A crise dos refugiados e a Europa: morrer de frio não é opção
Carta aberta a Juncker, Schultz, Tusk e Draghi
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Caros senhores:
Escrevo-vos de Coimbra, Portugal. Hoje, por aqui, estão o sol brilha. Mas não brilha para todos nesta Europa que vos compete dirigir. Lá longe, no outro extremo da Europa há quem morra de frio. Em Moria (na Grécia) e em outros campos de refugiados morre-se de frio. Morrer de frio numa terra de abundância é a antítese da minha Europa. Tremo ao pensar que a Europa é isto.
Não é a primeira vez que se morre na Europa que vos compete dirigir porque há algo que não funciona. Por aqui, no meu país, passámos os últimos invernos a viver sob uma austeridade europeia que nos roubou sonhos e esperança, que nos tirou rendimentos e nos afastou de familiares e amigos que tiveram que emigrar para longe. Mas, ao mesmo tempo, na Europa que vos compete dirigir, outros países lucravam com os empréstimos com que pagávamos os empréstimos, com que rolávamos a dívida soberana. Ao fim de 10 anos, sem gastarmos mais do que o que já devíamos, devemos mais porque pagamos os empréstimos. Pagamos a tempo e horas, à Europa que vos compete dirigir, mas, para que isso aconteça, estamos a hipotecar o futuro de todos nós. Sem investimento não há futuro e, por aqui, há muito tempo que não há investimento.
Nos últimos anos, assistimos a discursos que prometiam mudar o mundo e, logo a seguir, a bombas que tornavam o mundo um lugar mais sombrio. Alguns destes discursos (e muitas destas bombas) eram nossas, da Europa, que vos compete dirigir. Perguntamos todos se não há alternativa, se a guerra é mais um caminho sem alternativa como o foi a austeridade. Se nos disserem que sim não acreditamos. Porque há sempre alternativas, aqui, ali e na Europa que vos compete dirigir.
Nos últimos anos a Europa tem vindo a arrefecer. Apesar do aquecimento global indesmentível (ou talvez por causa dele), a Europa arrefece. A ideia de Europa, tal como eu e muitos da minha geração a imaginaram, é a de um continente de esperança, de confiança e de solidariedade. Na minha geração quisemos ser Europeus. Mas a Europa que vos compete dirigir é hoje um continente sem rumo, sem confiança e, sobretudo, sem solidariedade. Morre-se de frio meus senhores. Morre-se de frio numa tenda, num contentor, na rua. De frio. Morrem de frio os que precisam da Europa e, com eles, morre de frio a Europa.
Em mais de dois anos não fomos capazes de aprender a lição do que significa ser refugiado. Não percebemos que a escolha entre morrer na guerra ou na mão de terroristas, morrer afogado no mediterrâneo ou morrer de frio, morrer ou morrer, não é uma verdadeira escolha. A escolha é entre morrer lá (na guerra) ou viver aqui (na Europa de esperança e futuro que vos compete dirigir). É isso que significa (ter que) ser refugiado: quando no sítio onde queríamos viver há apenas sombras e frio, bombas e medo. Mas para se viver aqui, a Europa que vos compete dirigir tem que voltar a ser a Europa que a minha geração imaginou: de esperança, de solidariedade, de futuro. Tem que deixar de ser a Europa dos bancos e das crises financeiras e passar a ser a Europa das pessoas sem frio.
Caros senhores, a Europa que vos compete dirigir não pode continuar sem rumo. Urge pensar na primavera e na esperança renovada que ela nos trará. Os refugiados, todos e cada um deles, não podem morrer de frio. Não podem ter frio, nem fome, nem desesperança. A Europa que vos compete dirigir tem que criar alternativas (à guerra, ao frio, à fome) e tem que ser capaz de comunicar essas alternativas aos que se convenceram de que a alternativa é nacionalizar os medos e olhar o umbigo como se do centro do mundo se tratasse.
A Europa de cidadãos é a Europa que imaginámos. Não queremos uma Europa de finanças e financeiros, de bancos e banqueiros. Queremos uma Europa de cidadãos, de democracias plenas, de liberdades e de culturas. Queremos uma Europa de iluminismo e não uma de nacionalismos.
Escrevo-vos a oferecer a minha ajuda (e a da minha geração). Contem connosco para construir a Europa sem frio, mas só essa. A alternativa existe e somos nós. Os que acreditam na democracia, na solidariedade, na esperança, na primavera, enfim, no futuro. Não podemos deixar ao frio quem bateu à nossa porta, mas para isso talvez tenhamos de voltar a pensar na Europa como uma casa comum. Voltar ao início, aos fundadores da Europa.
A Europa que vos compete dirigir tem gente (muita gente) capaz de vos ajudar a pensar no que deve ser a Europa. Nas universidades, empresas, ONG, na sociedade civil, o que não falta são ideias, planos e alternativas. Caros senhores, morrer de frio não é uma opção. Não é uma opção para os refugiados que nos pediram ajuda quando fugiram de uma guerra, da miséria, do terrorismo. Mas morrer de frio também não é uma opção para a Europa que vos compete dirigir. Está nas vossas mãos o (nosso) futuro e, daqui de Coimbra, sem frio mas solidários, pedimos apenas que sejam capazes de o realizar. A História encarregar-se-á de vos julgar pela vossa coragem, pelo que fizerem ou deixarem de fazer.