Com a sombra de Trump a dominar, Davos vira-se para a China
No primeiro encontro de Davos depois do “Brexit” e das eleições dos EUA, os defensores da globalização encontraram em Xi Jinping a sua nova referência.
Xi Jinping é presidente da República Popular da China, é o secretário geral do Partido Comunista Chinês e, agora, de forma talvez surpreendente, tornou-se também na grande e derradeira esperança de Davos, para a defesa dos ideais da globalização e o do comércio livre.
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Xi Jinping é presidente da República Popular da China, é o secretário geral do Partido Comunista Chinês e, agora, de forma talvez surpreendente, tornou-se também na grande e derradeira esperança de Davos, para a defesa dos ideais da globalização e o do comércio livre.
Com Donald Trump a endurecer cada vez mais o seu discurso proteccionista e os principais líderes políticos europeus silenciosos para não darem trunfos à oposição anti-sistema que enfrentam dentro dos seus próprios países, os participantes no Fórum Económico Mundial de Davos que se inicia esta terça-feira, naquela estância de Inverno suíça, vêem-se forçados este ano a virar-se para a China se quiserem ouvir um discurso que aponte para o caminho que habitualmente defendem.
E, assim, na primeira ocasião em que um presidente chinês participa nos encontros de Davos, Xi Jinping tem tudo para ser recebido de braços abertos por aqueles que há alguns (não muitos) anos viam a China e o seu governo como representantes de uma perigosa política de intervenção do Estado para conquistar vantagens nos mercados internacionais.
Agora, o presidente do Fórum, Klaus Schwab, não tem dúvidas em atribuir a Xi Jinping “o papel de liderança responsável e proactiva nos assuntos internacionais num momento de viragem na história”. E David Aikman, o representante do Fórum na China, foi ainda mais claro a descrever o ambiente que se vive actualmente em Davos: “Estamos absolutamente entusiasmados, porque se há um líder que todos os CEO e líderes internacionais querem ouvir, é o presidente Xi Jinping”.
Não é difícil perceber porque é que a China e o seu líder assumiram a tarefa de defesa da globalização e do comércio livre. A economia chinesa tem revelado nos últimos anos muitas dificuldades em mudar de um modelo de crescimento baseado nas exportações para um modelo mais baseado na procura interna. Por isso, para garantir os ritmos de crescimento necessários para evitar um aumento da tensão social, as autoridades de Pequim mantêm-se ainda dependentes da continuação do sucesso da indústria exportadora.
Neste contexto, se há país que tem a perder com um ressurgimento de políticas proteccionistas em algumas das principais economias mundiais, é a China, pelo que é natural que em Pequim se abrace, mais do que nunca, a causa da globalização e do comércio livre.
Outros importantes actores internacionais, como a Alemanha, também têm nas exportações a sua principal força e são potenciais perdedores de um cenário de maior proteccionismo. No entanto, no caso alemão, Angela Merkel, com as eleições à porta, prefere ser mais prudente nos seus discursos de apoio a políticas liberais. Essa é aliás a explicação que tem vindo a ser avançada por muitos analistas para o facto de este ano ter decidido não comparecer em Davos, um encontro onde em quase todos os anos tem estado presente.
Contudo, nesta segunda-feira, Merkel não deixou de reagir às críticas de Donald Trump quanto à opção alemã de abrir fronteiras aos refugiados. O presidente eleito, que toma posse sexta-feira, ameaçou ainda agravar em 35% as tarifas sobre a importação de automóveis da BMW, feitas a partir do México.
“Nós, europeus, temos o nosso destino nas nossas mãos”, disse a chanceler, citada pela Reuters. “Ele apresentou a sua posição, uma vez mais. Já a conhecíamos há algum tempo. As minhas posições também são conhecidas”, disse.
A figura de Donald Trump paira sobre Davos. Da última vez que os líderes políticos e económicos se reuniram, no início de 2016, Trump não era visto como mais do que uma ameaça pouco credível de reforço do populismo. Desde aí, não só se concretizou a vitória do “Brexit” no referendo britânico, como Donald Trump foi eleito e não abdicou (antes pelo contrário) das suas promessas de alteração das regras do comércio internacional.
Em várias ocasiões, manifestou a intenção de dificultar mais a entrada nos Estados Unidos de produtos provenientes da China, Japão e México e ameaçou as empresas norte-americanas (e europeias também) que pretendem retirar fábricas dos Estados Unidos para as colocar noutros países de mão-de-obra mais barata.
A nova administração norte-americana não irá enviar mais do que um conselheiro económico, Anthony Scaramucci, a Davos para explicar o plano no futuro presidente, mas poucos duvidam que no centro da grande maioria dos debates dos próximos dias vai estar Trump e os impactos dos próximos quatro anos na economia e nos equilíbrios geo-estratégicos à escala global.
Um painel em concreto, em que irá participar a líder do FMI, Christine Lagarde, irá discutir o que dizem ser “o sentimento crescente de populismo anti-sistema instalado”.
Nos últimos anos, em Davos, tem sido defendido a ideia, a diversos níveis, de que os problemas do mundo se resolvem através de soluções conjuntas, baseadas no diálogo entre as partes interessadas. Agora, quase tudo aquilo que Trump tem vindo a defender parte do princípio contrário. Para Davos, será Xi Jinping a alternativa?