Uma decisão jurídica que cria um imbróglio à comissão de inquérito
CGD e Banco de Portugal podem não ter o direito de recorrer da decisão que os obriga a quebrar o sigilo profissional. O acórdão da Relação pode ainda criar dificuldades para o funcionamento de futuros inquéritos parlamentares.
Há quem defenda que se tratou de uma decisão "histórica" para o Parlamento e há quem duvide da sua eficácia e tema os efeitos para futuro. O Tribunal da Relação decidiu a semana passada que a Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Banco de Portugal (BdP) e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) têm de entregar ao Parlamento os documentos pedidos pelos deputados, quebrando parte do sigilo profissional e bancário, mas o cumprimento da decisão ainda pode demorar algum tempo e a própria comissão enfrentar mais uma suspensão à espera dos documentos.
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Há quem defenda que se tratou de uma decisão "histórica" para o Parlamento e há quem duvide da sua eficácia e tema os efeitos para futuro. O Tribunal da Relação decidiu a semana passada que a Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Banco de Portugal (BdP) e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) têm de entregar ao Parlamento os documentos pedidos pelos deputados, quebrando parte do sigilo profissional e bancário, mas o cumprimento da decisão ainda pode demorar algum tempo e a própria comissão enfrentar mais uma suspensão à espera dos documentos.
A decisão do Tribunal da Relação não é pacífica entre os intervenientes. No Parlamento, PSD e CDS mostraram-se satisfeitos com a decisão, o PCP torceu o nariz e há socialistas que nos corredores questionam os efeitos. Mas para já nenhum partido decidiu tomar uma atitude e irão apenas discutir o assunto na terça-feira.
Contudo, a questão deixou de ser apenas política para passar a ser também jurídica. A CGD, o BdP e a CMVM ainda não tornaram pública se vão ou não recorrer da decisão, mas oficiosamente a CGD admitiu fazê-lo ao Negócios. Só que esta é uma decisão que pode não ser passível de recurso.
Os especialistas dividem-se. Se há quem diga que "em princípio, há lugar a recurso", ninguém consegue dar essa certeza até porque as únicas decisões conhecidas sobre casos semelhantes de quebra de sigilo profissional são em sentido contrário. "No único recurso similar que foi analisado, o Supremo decidiu que não era admissível recurso da decisão", diz ao PÚBLICO o presidente da comissão de inquérito, Matos Correia, que não deixa de salientar que com a decisão da Relação a comissão de inquérito "está melhor do que estava. Foi um momento importante para o Parlamento".
Em termos jurídicos esta não é uma decisão fechada e o processo pode arrastar-se por meses. Por agora, as partes envolvidas têm cerca de dez dias para decidir o que fazer, antes que a decisão transite em julgado. Se uma das entidades recorrer, a Relação pode decidir por manter a primeira decisão ou por enviar o recurso para avaliação pelo Supremo. E é aqui que a jurisprudência passada pode pesar.
"O direito de recurso não é sempre admissível. No caso concreto, a decisão da Relação não resolve um litígio, não está a afectar direitos de uma pessoa, mas sim uma decisão para que melhor se apure a verdade", explica ao PÚBLICO Remédio Marques, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O especialista lembra que houve duas decisões do Supremo sobre casos semelhantes, uma de 2014 sobre uma quebra de um sigilo de um jornalista no caso Camarate e outra de 2007. E nos dois casos o tribunal superior decidiu que não havia direito a recurso.
Contudo, mesmo que os tribunais considerem que não é admissível um recurso, enquanto decidem sobre a admissibilidade, o processo pode ficar suspenso, atrasando a entrega dos documentos e dificultando de novo o trabalho de uma comissão de inquérito que tem vivido aos soluços. Enquanto esperavam pelos documentos no ano passado, houve partidos a defender a suspensão da comissão (até porque o inquérito tem um prazo para se realizar apesar de já ter sido prolongado por mais dois meses). O mesmo pode voltar a acontecer, apurou o PÚBLICO.
O imbróglio jurídico - mais um desta comissão de inquérito - vai dar discussão sobre um caso concreto. Na terça-feira, os deputados vão avaliar a recusa de António Domingues entregar os emails trocados com o ministro das Finanças, Mário Centeno, à luz desta decisão. A revista Sábado noticiou esta semana que numa carta, o ex-presidente da CGD recusava entregar os documentos, socorrendo-se de uma interpretação jurídica de que esta questão ficava fora do âmbito da comissão de inquérito. Contudo, a decisão da Relação pode agora dar-lhe outro argumento uma vez que o tribunal decidiu que a "correspondência" trocada entre as várias entidades deve manter-se ao abrigo do sigilo profissional.