Universidade de Lisboa investiga alegado plágio no doutoramento de autarca
Há blocos de texto inteiros da tese do presidente da Câmara de Torres Vedras, Carlos Bernardes, iguais aos de outros autores. Autarca apenas admite erros na forma como apresentou as citações.
A Universidade de Lisboa (UL) abriu uma investigação ao conteúdo da tese de doutoramento do actual presidente da Câmara de Torres Vedras, Carlos Bernardes, depois de ter sido feita uma denúncia de plágio envolvendo esse trabalho. No texto, defendido há dois anos, há conteúdo que é integralmente igual a artigos e livros de outros autores, mas o autarca admite apenas ter cometido erros na forma como apresentou as citações, defendendo a originalidade do documento.
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A Universidade de Lisboa (UL) abriu uma investigação ao conteúdo da tese de doutoramento do actual presidente da Câmara de Torres Vedras, Carlos Bernardes, depois de ter sido feita uma denúncia de plágio envolvendo esse trabalho. No texto, defendido há dois anos, há conteúdo que é integralmente igual a artigos e livros de outros autores, mas o autarca admite apenas ter cometido erros na forma como apresentou as citações, defendendo a originalidade do documento.
Carlos Bernardes defendeu a sua tese de doutoramento As linhas de Torres, um destino turístico estratégico para Portugal no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da UL no início de 2015. Nessa altura, era ainda o número dois da câmara, tendo chegado à presidência no final desse ano após o anterior líder da autarquia, Carlos Miguel, ter sido nomeado secretário de Estado das Autarquias Locais. O trabalho acabou por ser publicado em livro nessa altura.
A directora do instituto, Lucinda Fonseca, diz não ter recebido denúncias de plágio relativas à tese de Bernardes, mas decidiu pedir “aos responsáveis pela coordenação do curso de doutoramento em Turismo que analisassem a situação” assim que foram publicadas as primeiras acusações de plágio na imprensa. O caso está agora sob investigação interna, depois de ter sido dado a conhecer publicamente, na quinta-feira, num artigo de opinião publicado no jornal local Badaladas. O seu autor é o antigo vereador da Cultura da Câmara de Torres Vedras, Jorge Ralha, eleito pelo PS tal como o actual executivo.
Carlos Bernardes recusa as acusações e defende a originalidade do trabalho que resultou na sua tese de doutoramento. “O trabalho académico desenvolvido por mim resultou num conjunto de investigações sobre a temática em estudo e foi corrigido ao longo da sua realização”, afirma. O autarca admite, ainda assim, que possa haver erros de atribuição de fontes. “Não havendo gestores bibliográficos automatizados é natural que haja a falta de uma ou outra citação, atenta a extensão da obra”, sublinha, numa resposta enviada por escrito ao PÚBLICO.
Na tese encontram-se fontes como o livro de Vasco Gil Mantas A vida quotidiana nas linhas de Torres, no qual o autarca baseia boa parte da contextualização histórica sobre sistemas de defesa, e a obra Linhas de Torres Vedras, de Isabel de Luna, a que recorre para elencar informações sobre a construção das linhas de Torres Vedras, que são de facto citadas em vários momentos. Há, no entanto, passagens dessas mesmas obras que não são atribuídas.
Cópias exactas
Há, porém, outros casos de blocos de texto que, através da consulta das fontes originais que estão disponíveis online, se percebe serem cópias quase exactas e não atribuídas. O primeiro exemplo aparece logo no arranque da tese e tem como fonte uma comunicação apresentada por Luís Ferreira (investigador ligado ao Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo e ao Centro de Investigação Interdisciplinar e de Intervenção Comunitária) no Congresso da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional, em 2009.
A introdução do trabalho do autarca abre assim: “As mudanças no mercado turístico e a necessidade de novas estratégias que respondam aos desafios atuais e futuros reclamam políticas capazes de responderem aos problemas de reestruturação económica, social e ambiental nas zonas urbanas e rurais, bem como em alguns países/regiões que desejam, também agora, desenvolver o turismo com o objetivo de atrair investimento, promover o crescimento económico e gerar emprego”. O texto de Luís Ferreira começa da mesma maneira: "As mudanças no mercado turístico e a necessidade de novas estratégias que respondam aos desafios actuais e futuros reclamam políticas capazes de responderem aos problemas de reestruturação económica, social e ambiental nas zonas urbanas e rurais, bem como em alguns países/regiões que, desejam, também agora, desenvolver o turismo com o objectivo de atrair investimento, promover o crescimento económico e gerar emprego".
A comunicação de Luís Ferreira no congresso de 2009 não aparece citada em nenhum momento na tese de Carlos Bernardes, ainda que na bibliografia seja feita referência a uma outra comunicação do mesmo investigador, feita no ano seguinte, nas II Jornadas Internacionais de Turismo. Bernardes cita também um artigo de 2006 de Xerardo Pereriro Pérez (Património cultural: o casamento entre património e cultura), mas não faz qualquer referência ao número da revista de turismo e património cultural Pasos, publicada três anos volvidos e coordenada pelo mesmo investigador, à qual recorre em pelo menos quatro passagens da sua tese sem atribuir a origem da informação.
Utilização do software de detecção de plágio
Em Abril de 2015, a Universidade de Lisboa anunciou a aquisição do software de detecção de plágios Ephoros. Pela primeira vez, todas as suas faculdades passavam a ter um sistema que permitia detectar fraudes académicas nos trabalhos apresentados. No entanto, o sistema acabou por sofrer uma “suspensão temporária” durante esse ano, explica a directora do IGOT, Lucinda Fonseca. Em causa estava a “necessidade de autorização por parte do Ministério das Finanças para a aquisição de novas licenças”.
O problema foi apenas resolvido em Janeiro de 2016 e só a partir de então os professores voltaram a ter à sua disposição esta ferramenta. O PÚBLICO questionou a Universidade de Lisboa sobre o número de casos de plágio detectados desde que este sistema está em funcionamento, mas fonte da instituição diz que não existe “um apuramento global do número de situações detetadas” uma vez que o sistema é utilizado directamente pelos professores e pelas coordenações dos cursos.