Os criadores de moda devem vestir Melania e Ivanka na tomada de posse?
A resposta é mais complexa do que parece. Uma série de designers, entre eles Mark Jacobs e Tom Ford, não querem associar o seu nome ao de Trump.
A indústria da moda americana começa um novo ano enfrentando um dilema que nunca pensou ter que viver: que designers irão ser escolhidos para vestir a nova primeira-dama?
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A indústria da moda americana começa um novo ano enfrentando um dilema que nunca pensou ter que viver: que designers irão ser escolhidos para vestir a nova primeira-dama?
No passado, independentemente do partido político que controlava a Casa Branca, o tema nunca constituiu um problema para a Sétima Avenida, sobretudo quando o tema era o guarda-roupa da primeira-dama no dia da tomada de posse. Por tradição, essa roupa enriquece o espólio do Museu Nacional de História Americana, e o designer entra imediatamente nos livros de História. É uma honra.
Mas neste ciclo eleitoral, nada é como sempre tem sido. O Presidente eleito Donald Trump fez uma campanha em que apresentou imigrantes, minorias, mulheres e muçulmanos como "o outro", inspirando novas ondas de racismo e violência. A questão de uma associação com ele tornou-se uma questão moral. Cantar na sua tomada de posse, marchar na sua parada, assistir ao seu juramento são todas decisões que têm causado reflexão pública e pessoal para figuras públicas.
Assim, vestir a primeira-dama tornou-se rapidamente num dilema ético para os designers. Iria fazê-los dar um sinal de aprovação tácita à política de terra queimada do seu marido? Mas pode ser que os designers estejam focados na pessoa errada. Melania Trump planeia ficar em Nova Iorque durante algum tempo para acompanhar o filho na escola, e parece cada vez mais que a filha do Presidente eleito, Ivanka Trump, que se vai mudar para Washington, poderá vir a assumir muitas das funções cerimoniais que são tipicamente da primeira-dama, mesmo envolvendo-se em questões políticas (Ivanka tem a sua própria marca de moda, mas o foco é em roupa para o quotidiano, não vestidos de noite). Assim, poder-se-á argumentar que o vestido que Ivanka vai usar na tomada de posse mereça um lugar no Smithsonian — em vez do de Melania.
Mas o ponto central da questão mantém-se: deveriam os designers vesti-las, a estas extensões da nova Administração? Há várias considerações: como é que os designers vêem o seu trabalho? Qual é o papel do designer de moda na cultura alargada? Qual é a definição de patriotismo, e qual o melhor modo de o exprimir? E há algo errado com uma primeira-dama comprar simplesmente roupa nas lojas?
Uma questão de valores
Numa carta aberta em Novembro, Sophie Theallet foi a primeira designer a fazer uma declaração formal de recusa em trabalhar com a primeira-dama. "A retórica de racismo, sexismo e xenofobia desencadeada pela sua campanha é incompatível com os valores que partilhamos e pelos quais regemos a nossa vida", escreveu. "Encorajo os meus colegas designers a fazerem o mesmo. A integridade é a nossa única moeda."
Marc Jacobs, Derek Lam e outros designers concordaram com Theallet. Mas outros, como Thom Browne, têm afirmado que o simbolismo da primeira-dama é mais importante do que a pessoa nesse papel; o patriotismo compele-os a cumprir a tarefa. Tommy Hilfiger foi mais longe e criticou alguns designers por serem "políticos" e disse à revista
Women’s Wear Daily: "Acho que Melania Trump é uma mulher muito bonita e penso que qualquer designer deveria sentir-se orgulhoso de a vestir."
Muitos designers não estão, no entanto, certos sobre o que devem fazer. O argumento de Theallet foi baseado nesta ideia: "Como uma marca de moda independente, consideramos que a nossa voz é uma expressão das nossas ideias artísticas e filosóficas. As nossas passagens de modelos, campanhas publicitárias e [a forma] como vestimos figuras públicas têm sido sempre uma celebração da diversidade e um reflexo do mundo em que vivemos."
Como outros criativos, Theallet vê a moda como um modo de expressar as suas ideias sobre beleza e de como as mulheres são vistas na sociedade. A moda é a sua ferramenta para comunicar a sua visão do mundo. Do mesmo modo que as palavras de um poeta ou as letras de um músico são uma reflexão pessoal da pessoa que os escreveu, o trabalho de um designer de moda pode ser igualmente íntimo. De muitas maneiras, é por isso que somos atraídos por esse trabalho. Sentimos uma ligação directa.
