Trump anunciou uma revolução. Sem aspas
Um governo de CEO de multinacionais e de financeiros vindos directamente de Wall Street vai decretar o proteccionismo ao serviço da economia mais aberta e mais competitiva do mundo?
1. Durante toda a manhã de sexta-feira, as imagens transmitidas pelas televisões americanas contribuíram para que até os cépticos dos cépticos duvidassem, mesmo que por um segundo, do que era de esperar do Presidente Donald Trump. Os rituais cumpriram-se. Trump foi a Arlington. Seguiu para a Casa Branca para tomar chá com o Presidente Obama. Na véspera, tinha visitado o monumento onde a sobre-humana estátua de Lincoln preside à capital da nação mais poderosa do mundo. Tudo decorreu com o tradicional simbolismo com que a América reinicia a sua História de cada vez que um Presidente entrega o poder a outro. A grande História da democracia americana que, de uma forma ou de outra, o mundo admira e inveja. Sucederam-se os debates nas televisões. Sabia-se que haveria uma ruptura, com a eleição de um multimilionário cujas ideias simples, da dimensão de um tweet, já continham todos os tons do populismo. Sem um programa, contra a vontade das várias facções, fanáticas ou moderadas, que hoje coabitam no Partido Republicano, contra uma elite disposta a jurar que ele não chegaria à Casa Branca. Prometera drenar o “pântano” de Washington. Anunciara uma ruptura total da relação entre a América e o mundo, pelo menos daquela que prevaleceu desde a II Guerra. O seu lema resumia-se a uma ideia simples: “America First”. A figura e as palavras foram dissecadas até ao âmago pela imprensa americana e internacional. A transição já foi um ensaio geral da presidência, antecipando gestos e palavras que lançaram ondas de inquietação de Pequim a Bruxelas. A sua relação com Putin foi analisada quotidianamente. Havia alguma coisa de estranho nela, que os serviços secretos não conseguiram descobrir. Ninguém se lembrou do óbvio: dois “autocratas” (homens-fortes, se preferirem), que se entendiam sobre a melhor forma de governar. Do lado de Moscovo, sem olhar a meios. Do lado de Washington, com as limitações impostas pela Constituição. Nem a evidência da intromissão dos piratas informáticos russos nos sites democratas abalaram a sua fé no novo “czar” de todas as Rússias, incluindo a Crimeia.
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1. Durante toda a manhã de sexta-feira, as imagens transmitidas pelas televisões americanas contribuíram para que até os cépticos dos cépticos duvidassem, mesmo que por um segundo, do que era de esperar do Presidente Donald Trump. Os rituais cumpriram-se. Trump foi a Arlington. Seguiu para a Casa Branca para tomar chá com o Presidente Obama. Na véspera, tinha visitado o monumento onde a sobre-humana estátua de Lincoln preside à capital da nação mais poderosa do mundo. Tudo decorreu com o tradicional simbolismo com que a América reinicia a sua História de cada vez que um Presidente entrega o poder a outro. A grande História da democracia americana que, de uma forma ou de outra, o mundo admira e inveja. Sucederam-se os debates nas televisões. Sabia-se que haveria uma ruptura, com a eleição de um multimilionário cujas ideias simples, da dimensão de um tweet, já continham todos os tons do populismo. Sem um programa, contra a vontade das várias facções, fanáticas ou moderadas, que hoje coabitam no Partido Republicano, contra uma elite disposta a jurar que ele não chegaria à Casa Branca. Prometera drenar o “pântano” de Washington. Anunciara uma ruptura total da relação entre a América e o mundo, pelo menos daquela que prevaleceu desde a II Guerra. O seu lema resumia-se a uma ideia simples: “America First”. A figura e as palavras foram dissecadas até ao âmago pela imprensa americana e internacional. A transição já foi um ensaio geral da presidência, antecipando gestos e palavras que lançaram ondas de inquietação de Pequim a Bruxelas. A sua relação com Putin foi analisada quotidianamente. Havia alguma coisa de estranho nela, que os serviços secretos não conseguiram descobrir. Ninguém se lembrou do óbvio: dois “autocratas” (homens-fortes, se preferirem), que se entendiam sobre a melhor forma de governar. Do lado de Moscovo, sem olhar a meios. Do lado de Washington, com as limitações impostas pela Constituição. Nem a evidência da intromissão dos piratas informáticos russos nos sites democratas abalaram a sua fé no novo “czar” de todas as Rússias, incluindo a Crimeia.
2. Mas esta sexta-feira era um dia, apesar de tudo, especial. Trump tinha 15 minutos para desviar a sua presidência da rota de colisão com Washington e com o mundo, aproveitando o intervalo entre as divisões nacionais a que a América se rende no dia em que um Presidente entrega o poder a outro, numa cerimónia que é uma ode à democracia americana. A nação “excepcional”, nascida da liberdade dos homens, cuja missão terrena é inspirar o mundo. Outro factor contribuiu para suspender o tempo. As audições dos membros do seu governo revelavam alguma “liberdade de pensamento”, sobretudo no capítulo das relações externas e da segurança. Cortar com os aliados? Talvez, mas não tanto. Abraçar a Rússia? Com cuidado. Apontar à China? Sim, mas. Durante toda a manhã, enquanto por toda a cidade se celebrava a festa da Democracia, a favor ou contra, a ilusão teimou em persistir.
3. Trump não desmereceu. De si próprio, naturalmente. Ofereceu aos americanos e ao mundo todas e cada uma das promessas que fez na campanha. Pior ainda: conseguiu apresentá-las em concentrado, dando-lhes uma dimensão ainda mais radical. Abriu as hostilidades na primeira frase, condenando quase todos aqueles que ocupavam a plataforma onde decorreu a posse, sobre a escadaria do Capitólio. Hoje, dia 20 de Janeiro de 2017, o poder ser-lhes-á retirado e devolvido ao povo. Populismo puro. Digno de figurar num compêndio de ciência política. Aqui, estão os que governam para si próprios. Ali, os que eles abandonaram à sua sorte. Sem entrelinhas nem meias palavras. Cada frase um título de primeira página, dificultando a escolha.
4. Para o mundo, as suas palavras foram mais perigosas. Populismo em versão nacionalista. Fez cair o pano sobre a nação “excepcional”. Fechou as portas da superpotência que garante a ordem internacional há 70 anos. Se praticar exactamente o que disse, arriscamo-nos a uma convulsão mundial. E o que disse foi que o dinheiro dos americanos não servirá nunca mais para financiar os empregos dos outros, a defesa dos outros, as fronteiras dos outros, os problemas dos outros. “A riqueza da nossa classe média foi arrancada das suas casas e redistribuída pelo mundo inteiro”. As alianças terão um único objectivo: “unir o mundo civilizado contra o terrorismo islâmico.” Em matéria de política externa foi tudo. Em frases de 140 caracteres com a virtude de uma clareza mortal. O mundo viu aquilo que nunca pensara que alguma vez veria acontecer na América. Ficou uma perplexidade, entre muitas. Um governo de CEO de multinacionais e de financeiros vindos directamente de Wall Street vai decretar o proteccionismo ao serviço da economia mais aberta e mais competitiva do mundo? Trump prometeu uma revolução. Sem aspas.