Consumidores pagam 112 milhões na conta da luz para subsidiar indústria

Descontos estão a ser revistos pelo Governo. Grandes unidades industriais, como a Siderurgia, que vai receber este ano 33 milhões, vêem com “séria preocupação” eventuais cortes nos subsídios.

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A Siderurgia Nacional é quem recebe a maior fatia individual dos pagamentos da interruptibilidade Nuno Ferreira Santos

Os consumidores vão pagar este ano 112 milhões de euros na factura de electricidade para subsidiar as grandes indústrias. As contas são da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e dizem respeito ao serviço de interruptibilidade, pelo qual todos os anos são remuneradas cerca de 50 grandes empresas.

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Os consumidores vão pagar este ano 112 milhões de euros na factura de electricidade para subsidiar as grandes indústrias. As contas são da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e dizem respeito ao serviço de interruptibilidade, pelo qual todos os anos são remuneradas cerca de 50 grandes empresas.

Estas remunerações — que estão a ser revistas pelo Governo — asseguram que, em caso de risco de sobrecarga do sistema eléctrico, esses grandes consumidores se comprometem a reduzir os seus consumos e, deste modo, garantir a segurança do abastecimento e evitar um apagão.

Desde que a interruptibilidade foi criada, nunca foi dada qualquer ordem de redução, embora as empresas sejam remuneradas. Em 2016, este conjunto de empresas recebeu perto de 102 milhões.

À Siderurgia Nacional, que é também o maior consumidor de energia, cabe a maior remuneração. Este ano a empresa vai receber 33,5 milhões.

O serviço (que também existe noutros países europeus) foi apelidado como “subsídio injustificável” pelo Bloco de Esquerda e eleito como um dos alvos a abater no grupo de trabalho para reduzir os custos do sistema eléctrico criado por bloquistas e pelo PS, onde também participou o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches. O objectivo, diziam os membros do grupo de trabalho, era reduzir o número de empresas com contratos de interruptibilidade e poupar pelo menos 60 milhões de euros aos clientes de electricidade.

A medida, que apanhou a indústria desprevenida, motivou mesmo um pedido de reunião da Confederação Empresarial de Portugal – CIP à tutela no final do Verão com o objectivo de evitar alterações a este sistema. Ainda não se sabe qual será o montante das poupanças que poderão vir a ser geradas, mas o Governo também quer que, no futuro, a escolha das empresas passe a ser feita por concurso. Porém, enquanto o novo modelo não avança, estes 50 grandes consumidores vão ser chamados a fazer testes para que se prove que estão disponíveis para aliviar o sistema eléctrico, caso seja necessário.

Algumas das empresas dizem já ter realizado testes por “iniciativa própria”. É o caso das associadas da Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Eléctrica (APIGCCE), que representa a Ar Líquido, a Cimpor, a CMP, a CUF, a Portucel, a Sakthi, a Secil, a Solvay, a Somincor e a Siderurgia. Fonte oficial da APIGCEE garantiu ao PÚBLICO que estas empresas, que representam 10% do consumo eléctrico em Portugal e 25% do consumo industrial, já simularam uma “ordem externa de redução de consumo, tal como seria feito pela REN em funcionamento normal”. Estes industriais dizem ver com “séria preocupação” a revisão da interruptibilidade, “em particular se isso implicar uma redução nas contrapartidas inerentes a esse serviço de rede”.

A Siderurgia Nacional (detida pela espanhola Megasa) é quem recebe a maior fatia individual dos pagamentos da interruptibilidade: as duas fábricas da empresa no Seixal e na Maia representam cerca de 2,5% do consumo eléctrico nacional. Lembrando que a SN programa os seus procedimentos para não colidirem com os horários de maior consumo, fonte do sector industrial sublinhou ao PÚBLICO que, “pelo seu comportamento diário, a SN não é representativa do problema que está agora a ser avaliado” na interruptibilidade, que é o de haver empresas que são remuneradas sem ter condição de prestar o serviço.

A obrigatoriedade de realização de testes às empresas (que a lei já previa, mas que nunca foram concretizados) ficou expressa numa Portaria, de Outubro, com que o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, disse pretender “credibilizar e dar rigor ao sistema”, atestando que quem presta o serviço de interruptibilidade tem “disponibilidade e capacidade” para o fazer.

O governante, que esteve recentemente na comissão parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas, adiantou aos deputados que o modelo de realização de testes está fechado e que estes irão realizar-se por sorteio. Questionado pelo deputado do Bloco de Esquerda Jorge Costa, Seguro Sanches respondeu não saber ainda precisar quantas empresas vão sair da lista de beneficiárias, mas frisou que “as condições estão criadas” para que só fiquem as que são “efectivamente interruptíveis”.

Dos 112 milhões de euros que a ERSE estimou como custo do serviço em 2017, 78,5 milhões (que comparam com os 77,8 milhões de 2016) serão repartidos por empresas como a Altri, a Renova, a Sonae Indústria, a Celbi, a Celtejo, entre outras. Os restantes 33,5 milhões são relativos à “aplicação da portaria n.º 215-A/2013” explica a entidade reguladora no seu documento das tarifas. Foi com esta portaria, que apenas abrange a Siderurgia, que o anterior Governo criou um escalão remuneratório à parte para os consumidores abastecidos em muito alta tensão, com uma potência média anual superior a 50 megawatts (MW). A portaria aproximou o regime português do regime espanhol para as “instalações com consumos de electricidade muito elevados” e, com isso, evitou-se que a Siderurgia, uma das maiores exportadoras nacionais, cumprisse a ameaça de deixar o país, pondo em causa mais de 700 empregos (recentemente, a empresa anunciou um investimento de 52 milhões nas duas fábricas). O valor do desconto a que a unidade portuguesa da Megasa tem direito em 2017 é superior aos 25 milhões de 2016 e inclui, segundo a ERSE, acertos de contas relativos a 2015.