Em 2016 houve mais de 700 queixas contra polícias
Maioria dos casos é relativa a agressões. Inspecção-Geral da Administração Interna diz que situação é “preocupante” e que está em causa a “violação grave dos direitos dos cidadãos sob custódia policial”.
Em 2016, foram mais de 700 as queixas enviadas por cidadãos contra polícias, de acordo com dados provisórios disponibilizados ao PÚBLICO pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), a entidade que recepciona as queixas e que tutela disciplinarmente a PSP, a GNR e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A violência física surge no topo das queixas. Mais de um terço destas participações (250) estão relacionadas com situações de ofensas à integridade física.
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Em 2016, foram mais de 700 as queixas enviadas por cidadãos contra polícias, de acordo com dados provisórios disponibilizados ao PÚBLICO pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), a entidade que recepciona as queixas e que tutela disciplinarmente a PSP, a GNR e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A violência física surge no topo das queixas. Mais de um terço destas participações (250) estão relacionadas com situações de ofensas à integridade física.
Nos últimos cinco anos, as denúncias contra policias têm-se mantido sempre acima das 700 por ano. Em 2012, chegavam às 817 tendo aumentado em 2013 para 830. Diminuiram para as 711 em 2014 e voltaram a aumentar para 717 em 2015 e 730 no ano passado. No leque das denúncias, contam-se ainda casos de abuso de autoridade, ferimentos ou ameaça com arma de fogo, ilegalidades e recebimento de comissões, entre outros. Estes dados não se referem à Polícia Judiciária nem à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que são tuteladas por outros ministérios.
Já no relatório de 2015 da IGAI, a inspectora-geral, a juíza Margarida Blasco, classificava de “preocupante” o valor registado por ofensas à integridade física “no universo global das participações”. Os casos analisados pela IGAI envolvem “a violação grave dos direitos dos cidadãos sob custódia policial” e podem resultar na abertura de inquéritos ou de processos disciplinares individuais, confirma Margarida Blasco que está à frente da IGAI desde 2012. Em paralelo, podem correr processos-crime nos tribunais.
Louvor a agente acusado
O caso do subcomissário da PSP que agrediu um adepto do Benfica em Abril de 2015 à porta do Estádio de Guimarães “correu todas as fases” de um processo na IGAI, dispensando o processo de averiguações, explica a responsável, que não pode fazer comentários ou dar informações sobre casos concretos.
O episódio foi filmado e as imagens circularam nos sites da comunicação social e nas redes sociais. No fim do inquérito, durante o qual foi aplicada uma suspensão preventiva, a IGAI recomendou que ao oficial, que lidera a esquadra de investigação criminal da PSP de Guimarães, fosse aplicado um processo disciplinar também na forma de uma suspensão de 200 dias.
Depois da suspensão preventiva, o agente retomou funções como subcomissário da PSP de Guimarães. E depois recebeu até um "louvor em nome dos bons serviços prestados no policiamento de recintos desportivos", noticiou recentemente o Correio da Manhã e confirmou o PÚBLICO.
Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Administração Interna, que tutela a PSP, a GNR e o SEF, polícias às quais se referem estes dados, respondeu que "não faz qualquer comentário sobre a matéria". Apenas esclarece que a pena prevista no âmbito do processo disciplinar pela IGAI está pendente de decisão do tribunal administrativo, onde o agente interpôs uma acção. Ou seja: o caso data de 2015 e a pena proposta no âmbito do processo disciplinar ainda não foi aplicada.
Em paralelo, o agente aguarda a decisão do tribunal judicial depois de ter sido acusado pelo Ministério Público em Maio de 2016 de ofensas à integridade física, falsificação de documentos, denegação de justiça e prevaricação.
"O peso do corporativismo"
A PSP, que conta com cerca de 21 mil agentes e está principalmente presente nos espaços urbanos, surge no topo da lista das denúncias (56%) que chegaram nos últimos cinco anos à IGAI. Já a GNR, que tem cerca de 22 mil militares ao seu serviço nas restantes zonas do país, surge em segundo lugar (34%). As restantes queixas referem-se a outras entidades do MAI. Na lista constam situações de abuso da autoridade, ilegalidades, irregularidades ou comissões, ofensas corporais, queixas de natureza interna ou profissional, práticas discriminatórias ou ameaça e ferimento com armas de fogo, e outros, que envolvem igualmente casos, mas apenas pontuais, no SEF. Os dados incluem ainda casos residuais referentes a empresas de segurança privada.
O número de processos disciplinares é sempre muito inferior ao total das queixas. Em 2015, por exemplo, segundo o relatório anual de actividades da IGAI, houve 21 processos disciplinares e mais de 700 casos inspeccionados. “O peso da instituição é muito grande e o corporativismo permite ocultar casos. Mesmo as situações de queixas dirigidas à IGAI não são propriamente resolvidas”, considera o sociólogo Ricardo Loureiro, activista dos direitos humanos ligado à Associação contra a Exclusão pelo Desenvolvimento.
Nos processos judiciais, a primeira dificuldade surge, desde logo, na primeira instância, acrescenta o investigador. “O depoimento da polícia tem mais força. A sua versão é criada colectivamente e prevalece sobre a versão do queixoso, mesmo que este apresente exames médicos ou testemunhos” que comprovem a denúncia. A esta dificuldade, acresce outra: a de falta de informação."Não há dados quantificados."
O PÚBLICO pediu informação sobre o número de processos por violência policial que resultaram numa condenação. Em resposta, o Ministério da Justiça fez saber que no âmbito das estatísticas da Justiça, não é recolhida "informação com detalhe que permita responder ao que especificamente foi solicitado”.
Notícia corrigida este sábado. O artigo referia que as queixas que se mantiveram sempre acima das 700 nos últimos anos correspondiam a casos de violência física. Mas esse total de queixas inclui também outro tipo de casos como o artigo refere.