Um Reino de contradições
A primeira-ministra anunciou a intenção formal de lançar o processo de saída da União Europeia e elencou os 12 pontos que pretende que sejam centrais na negociação. Mas ao mesmo tempo recusou explicar a estratégia para atingir esses objetivos e anunciou que haverá lugar a um voto parlamentar no final do processo, de forma a garantir apoio para o acordo de secessão.
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A primeira-ministra anunciou a intenção formal de lançar o processo de saída da União Europeia e elencou os 12 pontos que pretende que sejam centrais na negociação. Mas ao mesmo tempo recusou explicar a estratégia para atingir esses objetivos e anunciou que haverá lugar a um voto parlamentar no final do processo, de forma a garantir apoio para o acordo de secessão.
A quadratura do círculo que Theresa May espera ter conseguido pode ser, apenas, um lançamento temerário para negociações tremendamente complexas. E que não serão recebidas com simpatia por uma União Europeia que precisa de se valorizar e de endurecer o discurso.
No discurso de ontem ficou claro o óbvio: o que o Reino Unido não se pode dar ao luxo de perder é o acesso ao mercado único. E aquilo que o governo britânico tem para dar em troca é pouco, pelo que a mesa negocial está à partida desequilibrada a favor do continente.
Sabendo que a indústria britânica e a City correm o risco de desaparecer caso se vá o acesso livre ao mercado único europeu, a primeira-ministra britânica tentou impor respeito aos parceiros europeus. E fê-lo ameaçando com a possibilidade de rever todo o modelo económico britânico, criando uma economia de impostos baixos para atrair empresas. Por muito boa que seja a oferta, a ameaça é vã: poucas empresas irão escolher o Reino Unido com um afastamento tarifado do mercado único, quando têm ao lado uma Irlanda que fala a mesma língua, tem impostos baixos e o acesso garantido a esse mercado.
O Guardian citava um diplomata que assistiu ao discurso e o criticou com uma frase lapidar: “se estás disposta a vender a alma, assegura-te de que tens algo para vender”. Mas a melhor reacção terá sido a de Nigel Farage, que se declarou surpreendido pelo “progresso” revelado pela primeira-ministra, que agora usa as palavras sobre o futuro do Reino que o líder do Ukip repetiu ao longo de meses.
Mas esta é uma estratégia arriscada e cheia de buracos. Basta, por exemplo, que a Escócia efectue um referendo em que decida pela separação caso o Parlamento de Londres vote pelo fim dos laços com a UE. Isso chegaria para fazer desses deputados os cangalheiros do Reino, em vez de obreiros da nova independência. E poderá mesmo fazer reverter em cima do momento um acordo pronto a assinar, fazendo destes dois anos um exercício vão de retórica negocial.