Muro na fronteira com o México abre guerra de Trump à imigração

Foi a primeira promessa eleitoral do Presidente dos EUA: livrar o país dos traficantes e violadores que cruzam a fronteira.

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Se bastasse uma assinatura num papel para fazer nascer um “grande e belo muro” ao longo da fronteira Sul dos Estados Unidos da América, ele tinha nascido esta quarta-feira quando Donald Trump pôs o seu nome num decreto presidencial a dizer “faça-se”. E mais do que isso, a custo zero para o país, uma vez que será o México a pagar a obra “absolutamente, a 100%”, garantiu o líder norte-americano.

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Se bastasse uma assinatura num papel para fazer nascer um “grande e belo muro” ao longo da fronteira Sul dos Estados Unidos da América, ele tinha nascido esta quarta-feira quando Donald Trump pôs o seu nome num decreto presidencial a dizer “faça-se”. E mais do que isso, a custo zero para o país, uma vez que será o México a pagar a obra “absolutamente, a 100%”, garantiu o líder norte-americano.

A acção executiva do Presidente é, por si só, insuficiente para levantar a “muralha impenetrável” prometida no lançamento da sua candidatura à Casa Branca e destinada a travar o fluxo de - disse - traficantes e violadores mexicanos e imigrantes latino-americanos para os EUA. O decreto presidencial não deixa, contudo, de ser profundamente simbólico da intenção de Donald Trump de levar avante a sua controversa política anti-imigração, assente na premissa do muro pago pelo México ou no desejo de proibir a entrada de muçulmanos – e de o fazer avançando contra tudo e contra todos.

“Uma nação sem fronteiras não é uma nação”, declarou Donald Trump, numa cerimónia no Departamento de Segurança Interna onde assinou o decreto para iniciar a construção do muro “imediatamente”. O acto marca, para o Presidente, o momento em que o país recuperou o controlo da fronteira e reafirmou o direito de aplicar as leis "na sua máxima força". “Estamos a viver uma crise na nossa fronteira Sul”, afirmou.

O decreto autoriza o redireccionamento de verbas alocadas àquela agência federal para projectos de infraestruturas para a construção do muro. Para já, desconhecem-se os montantes, mas os analistas dizem que serão suficientes para para pôr o projecto em marcha. Mesmo assim, a execução continua a estar dependente do financiamento do Congresso e condicionada pelo cumprimento de regras fixadas na legislação nacional e em tratados internacionais.

Pelas contas de vários consultores e especialistas, os custos dos trabalhos deverão ultrapassar os 30 mil milhões de dólares – e a obra pode prolongar-se por mais de cinco anos. A aritmética de Trump é muito diferente. O Presidente estimou que a construção do muro ficará entre os oito e dez mil milhões de dólares e pode ser concluída em “poucos meses”.

Numa entrevista à ABC, o Presidente repetiu que o projecto não será financiado pelos contribuintes norte-americanos, insistindo que todo o dinheiro público que tiver de ser aplicado no projecto será posteriormente recuperado através de uma “complicada fórmula de reembolso” a ser negociada com o México “muito em breve”. Confrontado com a recusa do Presidente Peña Nieto em assumir esse custo, Trump limitou-se a dizer que “haverá um pagamento”. “O que as pessoas têm de compreender é que o que estou a fazer é o melhor para os Estados Unidos. E também vai ser bom para o México”, acrescentou.

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Essa não é, naturalmente, a interpretação do Governo mexicano, que insiste que não vai pagar nem um cêntimo do muro de Trump. O anúncio feito pelo Presidente terá apanhado de surpresa os ministros da Economia e Negócios Estrangeiros do país, que viajaram até Washington para discutir com os conselheiros da Casa Branca o igualmente controverso plano de Trump para desfazer o acordo de livre comércio da América do Norte (NAFTA). Aliás, a cena lembrou a postura de Trump na sua inusitada visita ao México durante a campanha eleitoral: depois de falar de tudo menos do muro no seu encontro com o Presidente Peña Nieto, disse aos jornalistas que estava garantido o seu pagamento. “Ele ainda não sabe, mas quem vai pagar é ele.”

