O direito a ser fisicamente activo

Talvez não saiba que a prática da atividade física e desportiva é um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa, no número 1 do seu artigo 79º: “Todos têm direito à cultura física e ao desporto”. A que desporto – e que direito – se refere a Constituição?

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Fernando Veludo

O desporto representa uma prática cultural ancestral que, na sua melhor expressão, difunde valores universais como a procura da excelência e o respeito pela diferença. Uma vida fisicamente activa favorece a autonomia física e psicológica durante todo o ciclo de vida, incluindo as pessoas portadoras de deficiência. Por estas razões, entre muitas outras, o Estado chama a si importantes obrigações nesta matéria. E em boa hora o faz porque praticar actividade física e desporto não depende apenas de escolhas individuais. É um comportamento influenciado pelo contexto envolvente e é ao Estado que compete, em primeira instância, zelar aquilo que o ambiente oferece, estimula e permite aos cidadãos nas suas escolhas – espaços e serviços mas também regras e normas (explícitas ou implícitas) que fazem toda a diferença.

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O desporto representa uma prática cultural ancestral que, na sua melhor expressão, difunde valores universais como a procura da excelência e o respeito pela diferença. Uma vida fisicamente activa favorece a autonomia física e psicológica durante todo o ciclo de vida, incluindo as pessoas portadoras de deficiência. Por estas razões, entre muitas outras, o Estado chama a si importantes obrigações nesta matéria. E em boa hora o faz porque praticar actividade física e desporto não depende apenas de escolhas individuais. É um comportamento influenciado pelo contexto envolvente e é ao Estado que compete, em primeira instância, zelar aquilo que o ambiente oferece, estimula e permite aos cidadãos nas suas escolhas – espaços e serviços mas também regras e normas (explícitas ou implícitas) que fazem toda a diferença.

Desporto ou actividade física?

É frequente no discurso comum o uso indiscriminado de expressões como desporto, exercício físico, actividade física, ou motricidade humana. São importantes as diferenças? A Constituição fala em desporto, o termo mais antigo e com um património histórico e cultural mais vincado. Originalmente associado ao jogo lúdico (com regras) mas também à competição – como expressão da cultura física de uma pessoa ou de um povo (p.ex., nos Jogos Olímpicos) – o desporto é um sistema ordenado de práticas corporais que envolve actividades de competição regulamentadas, baseadas na superação de competidores, de marcas ou resultados. O termo Desporto (agora com maiúscula) é também usado para definir a área científica das ‘Ciências do Desporto’ e ‘sector do Desporto’, área de actividade económica e política que inclui temas como a luta anti-dopagem, as federações desportivas e a regulamentação das profissões do Desporto. Abrange também o chamado ‘desporto para todos’, análogo ao que hoje se designa por ‘promoção da actividade física e desportiva’.

Por outro lado, o conceito de actividade física refere-se a qualquer movimento corporal, produzido pelos músculos esqueléticos, que resulta em dispêndio energético maior do que os níveis de repouso. Definição que abrange a prática de um desporto mas também muitas outras actividades (ver infografia). Por exemplo, durante as ocupações do dia-a-dia ou nas deslocações, fazemos actividade física de forma espontânea e não planeada, aproveitando as oportunidades que permitem, ou exigem, movimento físico. Muitas vezes, nem temos consciência que estamos a ‘fazer actividade física’. Contudo, porque actividades ocupacionais e nas deslocações representam uma importante parcela da actividade física diária, elas são um alvo essencial de muitas intervenções de promoção da actividade física.

Por último, quando o objetivo consciente da prática de actividade física é proteger a saúde (p.ex. gerir o peso), melhorar uma capacidade física como a resistência e a força muscular, ou apenas melhorar o bem-estar, estamos a falar de exercício físico. Trata-se de uma prática geralmente planeada, bem definida no tempo e quase sempre realizada nos tempos de lazer. Pode até exigir um plano de treino personalizado e acompanhamento técnico. Por exemplo, para diversos quadros clínicos como a diabetes ou a doença cardíaca, existem – e exigem-se – modelos especializados de prescrição de exercício.

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Claro que existem muitas interseções e variantes nestas categorias. Por exemplo, subir as escadas no dia-a-dia pode ser feito para chegar ao andar de cima mas também porque sabemos que é bom para a saúde. Podemos igualmente praticar um desporto ou fazer uma caminhada com a família pelo prazer da actividade, para termos mais energia, dormirmos melhor, e/ou para ajudar a prevenir doenças. Na realidade, os contextos e os propósitos da actividade física e desportiva confundem-se facilmente quando aplicados à vida real.

Assim, para quase todos os efeitos, as diferenças entre desporto e actividade física são pouco importantes e o essencial, pelo menos no que à saúde diz respeito, é que encontremos uma actividade física / desportiva que nos faça sentido e nos faça (sentir) bem. Estamos sempre correctos ao dizer: “hoje é o meu dia de fazer desporto” ou “já fizeste a tua rotina de exercício esta semana?” ou “vou sair e mexer-me um pouco porque hoje ainda não fiz qualquer actividade física”.

A Constituição da República Portuguesa afirma que “incumbe ao estado (...) promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto”. E a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (2007) determina que “todos têm direito à actividade física e desportiva”, que devem ser adoptados pelo Estado programas para “criar espaços públicos aptos para a actividade física”, e promover a conciliação da actividade física com a vida pessoal, familiar e profissional”. Estas passagens demonstram dois aspectos essenciais. Por um lado, que a prática da actividade física e desportiva pode claramente ser facilitada pelo meio envolvente. Por outro, e por consequência, que temos o direito de exigir aos governantes e dirigentes que invistam na criação das melhores condições para que ser activo seja a opção mais fácil, segura e apelativa. No local de trabalho, na escola e na universidade, nos tempos de lazer, nas deslocações.

Por falar em deslocações, em Copenhaga, o número de bicicletas ultrapassou pela primeira vez o número de carros na cidade. De quem foi a responsabilidade de tão insólito (e fantástico) acontecimento? De muitos, certamente. Mas não aconteceu por acaso nem de um dia para o outro.