Moradores contam espingardas para a defesa do quartel de Linda-a-Velha
A provável criação de um supermercado numa zona que já tem quatro está a preocupar moradores de Linda-a-Velha, que preferiam que um terreno com 20 mil metros quadrados tivesse outro fim. Câmara de Oeiras garante que o projecto ainda não está fechado.
Basta passar em frente ao portão de ferro azul e espreitar pelas grades para perceber que Linda-a-Velha vai mudar. No que foi durante décadas o Quartel do Carrascal, bem no centro desta vila do concelho de Oeiras, hoje só há montes de entulho e terra. Quase todos os edifícios militares que ali existiam foram demolidos no Verão passado e, em breve, aquele terreno de 20 mil metros quadrados estará ocupado por um supermercado, edifícios de habitação e escritórios. Uma mudança que moradores, comerciantes e forças políticas vêem com alguma apreensão.
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Basta passar em frente ao portão de ferro azul e espreitar pelas grades para perceber que Linda-a-Velha vai mudar. No que foi durante décadas o Quartel do Carrascal, bem no centro desta vila do concelho de Oeiras, hoje só há montes de entulho e terra. Quase todos os edifícios militares que ali existiam foram demolidos no Verão passado e, em breve, aquele terreno de 20 mil metros quadrados estará ocupado por um supermercado, edifícios de habitação e escritórios. Uma mudança que moradores, comerciantes e forças políticas vêem com alguma apreensão.
O projecto ainda não foi aprovado pela Câmara Municipal de Oeiras, mas a intenção da Sonae (dona dos terrenos e também proprietária do PÚBLICO) é criar um supermercado Continente com mais de 4.800 metros quadrados à superfície e mais de 5.800 no subsolo, para estacionamento. “Pretende ser o supermercado do futuro” e “atento às questões actuais de sustentabilidade, de eficiência e estética”, lê-se numa brochura de promoção do empreendimento a que o PÚBLICO teve acesso. Está também prevista a construção de um prédio de habitação com seis pisos e dois para comércio e serviços. Um prédio do antigo quartel que não foi demolido também vai ser usado para este fim.
“Como é que isto é possível?”, interroga-se o actor João Lagarto, que mora perto dos terrenos e que está a tornar-se uma espécie de porta-voz das preocupações dos habitantes, que estão a começar a organizar-se para tentar que o projecto seja revisto. “Vai alterar completamente a configuração desta zona, o trânsito e o estacionamento”, queixa-se, acrescentando que “o ridículo disto tudo é que nesta zona há supermercados que nunca mais acabam”.
O antigo quartel de Linda-a-Velha fica na principal avenida da localidade. Foi vendido pela Estamo – a imobiliária do Estado – à Sonae no início de 2016 por 5,3 milhões de euros. À volta existem sobretudo prédios de habitação, a maioria deles com três ou quatro andares. Na mesma rua há mais dois supermercados e, num raio de dois quilómetros, outros dois.
É este o principal argumento dos opositores ao projecto, que preferiam que o local fosse ocupado por espaços verdes ou equipamentos sociais. “Se eu olhar para aquela zona de Linda-a-Velha, digo que falta tudo menos um supermercado”, comenta Isabel Sande e Castro, deputada municipal do CDS.
Em Outubro, numa reunião da Assembleia Municipal de Oeiras onde o tema foi discutido com moradores, o presidente da autarquia rebateu estas críticas. “Não é o presidente da câmara, nem os vereadores, nem os deputados municipais que decidem se uma rua tem muitos ou poucos supermercados”, disse Paulo Vistas, que foi criticado por não ter comprado os terrenos do quartel à Estamo. O autarca explicou que o município “não estava disponível para gastar cinco milhões de euros e ficar com aquele espaço para o transformar num jardim”.
Projecto baseia-se em estudo da câmara
A escritura de compra do quartel só foi assinada a 2 de Fevereiro de 2016, mas antes disso já a Sonae tinha apresentado um Pedido de Informação Prévia (PIP) à câmara, que depois foi alterado para um pedido de licenciamento. Na base do projecto apresentado pelo grupo de Paulo Azevedo está um estudo urbanístico elaborado pela própria câmara em 2014.
Esse estudo “teve como propósito a regulação, ao nível do ordenamento e gestão urbanística, do espaço em questão”, segundo uma fonte oficial da autarquia. O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, propunha a construção de um edifício de escritórios de 15 andares com “uma imagem contemporânea e vanguardista”. A intenção era mesmo que esta nova torre fosse “uma referência territorial, destacando-se por meio de uma maior volumetria”. No mesmo estudo, a câmara mencionava ainda a criação de duas praças públicas, de um silo automóvel subterrâneo e de novos edifícios de habitação com espaços comerciais nos pisos térreos.
O projecto da Sonae acabou por não contemplar o edifício de 15 andares. Mas isso não cala as muitas desconfianças de moradores e oposição. “A câmara, com este estudo, em vez de promover o espaço público e a melhoria da qualidade de vida da população, funciona como promotor”, critica Isabel Sande e Castro. “O presidente podia ter exercido força para que o projecto tivesse mais espaço público”, aponta Alexandra Moura, vereadora do PS. Mas “o problema maior que isto vai ter é a mobilidade”, antevê Miguel Pinto, eleito do Bloco de Esquerda à assembleia de freguesia de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada/Dafundo.
“Fazerem qualquer coisa aqui não é mau, agora podiam fazer outra coisa”, diz João Lagarto, que quer “tentar minimizar” os impactos do empreendimento. “Que os moradores tivessem acesso ao estacionamento que vai ser criado ali, que os prédios fossem mais pequenos”, vai sugerindo.
Ao PÚBLICO, fonte da autarquia explica simplesmente que o projecto “encontra-se em desenvolvimento” e Paulo Vistas garante que ele será submetido a consulta pública no fim do processo.
O PÚBLICO endereçou perguntas à Sonae que ficaram sem resposta até ao fim desta terça-feira. Também não foi possível ouvir o presidente da União de Freguesias de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada/Dafundo, Carlos Moreira.