Num outro decreto, intitulado “promover a segurança pública dentro dos EUA”, o Presidente instruiu as agências respectivas a triplicar o número de agentes envolvidos em operações de detenção e deportação de clandestinos e a aumentar o número e o espaço dos centros de detenção de fronteira para mais rapidamente expulsar os clandestinos para os seus países. Trump quer ainda abrir mais 5000 vagas para a patrulha da fronteira – para já não se percebe como essa autorização se coaduna com a ordem de congelamento de todas as contratações em agências federais que assinou na segunda-feira.

Outra” incompatibilidade” que ficou por explicar diz respeito à diferença de opinião entre Donald Trump e o homem que escolheu para dirigir o departamento de Segurança Interna, o general (na reforma) John Kelly, sobre a utilidade e “eficácia” da construção de um muro na fronteira Sul do país. Nas audiências de confirmação no Senado, Kelly considerou que a infraestrutura não resolveria o problema da imigração. “Simplesmente não funciona”, afirmou.

E não é só com a construção de um muro que o Presidente dos Estados Unidos se propõe proteger o país das “ameaças” representadas pelo acesso de estrangeiros. Um outro decreto executivo assinado esta quarta-feira pretende acabar com as chamadas “cidades santuário” distribuídas pelo país: são localidades que se afirmam como refúgio para imigrantes não documentados e se eximem de cooperar com as autoridades federais nas deportações.

A Administração não facultou ainda o texto da directiva de Trump, mas explicou que a ordem é para suspender o financiamento federal das cidades que se identificam como “santuário”. Vários líderes locais garantiram já que não vão acatar a ordem presidencial. Após a eleição, o mayor de Phoenix, no Arizona, escreveu que o departamento de polícia da sua cidade “nunca se converteria numa força de deportação maciça, mesmo que o novo Governo de Washington ameace revogar todas as verbas federais a que temos direito. Jamais seremos coagidos a andar para trás no que diz respeito a direitos humanos e cívicos”, sublinhou Greg Stanton, citado pelo jornal The Republic.

Essa directiva, destinada a acelerar as deportações, pode não resistir à jurisprudência do Supremo Tribunal, que limita a discricionariedade do Governo nas transferências de verbas de programas federais – e à própria realidade. Ainda assim, vários estados do México começaram já a preparar-se para o eventual regresso a casa de milhares de cidadãos que vivem e trabalham do outro lado da fronteira: quase metade dos imigrantes (com visto e sem visto) nos EUA são mexicanos.

A 31 de Janeiro, Donald Trump vai receber o presidente do México, Enrique Peña Nieto, para debater “mudanças comerciais, a imigração e segurança”, segundo o porta-voz do presidente americano, Sean Spicer. Esta quarta-feira, numa sessão sobre as novas medidas de segurança nacional, Trump disse aguardar com expectativa o encontro com o líder mexicano, admitindo ter uma “grande admiração pelos mexicanos”.

Em Washington, Trump disse que os Estados Unidos enfrentam uma crise relativa à imigração ilegal “que afecta negativamente tanto o México como os EUA”. “As pessoas ficam surpreendidas ao ouvir que não precisamos de novas leis, que trabalharemos dentro do sistema existente”, disse o Presidente, considerando que uma das missões mais importantes do departamento de segurança nacional é o cumprimento dessas mesmas leis.

Na cerimónia no Departamento de Segurança Interna, o presidente anunciou que iria criar uma repartição para apoiar as vítimas de crimes relacionados com imigrantes ilegais, invocando o nome de alguns americanos que morreram desta forma. “Não tenho maior dever do que aquele de proteger as vidas dos cidadãos americanos”, concluiu. Com Cláudia Carvalho Silva