Constitucional italiano chumba parte da lei eleitoral e abre via ao voto
A sentença deve provocar eleições antecipadas num ano crítico. Já não se votará apenas na Holanda, França e Alemanha. Abre-se uma frente de batalha entre pró-europeus e populistas eurocépticos
O Tribunal Constitucional italiano declarou ontem inconstitucionais algumas disposições da lei eleitoral dita Italicum, aprovada pelo Parlamento em 2015 por iniciativa do então primeiro-ministro Matteo Renzi. Chumbou designadamente a sua cláusula fundamental, a realização de uma segunda volta (ballotaggio) entre os dois partidos mais votados para atribuir ao vencedor a maioria absoluta na Câmara dos Deputados, corrigindo a dispersão partidária decorrente do sistema proporcional.
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O Tribunal Constitucional italiano declarou ontem inconstitucionais algumas disposições da lei eleitoral dita Italicum, aprovada pelo Parlamento em 2015 por iniciativa do então primeiro-ministro Matteo Renzi. Chumbou designadamente a sua cláusula fundamental, a realização de uma segunda volta (ballotaggio) entre os dois partidos mais votados para atribuir ao vencedor a maioria absoluta na Câmara dos Deputados, corrigindo a dispersão partidária decorrente do sistema proporcional.
Este “prémio de governabilidade” seria automaticamente concedido ao partido vencedor se obtivesse mais de 40% dos votos. O Tribunal salvaguardou esta disposição, mas é praticamente impossível que um partido atinja esse patamar. Por isso Renzi propusera o desempate numa segunda volta. A decisão dos juízes marca o regresso ao sistema eleitoral vigente durante a I República. Desaparecem também as coligações pré-eleitorais. As indispensáveis alianças serão feitas depois do voto, no Parlamento.
Permanece uma anomalia no sistema. O referendo de Novembro anulou a reforma do sistema político proposta por Renzi e que assentava na transformação do Senado em câmara regional, abolindo o bicameralismo perfeito, em que ambas as câmaras têm praticamente as mesmas competências na aprovação das leis e na confiança ao Executivo. Tendo elas geralmente composição partidária diferente, o bicameralismo perfeito é uma fonte de instabilidade, a que chamaram “máquina de derrubar governos”.
A decisão do Constitucional tem outro efeito: desbloqueia a lei eleitoral e permite eleições a curto ou médio prazo. A questão política imediata passa a ser a data de eleições, o que depende dos líderes partidários e do Presidente de República, Sergio Matarella, que exercerá a função de árbitro.
A data do voto pode ser Junho, para dar tempo ao Parlamento de corrigir as diferenças entre o modo de votação para a Câmara e para o Senado. Mas poderá ser protelada para depois de 15 de Setembro, por uma razão “prática”: a maioria dos deputados está a cumprir o seu primeiro mandato e só a partir dessa data terão direito a receber as respectivas pensões.
Quer quer eleições?
Entretanto, o grande desígnio da reformas das instituições políticas parece ferido de morte. Voltam a mudar as regras do jogo. Regressa o business as usual. As duas forças que dominam as sondagens são o Partido Democrático (PD), de Renzi, na casa dos 30%, e o Movimento 5 Estrelas (M5S), do populista Beppe Grillo, na casa dos 28%. A Força Itália (FI), de Berlusconi, e a Liga Norte (LN), de Matteo Salvini, de extrema-direita, estão na casa dos 12%.
Responsáveis de quase todos os partidos, do PD, da FI e da LN declararam-se a favor de eleições o mais rapidamente possível. É cedo para avaliar a sua real vontade. Abolida a segunda volta, os partidos têm de pensar não só nas sondagens mas também nas futuras alianças.
As escolhas não são muitas e dominam as especulações. O sistema eleitoral poderia conduzir a uma “grande coligação” entre o PD e a FI, ou seja, entre Renzi e Berlusconi. Mas é mais provável um sistema de alianças de “geometria variável”, à esquerda e à direita. Grillo chegou a ter a expectativa de, numa segunda volta, poder bater Renzi, graças ao desvio de eleitores de direita que davam prioridade a afastar o então primeiro-ministro: era o “todos contra Renzi”, que funcionou nas eleições locais em Roma e Turim. Depois de romper com o “fascista” Salvini, Grillo não tem aliados. Significa a divisão dos eurocépticos.
As eleições italianas deverão coincidir com um ano crítico da política europeia, colocando no centro do debate as questões do euro e da UE. Já não se votará apenas na Holanda, na França e na Alemanha. Junta-se-lhes agora a Itália.