As dores de crescimento de Little Simz
Há empoderamento, honestidade e inquietação no segundo álbum da rapper londrina, mas com atmosfera a mais e tensão a menos.
Little Simz não tem passado despercebida. O primeiro longa-duração, A Curious Tale of Trials + Persons, de 2015, apresentava uma rapper de 20 anos com flow seguro e desafiante, letras com substância, versos bem driblados. Hip-hop com pulso, sacudido a grime, soul e R&B. Jay Z pôs os olhos nela, Kendrick Lamar considerou-a um dos nomes mais entusiasmantes do momento, Lauryn Hill recrutou-a para uma tour.
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Little Simz não tem passado despercebida. O primeiro longa-duração, A Curious Tale of Trials + Persons, de 2015, apresentava uma rapper de 20 anos com flow seguro e desafiante, letras com substância, versos bem driblados. Hip-hop com pulso, sacudido a grime, soul e R&B. Jay Z pôs os olhos nela, Kendrick Lamar considerou-a um dos nomes mais entusiasmantes do momento, Lauryn Hill recrutou-a para uma tour.
Mas o trabalho desta rapper londrina vale por si – e antes de subir à tona já tinha uma série de mixtapes e EPs online, uma comitiva de fãs considerável, um percurso com ponto de partida na adolescência, quando trabalhava aos sábados para conseguir comprar material de gravação. Resguardar a autonomia é um assunto sério para Little Simz: apesar do interesse de editoras grandes, Simz preferiu lançar o primeiro álbum na sua própria editora, a AGE 101, repetindo o gesto com o seu último trabalho, editado na recta final de 2016.
Stillness In Wonderland é um disco conceptual inspirado em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Pelo menos nas palavras da autora. A proposta parece cumprir-se apenas superficialmente, com umas quantas referências à história mas sem uma relação coesa com a mesma. Apesar disso, as canções funcionam no seu conjunto. Acompanhada por alguns MCs, Little Simz balança entre a confiança e a inquietação, a introspecção e o compromisso político. LMPD é uma das inúmeras boas canções, lançadas nos últimos dois anos no terreno do hip-hop e do R&B (de Kendrick Lamar a Solange, de Le1f a Princess Nokia, entre muitos outros), que celebram a negritude, que evocam os activistas pelos direitos civis (por aqui lembra-se Maya Angelou ou Rosa Parks), que denunciam o racismo institucionalizado e a violência policial (“The people that are meant to be protecting us are killing us”). Outra das paragens obrigatórias é King of Hearts, hedonismo sombrio selado a grime, com Simz, certeira e cortante, a bater o pé ao patriarcado (“They say ‘how this girl be running shit? Nah it can’t be’/ Nobody here can control or demand me”).
Insinuam-se revoadas de guitarras, sopros de saxofone, toadas de sintetizadores, beats aquosos. Quando resultam, saem canções como Picture Perfect, rebuçado de hip-hop de recorte jazzístico esquizóide e pelvicamente sinuoso, ou a suculenta Shotgun, coadjuvada pela mui recomendável Syd (The Internet), sublinhando a agilidade vocal de Simz. Quando não resultam, a música é pálida e previsível, confortável (One In Rotation, Zone 3 ou Poison Ivy). Ao contrário do primeiro álbum de Little Simz, Stillness In Wonderland peca por ter atmosfera a mais e tensão a menos. Apesar das fraquezas, vale a pena passar por aqui. Há honestidade, dores de crescimento, empoderamento. Acompanhemos os próximos capítulos. Não deverá passar despercebida.