Gleba: uma padaria à antiga — e com muito gosto
A Gleba é uma nova padaria-moagem lisboeta onde um jovem padeiro de 21 anos usa cereais como o trigo barbela ou o centeio verde para fazer pães diferentes e saborosos
Foi enquanto trabalhava no The Fat Duck, o restaurante do britânico Heston Blumenthal, que Diogo Amorim, 21 anos, começou a pensar na ideia de fazer pão de forma artesanal. Trouxe, aliás, do The Fat Duck a massa mãe que hoje usa na Gleba, a padaria-moagem que abriu há pouco mais de um mês, em Alcântara, Lisboa.
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Foi enquanto trabalhava no The Fat Duck, o restaurante do britânico Heston Blumenthal, que Diogo Amorim, 21 anos, começou a pensar na ideia de fazer pão de forma artesanal. Trouxe, aliás, do The Fat Duck a massa mãe que hoje usa na Gleba, a padaria-moagem que abriu há pouco mais de um mês, em Alcântara, Lisboa.
Mas não queria apenas ser padeiro, a sua ideia é mais ambiciosa do que isso. O que Diogo pretende é recuperar cereais que já quase não se usam e ver que pães diferentes se podem fazer com eles. Não é uma tarefa fácil porque os poucos produtores que ainda têm esses cereais produzem-nos em quantidades muito pequenas.
“De todo o trabalho que tive para montar a padaria, desde encontrar o espaço, constituir a empresa, montar o forno, o mais difícil foi encontrar esses fornecedores”, conta. “A única forma é ir às aldeias e perguntar às pessoas na rua ‘conhece alguém que ainda cultive trigo? Não é o híbrido, é o de antigamente. A maior parte das pessoas responde que ‘já ninguém quer isso’”.
Mesmo assim, Diogo – que trabalhou também no Vila Joya e fez o mestrado de Ciências Gastronómicas, em Lisboa – identificou alguns produtores e é deles que recebe os cereais que usa para os seus pães, do trigo barbela ao centeio verde que vem de Nogueira, uma aldeia perto de Bragança, passando pelo milho branco vindo do Minho, para as broas. “Não posso depender de um só produtor, mas isso acaba por ser interessante. Hoje, por exemplo, estou a testar duas variedades que vieram de uma aldeia perto de Torres Vedras. É um tiro no escuro.”
E se tem este cuidado com os cereais, não faria sentido se não fizesse o mesmo com os outros produtos que utiliza. “Temos em Portugal clima para produzir excelentes avelãs e no entanto praticamente não as cultivamos. Consegui encontrar um pequeno agricultor de Mangualde que me arranjou trinta quilos para o ano inteiro.”
Um produto "sensorial"
No pão com amêndoas e figos, as primeiras vêm de Alfândega da Fé e os segundos de Macedo de Cavaleiros, onde são “secos ao sol pelo próprio agricultor”. No dia em que visitamos a Gleba está a fazer uma experiência: um pão com queijo de cabra transmontano com um ano de cura.
Concluiu também que para usar cereais tão alternativos aos da indústria, o melhor seria ser ele próprio a transformá-los em farinha. Por isso, a Gleba é também moagem. Liga a máquina para mostrar como funcionam as mós de pedra. “Essa também foi uma parte difícil, encontrar um moinho de pedra com um motor eléctrico. Acabou por ser feito por um serralheiro de Leiria que toda a vida montou moagens.”
Mostra como se fazem ajustes no moinho conforme o cereal que está a entrar e como sai a primeira farinha e, depois, a final, que de seguida é peneirada. Tudo acontece aqui, no pequeno espaço na Rua Prior do Crato – desde a chegada do cereal ainda em grão até à saída dos pães, que são amassados por ele e deixados a levedar em pequenos cestos forrados com panos de linho. A fermentação dura entre 20 e 24 horas e não usa nenhum fermento comercial.
O que tem vindo a descobrir é que “há uma grande diversidade que podemos explorar se nos afastarmos da visão moderna do que é o trigo ou o milho”. Actualmente, estes cereais são commodities, cujo preço é ditado pelo mercado a nível mundial de acordo com parâmetros muito redutores.
Quando se presta verdadeiramente atenção a outras qualidades, explica Diogo, percebe-se por exemplo que o trigo chamado Almansor “tem um sabor excepcional, com notas de azeite”. No entanto, é quase só por teimosia que alguns produtores continuam a fazer estas variedades. “Um dos meus fornecedores é um agricultor de perto de Torres Vedras que, por um certo orgulho, mantém as variedades de antigamente e subsiste vendendo localmente em pequenas quantidades.”
“A indústria diz que a farinha não tem sabor. O facto é que eles valorizam outros critérios como a quantidade de água que absorve ou se é muito extensível”, afirma Diogo. “Aqui o que quero fazer é um produto com mais sabor, extremamente sensorial.”