Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos até ao último dia

Na derradeira conferência de imprensa na Casa Branca, o democrata justificou as decisões que solidificam a sua herança e condicionam o seu sucessor.

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Na véspera de ceder o poder a um homem que representa praticamente o oposto de tudo aquilo em que acredita e que já anunciou a sua intenção de reverter quase tudo o que feito pela actual Administração, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, explicou porque assinou um decreto de comutação da pena de 35 anos de prisão aplicada a Chelsea Manning, a sargento condenada pela entrega de cerca de 700 mil documentos diplomáticos e militares, grande parte dos quais classificados como “secretos” e “sensíveis”, ao WikiLeaks.

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Na véspera de ceder o poder a um homem que representa praticamente o oposto de tudo aquilo em que acredita e que já anunciou a sua intenção de reverter quase tudo o que feito pela actual Administração, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, explicou porque assinou um decreto de comutação da pena de 35 anos de prisão aplicada a Chelsea Manning, a sargento condenada pela entrega de cerca de 700 mil documentos diplomáticos e militares, grande parte dos quais classificados como “secretos” e “sensíveis”, ao WikiLeaks.

“Atendendo a todas as circunstâncias, era a decisão apropriada – e sinto-me muito confortável com ela”, esclareceu Obama, na sua primeira resposta daquela que foi a sua última conferência de imprensa como Presidente dos EUA. “Sinto que a justiça foi cumprida e que a mensagem foi transmitida, e não percebo como alguém pode ficar com uma impressão diferente”, prosseguiu Obama, referindo-se em simultâneo às críticas de leniência da oposição republicana e às dúvidas jurídicas levantadas pela sua decisão. “Não foi um perdão”, repetiu Obama, lembrando que nos últimos sete anos “Chelsea Manning cumpriu uma pena de prisão muito dura”, cuja extensão entendeu ser desproporcional à sentença cumprida por outros condenados pelo mesmo crime.

Não foi só a pena de Chelsea Manning que o Presidente achou por bem rever, “aproveitando” os seus poderes de indulto e clemência antes de deixar a Casa Branca. No mesmo dia, Obama também reduziu a pena de um “nacionalista de Porto Rico, Oscar Lopez Rivera, condenado a 55 anos de prisão; e, alegando que as punições eram excessivas para a gravidade dos crimes, perdoou um antigo jogador de basebol condenado por evasão fiscal, Willie McCovey, e o general James Cartwright, acusado por falsas declarações num processo por fuga de informação. Além disso, prepara-se para assinar, esta quinta-feira, a libertação de centenas de cidadãos presos por crimes não-violentos no âmbito de processos relacionados com o consumo de drogas.

Decisões como estas – revisões ou perdões de pena – são prerrogativas presidenciais e não oferecem possibilidade de revisão ou recurso. Tal como outras acções assumidas desde as eleições, que não exigiram intermediação ou negociação política, e que concorrem de forma decisiva para caracterizar e definir o legado de Barack Obama. Nesta última semana, o Presidente abdicou de cumprir um papel mais cerimonioso e trabalhou para fechar tantos dossiers quanto possível, numa gestão “preventiva” dos danos que o seu sucessor pode infligir nas suas políticas.

“A minha assunção é de que, como o Presidente eleito se opôs à maior parte das minhas políticas, e não partilha da minha visão nem da mesma agenda para o país, irá avançar num outro sentido. Tive com ele conversas que foram cordiais e substantivas, e ofereci-lhe os meus melhores conselhos e recomendações. Mas não sei se fui convincente, e não espero que ele siga o mesmo caminho”, confessou Obama no seu derradeiro contacto com os jornalistas da Casa Branca (onde também foi explícita a diferença para o seu sucessor no tratamento dos jornalistas e na reflexão dedicada a cada resposta).

Em sucessivas respostas a perguntas concretas – por exemplo sobre o processo de paz israelo-palestiniano, as sanções à Rússia, a normalização das relações com Cuba ou os progressos em termos de direitos LGBT ou raciais – Obama avançou explicações que podem ser lidas também como justificações para as suas últimas decisões presidenciais. “Quisemos enviar um sinal”; “tentamos chamar a atenção”; “era preciso dar um contexto”, foi dizendo sobre algumas resoluções de última hora, que podem ser divididas em dois grandes grupos: aquelas que pretendem reduzir a margem de manobra de Donald Trump, e as que procuram consolidar a sua imagem de Presidente progressista. “O Presidente eleito terá a sua política, e eu não quero fazer projecções. Mas lembro que o passado mostra que algumas acções unilaterais tipicamente criam reacções que podem ser perigosas”, sublinhou.

Há uma certa mensagem de correcção de injustiças ou de convicção na regeneração e que Obama pretende transmitir com a assinatura dos perdões de pena; como há uma intenção de fortalecer e estabilizar as relações com Cuba ao decretar o fim da política “pé seco, pé molhado” que definia o estatuto dos “balseros” cubanos que chegavam aos Estados Unidos. Essas são apenas algumas das medidas que podem ser entendidas como “liberais” na sua essência, somadas a outras acções executivas de última hora, por exemplo para proibir os governos estaduais de interferir com o direito ao aborto através do corte do financiamento de programas de planeamento familiar ou de defesa da escola pública, com a obrigatoriedade de ser mantida pública a avaliação dos resultados das escolas.

Algumas das decisões tomadas por Obama antes da despedida têm consequências que espera serem duradouras: a proibição de construção de plataformas petrolíferas offshore ou de exploração de gás natural em determinadas áreas do Atlântico e no Árctico, é uma delas. Outras aprofundam uma tendência de políticas que deixou incompletas, como é o caso da transferência de prisioneiros detidos no campo militar de Guantánamo.

E depois há as acções que explicitamente servem para condicionar Donald Trump. O envio de um destacamento de 4000 militares norte-americanos para a Polónia, na primeira grande movimentação de tropas da NATO em território europeu desde o fim da Guerra Fria, foi imediatamente interpretada como simbólica do comprometimento de Obama com a aliança atlântica, e uma machadada na convergência Trump/Putin.