Por exemplo, Prabal Gurung criou colecções inspiradas pela sua infância no Nepal e pediu à indústria da moda que o apoiasse para ajudar as vítimas do terramoto de 2015 naquele país. Shayne Oliver, da Hood by Air, injecta as suas muitas vezes inescrutáveis colecções com as suas ideias sobre género, sexualidade, raça e exclusão.
Brandon Maxwell tem descrito o seu ponto de vista de moda como ancorado na sua experiência de crescer "muito gay numa cidade muito pequena" do Texas, encontrando consolação nas mulheres fortes que o rodeavam. Jacobs usa muitas referências da cultura pop no seu trabalho e tem usado o seu talento no design para apoiar Hillary Clinton. Kerby Jean-Raymond tornou a sua marca Pyer Moss numa ferramenta para o protesto social, comentando a violência policial e o movimento Black Lives Matter através da moda.
Para todos estes designers, as suas roupas são objectos, claro, mas também têm um ponto de vista artístico que é distintamente pessoal. Isso é uma das coisas que distingue as suas marcas. A moda não tem de ser partidária para ser política. Pode preocupar-se com questões públicas de um país, com o estado dos seus cidadãos — pode ser empenhada.
Mais do que simples vestidos
Os que criticam estes designers que têm falado da sua relutância em vestir a nova primeira-dama têm mantido que o seu trabalho é simplesmente fazer roupa — e que deviam manter para si próprios as suas opiniões pessoais e não julgar as pessoas que vestem as suas roupas.
Mas, ao longo dos tempos, a sociedade tem pedido muito mais da indústria da moda. Espera que a Sétima Avenida tenha noção do seu impacto em jovens mulheres predispostas a distúrbios alimentares. Insurgiu-se contra a falta de diversidade da indústria. Pressionou a indústria para se preocupar com as práticas laborais de quem subcontrata e para criar roupa que dê poder às mulheres em vez de as objectificar.
A sociedade espera que a moda seja filantrópica e acordada para o mundo em que existe. Por isso, não tomar posição em relação à nova Administração e às suas políticas — do modo mais directo possível — entra nessa categoria?
Os designers que estão no Garments District e noutros bairros de Nova Iorque não são, na maioria, costureiros pessoais, ou marcas de alta-costura que fazem vestidos únicos para indivíduos. Quando fazem algo para uma pessoa, normalmente uma figura pública, estão a sair do modelo de negócio da sua empresa.
Qualquer pessoa com dinheiro suficiente pode comprar roupa de designer nas lojas — e até algumas celebridades que passam nas passadeiras vermelhas o fazem. Hayden Panettiere comprou um vestido Tom Ford (que também disse que não vestirá Melania) para os Globos de Ouro 2014. Em 2016, Bryce Dallas Howard foi buscar o seu vestido Jenny Pachkam aos armazéns Neiman Marcus. Por isso, recusar vestir uma celebridade não é o mesmo que recusar um serviço. Ao fazê-lo, os designers estão a recusar um favor, com toda a publicidade que daí advém.
E o patriotismo? Devem os sentimentos pessoais e a satisfação pessoal serem postos de lado por respeito ao simbolismo da primeira-dama? Não necessariamente. Um protesto que vem de um desejo de tornar o país melhor, de o fazer viver em conformidade com os seus ideais, é seguramente uma forma de patriotismo.
A Sétima Avenida não é um monólito. Há designers que fariam com agrado, e sem quaisquer reservas, um guarda-roupa esplêndido para a próxima primeira-dama. Mas, francamente, não há nada de mal com a primeira-dama — ou filha — anunciar que o seu vestido para a tomada de posse foi comprado no Bergdorf Goodman, que é o sítio onde o vestido que Jacqueline Kennedy usou na tomada de posse foi desenhado e feito. Ou até no Macy’s, ou até talvez em alguma boutique independente que adorasse a atenção extra.
Não há nada que exija que o nome de um designer esteja sequer ligado ao vestido. Há apenas a expectativa de que o vestido represente, de algum modo, o país. Mas os designers para quem a moda serve como a sua voz no mundo não devem ser obrigados a dizer algo em que não acreditam.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post