Papa intervém na Ordem de Malta, num conflito entre entidades soberanas

Autorização de preservativo foi pretexto para um conflito entre Francisco e ordem com origem no século XI; mas por trás está a luta de poder entre os sectores mais conservadores e os mais progressistas da Igreja Católica.

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Matthew Festing, numa audiência em Junho de 2016 com o Papa Gabriel Bouys/REUTERS

O Papa Francisco vai nomear um homem de sua confiança para liderar temporariamente a Ordem Soberana de Malta, depois de o grão-mestre desta organização humanitária fundada na época medieval se ter demitido, no culminar de uma disputa com o Vaticano sobre a sua soberania.

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O Papa Francisco vai nomear um homem de sua confiança para liderar temporariamente a Ordem Soberana de Malta, depois de o grão-mestre desta organização humanitária fundada na época medieval se ter demitido, no culminar de uma disputa com o Vaticano sobre a sua soberania.

Terça-feira, o Papa pediu ao grão-mestre Matthew Festing, de 67 anos, que se demitisse, embora a nomeação para a liderança desta ordem seja, por costume, vitalícia.

A Ordem de Malta é reconhecida como uma entidade soberana por uma centena de países, e o Vaticano é um Estado, o que eleva o nível deste confronto. A nomeação do “delegado pontifício” para liderar a Ordem seria “temporária”, dizem fontes do Vaticano, até os cavaleiros de Malta estarem em condições de eleger o seu próprio líder outra vez.

A disputa entre Festing e o Vaticano tem origem no afastamento, em Dezembro, de um dos principais cavaleiros da Ordem de Malta, o grande chanceler Albrecht von Boeselager, com o pretexto de ter autorizado o uso de preservativos num projecto de auxílio médico para os pobres. Boeselager apelou directamente ao Papa, que nomeou uma comissão de cinco elementos para estudar os motivos do afastamento, mas Festing recusou-se a colaborar. Afirmou que esta comissão violava a soberania da Ordem.

No entanto, fontes que conhecem o caso dizem que o afastamento de Boeselager é na verdade a expressão exterior de uma luta de poder mais profunda no interior da Igreja Católica, entre a linha mais conservadora, representada por Festing e o super-conservador cardeal norte-americano Raymond Leo Burke, o patrono da Ordem de Malta, e forças mais progressistas.

Em 2014, o cardeal Raymond Leo Burke foi afastado da Segnatura Apostolica, o Supremo Tribunal do Vaticano, após Francisco se ter tornado Papa. Burke tem assumido posições polémicas. Diz que o "feminismo radical" está na origem de muitos problemas na Igreja Católica, como a pedofilia.

Quando Festing despediu Boeselager, acusou o alemão de lhe esconder o facto de permitir o uso de preservativos quando dirigiu a agência humanitária da Ordem, a Malteser Internacional. Boeselager diz que encerrou dois projectos quando descobriu que estavam a ser distribuídos preservativos, e manteve um terceiro, porque não queria terminar de forma abrupta a prestação de cuidados médicos a uma população sem alternativas. O assunto dos preservativos foi apenas um pretexto, afirma, para tentar aumentar o poder de Festing e de Burke.

 A Igreja Católica não autoriza os preservativos como forma de controlo de natalidade e considera a abstinência como a melhor forma de evitar o contágio da sida.

Os líderes da Ordem Soberana de Malta não são padres, mas fazem votos de pobreza, castidade e obediência ao Papa. A instituição tem 13,500 membros, emprega 25 mil pessoas e tem 80 mil voluntários espalhados pelo mundo. A Ordem foi fundada no século XI, para dar protecção e cuidados de saúde aos peregrinos na Terra Santa, e mantém relações diplomáticas com mais de 100 Estados, com a União Europeia e tem estatuto de observador permanente nas Nações Unidas.