Há menos mulheres do que homens na ciência, o que fazer? Uma série de manga
Apesar dos progressos, o número de mulheres na ciência em todo o mundo ainda é um problema. Agora uma investigadora portuguesa, a viver no Japão, criou uma aventura em banda desenhada japonesa com uma missão: cativar as raparigas para a ciência
Há menos mulheres do que homens a estudar e a trabalhar na ciência em todo o mundo. O problema já é antigo e, embora a diferença entre homens e mulheres se vá apaziguando, parece persistir. Para o combater, é preciso incentivar as raparigas logo na escola. Será possível fazer carreira na ciência? Ana Veríssimo, uma investigadora portuguesa no Japão, pensa que sim – e decidiu criar aventuras em manga para pôr as raparigas no caminho da ciência.
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Há menos mulheres do que homens a estudar e a trabalhar na ciência em todo o mundo. O problema já é antigo e, embora a diferença entre homens e mulheres se vá apaziguando, parece persistir. Para o combater, é preciso incentivar as raparigas logo na escola. Será possível fazer carreira na ciência? Ana Veríssimo, uma investigadora portuguesa no Japão, pensa que sim – e decidiu criar aventuras em manga para pôr as raparigas no caminho da ciência.
A história que Ana Veríssimo decidiu criar em manga, a banda desenhada japonesa, tem quatro protagonistas: Mari, Jun, Miki e Yui. Vão viver aventuras com ciência para mostra que as meninas também podem ser cientistas. Ana Veríssimo centra-se nas STEM, do acrónimo inglês science (ciência), technology (tecnologia), engineering (engenharia) e mathematics (matemática). Será então através das STEM, expressão muito usada nos países anglo-saxónicos para as “ciências duras”, que as quatro heroínas irão resolver mistérios. O título da manga é STEM Heroes, ou As Heroínas das STEM, em português.
“Sempre gostei de comunicar ciência”, diz-nos Ana Veríssimo sobre a principal motivação para criar esta série. Além disso, mais dois factores a fizeram avançar: cresceu a ler banda desenhada e, desde 2016, no Japão, comprovou a influência que a manga tem nos japoneses. Contudo, não há manga sobre ciência e também há poucas mulheres na ciência naquele país. “No Japão não há mesmo quase mulheres na ciência. Nunca são incentivadas e crescem a pensar que não podem ter estas profissões.” A investigação no Japão é feita por 15% de mulheres e 85% de homens, de acordo com os últimos dados da UNESCO.
Por isso mesmo, Ana Veríssimo quis mudar a situação. Em STEM Heroes, as quatro personagens são estudantes de ciências e cada uma tem uma área de saber específica. Mariko Watanabe (Mari) adora animais e tudo o que esteja ligado à biologia e genética. Com tranças loiras, boina e saia vermelha, é também a mais gulosa do grupo; Mari adora bolos. O mundo da moda pode conjugar-se com o das equações e Jun Mori é prova disso. Onde quer que chegue, Jun começa a explicar os objectos e o espaço através da matemática e da física. Ninguém se admire se na mesma mala onde Jun guarda a maquilhagem também se encontrem relatórios com fórmulas matemáticas.
Olhamos para Miki Sato de fita no cabelo, vestida com umas jardineiras e umas crocs amarelas, e nem imaginamos que constrói autênticas engenhocas. Miki é a especialista em engenharia. Afinal, os bolsos das suas jardineiras têm todos os utensílios de que necessita. Sempre com auscultadores entre os cabelos azuis, tablet e telemóvel na mão, Yui Matsubara irá resolver os problemas de programação informática do grupo. Este génio da programação adora vestir-se de preto e passa o tempo a descodificar códigos e a ouvir música. Aviso: de vez em quando pode estar mal-humorada.
É com os ingredientes de cada uma que as quatro vão usar o conhecimento das ciências com uma missão, segundo Ana Veríssimo: “Os livros vão explicar como as ciências funcionam e qual a sua utilidade. A ideia é se perceba o fundamental e depois se aplique.”
Vamos então à aventura. As quatro raparigas estão a sair de um clube de ciência e um crime acontece mesmo à sua frente. Alguém é atropelado e o condutor foge. As STEM Heroes querem reagir, mas não podem. Conhecem o condutor e têm uma certeza: é uma pessoa perigosa. Então tomam uma decisão, vão resolver o caso com a ajuda da ciência.
No local do crime há marcas de pneus. O primeiro passo será descobrir a velocidade de travagem na altura do acidente, assim como a velocidade a que o carro circulava, com a ajuda da matemática. É aqui que entra Jun. Mas no local do crime há mais indícios, o ADN do criminoso e uns fios de cabelo. Esta será a missão de Mari. Há ainda um problema: a cena do crime é restrita à polícia e para contornar isso, e recolher amostras, elas vão construir um robô. Ora aqui temos a programação e a engenharia aliadas. É como um policial? “Sim, é um livro de ciências forenses”, confirma Ana Veríssimo.
A expressão rikejo
A ideia de Ana Veríssimo surgiu há cerca de seis meses. E está a concretizá-la com a ajuda de colegas japoneses. A ilustração é da estudante de arte Eri Mine. Não foi difícil encontrar alguém no Japão que fizesse os desenhos: “Aqui quase toda a gente desenha como hobbie.” Há um senão: os japoneses só desenham as personagens que mais gostam. “As raparigas da manga parecem Barbies. A ideia é dizer às jovens que não podem ser assim. Vestir-se bem é melhor do que se ser inteligente? Não é importante trabalhar em equipa? Quero que os desenhos desta série de manga sejam diferentes. Ninguém tem aquele aspecto!”, diz Ana Veríssimo. Por isso, até pediu à ilustradora que Mari fosse mais “gordinha” para que parecesse uma “pessoa real”. “Mas a ilustradora só a fez um bocadinho mais gordinha”, conta a rir-se.
Houve também a preocupação de incluir o contexto japonês nesta série. Além de personagens “desenrascadas” e “muito para a frente”, o objectivo era usar o conceito de rikejo – expressão japonesa que significa “raparigas na ciência”. A expressão provém do nome de um instituto de investigação no Japão muito famoso: o Instituto RIKEN. Quanto à segunda parte da palavra rikejo, jo (originalmente jyo) significa “mulher ou rapariga”.
A expressão está ainda ligada à investigadora Haruko Obokata, do RIKEN, que em 2014 fez uma descoberta que parecia revolucionária: uma técnica que tornava as células adultas (de ratinho) muito semelhantes às células estaminais embrionárias. Haruko Obokata inspirou muitas jovens no Japão e passou a ser uma autêntica “embaixadora da ciência”. Só que a seguir à ascensão veio a queda. Foi acusada de má conduta e falsificação das imagens da sua investigação “revolucionária”.
Para entrar melhor no contexto japonês, Ana Veríssimo contou com os conselhos do professor de química Yuichi Ishikawa (da Universidade de Oita), que lhe disse que no Japão os rapazes são mais estimulados para as STEM do que as raparigas. “Há a ideia de que uma rapariga que seja inteligente não é kawaii (gira) ou que não vai arranjar namorado”, conta-nos. E haverá nesta série espaço para histórias de amor entre a ciência? “Neste livro ainda não, quem sabe para a próxima”, deixa no ar.
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