O maior icebergue de sempre

Tem havido uma aceleração das mudanças do clima? E é isso que nos diz um icebergue que se está a formar do tamanho do Algarve?

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A fissura na plataforma de gelo Larsen C, na Península Antárctica Kathryn Hansen/NASA

A Península Antárctica é dos locais que tem estado a aquecer mais depressa no planeta: desde 1950, a temperatura média anual do ar subiu cerca de três graus Celsius. Será que, nos últimos tempos, temos estado a assistir a uma aceleração das alterações climáticas na Antárctida? É que ainda há semanas, por exemplo, chegou a notícia de que está a avançar velozmente uma fissura num grande bloco de gelo, na plataforma Larsen C.

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A Península Antárctica é dos locais que tem estado a aquecer mais depressa no planeta: desde 1950, a temperatura média anual do ar subiu cerca de três graus Celsius. Será que, nos últimos tempos, temos estado a assistir a uma aceleração das alterações climáticas na Antárctida? É que ainda há semanas, por exemplo, chegou a notícia de que está a avançar velozmente uma fissura num grande bloco de gelo, na plataforma Larsen C.

Quanto ao aquecimento, Gonçalo Vieira, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa e o coordenador do Programa Polar Português, responde que depende dos sítios. E acrescenta que na área de trabalho dos cientistas portugueses – a parte ocidental da Península Antárctica –, a tendência dos últimos anos tem sido, surpreendentemente, de arrefecimento. Os dados do permafrost também mostram isso, em particular nas ilhas Shetland do Sul.

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Ou seja, no solo nas regiões polares, nos primeiros metros, há uma camada que se funde no Verão e volta a ficar congelada no Inverno (a chamada “camada activa”) e abaixo da qual está o permafrost. Genericamente, tem-se registado um aquecimento do permafrost, sobretudo no Verão. Mas trabalhos científicos publicados em 2016 têm mostrado que, desde 1999, a tendência tem sido para arrefecer, registada tanto na atmosfera como no solo.

“Os nossos resultados indicam que o arrefecimento iniciado em 1998/1999 tem sido mais significativo no Norte e no Nordeste da Península Antárctica e nas ilhas Shetland do Sul, moderado nas ilhas Órcadas do Sul e ausente no Sudoeste da Península Antárctica”, lê-se num artigo de Marc Oliva (do IGOT), e colegas, na revista Science of the Total Environment, baseado em dados de estações meteorológicas. “Investigações futuras revelarão se a tendência recente de arrefecimento observada em partes significativas da Península Antárctica faz parte da variabilidade climática natural na região ou se mostra um ponto de viragem na tendência de aquecimento a longo prazo observada na segunda metade do século XX.”

Por exemplo, no arquipélago de Palmer, um pouco mais a sul das Shetland do Sul, “o aquecimento têm-se mantido”, refere Gonçalo Vieira, um dos autores de um outro artigo, na revista Catena, sobre o permafrost na ilha Decepção (uma das ilha do arquipélago das Shetland do Sul) e que também mostra que aí há um arrefecimento. Isso é visível na camada activa do solo.

“Começa a ficar claro que há um sinal de arrefecimento nos últimos 15 anos, mas a dinâmica da área é difícil de explicar”, nota Gonçalo Vieira. Será então que a variabilidade natural do clima (entre mais quente e mais frio) está a sobrepor-se ao sinal de aquecimento global do planeta de origem humana?

Já do lado oriental da Península Antárctica, o problema é que não há arrefecimento. “Noutras áreas da Antárctida, há uma aceleração do fluxo glaciário para o oceano e conhece-se mal o efeito que o mar mais quente tem na aceleração dos glaciares. Isso é bastante preocupante.” É precisamente deste lado da península que está a partir-se um gigantesco bloco de gelo na plataforma Larsen C – e a formar-se assim o maior icebergue de que há registo, segundo o British Antarctic Survey, com mais 5000 quilómetros quadrados, o tamanho do Algarve.

Nesta plataforma de gelo flutuante no oceano, vinha a desenvolver-se lentamente, nos últimos anos, uma fissura. Em Dezembro, a fissura expandiu-se abruptamente e tem continuado a crescer, faltando só cerca de 20 quilómetros para o bloco se partir. Esta sexta-feira, a BBC noticiou que as imagens de satélite mostram que a fissura tem agora 175 quilómetros de comprimento. “Não é claro se a quebra do bloco de gelo tem a ver com a dinâmica da plataforma de gelo ou com o aquecimento global”, explica Gonçalo Vieira.

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A fissura na plataforma de gelo Larsen C vista de perto, em Novembro de 2016 John Sonntag/NASA

Ao dizer isto, o investigador esclarece o que são estas grandes superfícies de gelo, muito planas, na zona final dos glaciares: “Os glaciares que estão em terra vão fluindo e entram mar adentro e começam a flutuar. Têm 200, 300 ou 400 metros [de espessura] e não estão ancoradas a nada. Naturalmente, vai chegar uma altura em que se vão partir.”

A questão é se os glaciares no interior da Antárctida estão a deslizar mais depressa em direcção ao mar, e se a plataforma Larsen C se vai partir por causas naturais ou porque o planeta está a ficar mais quente. E de que está mais quente não há dúvidas: 2016 foi mesmo o ano mais quente desde que há registos meteorológicos sistematizados, iniciados na década de 1880. “De forma extraordinária, este foi o terceiro ano consecutivo em que se bateu o recorde da temperatura global anual”, lê-se no relatório sobre o clima global em 2016, divulgado esta quarta-feira pela agência norte-americana dos oceanos e da atmosfera (NOAA). “Em 2016, a temperatura global média à superfície, em terra e no oceano, foi 0,9 graus Celsius acima da média de 13,9 graus do século XX, ultrapassando o anterior recorde de 2015 em 0,04 graus”, acrescenta-se. “É a quinta vez no século XXI que se atinge um novo recorde da temperatura anual (juntamente com 2005, 2010, 2014 e 2015).”

A comunidade científica, de forma esmagadora, relaciona o aquecimento global do planeta com o dióxido de carbono (CO2) que estamos a atirar para a atmosfera desde a revolução industrial. Em 2015, ultrapassou-se pela primeira vez, desde 1800, o início da revolução industrial, a marca das 400 partes por milhão (ppm) de C02 (o que significa que há 400 moléculas deste gás por cada milhão de moléculas na atmosfera). Até 1800, o CO2 na atmosfera estava nas 280 ppm.

Sobre as causas do que está a acontecer na plataforma Larsen C, ou noutras plataformas que já se quebraram, como a Larsen B em 2002, ainda é cedo para ter certezas, considera Gonçalo Vieira. “É difícil perceber o que é natural e o que é forçamento antrópico [de origem humana]. As plataformas de gelo colapsam naturalmente por questões dinâmicas, mas é verdade que parece estar a haver uma série de eventos, como é o caso de Larsen C”, diz. “É possível que sejam razões naturais, mas incrementadas pelo facto de haver temperaturas mais elevadas.”