyler, o Preminger, o Lang, o Mankiewicz, o Wilder, o Huston, o Curtiz, o Kazan, o Novello, o Coward, o Fry... A verdade é que tive medo que os leitores mudassem de canal, que é como quem diz página electrónica, por julgarem estar a ler a lista telefónica de Nova Iorque ou o balanço dos que morreram em 2016 (o Fry está vivo e bem vivo!).

Quanto ao Eusébio, a última vez que procurei pelo melhor jogador português de futebol de todos os tempos, obtive a informação de que era o Cristiano Ronaldo.