Trump diz que "não tem nada que ver" com a Rússia – 30 anos de história mostram que não é bem assim
Ideias para construir edifícios de luxo, ligações a investidores, concursos de beleza – a prova dos factos diz que o Presidente eleito dos EUA não está a falar verdade.
O Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, publicou um tweet, na quarta-feira, a afirmar que não tem “NADA QUE VER COM A RÚSSIA – NEM NEGÓCIOS, NEM EMPRÉSTIMOS, NADA!”.
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O Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, publicou um tweet, na quarta-feira, a afirmar que não tem “NADA QUE VER COM A RÚSSIA – NEM NEGÓCIOS, NEM EMPRÉSTIMOS, NADA!”.
Porém, Trump tem uma longa história de relações com a Rússia, tendo repetidamente tentado construir edifícios de luxo em Moscovo. Também organizou um concurso de beleza nessa cidade e beneficiou de elevados investimentos feitos por russos nas suas propriedades um pouco por todo o mundo.
Não é possível averiguar se Trump tem actualmente negócios ou empréstimos com entidades russas, dado que recusou divulgar as suas declarações de impostos. Mas uma olhadela ao historial de Trump desde os anos 1980 mostra que ele e a sua família estão há muito interessados em tentar fazer lá negócios. A ligação à Rússia tornou-se um ponto de interesse durante a campanha presidencial de 2016. Um funcionário russo foi citado, dizendo que o seu Governo tinha mantido contactos com responsáveis da campanha de Trump, e o candidato repetidamente elogiou o Presidente russo, Vladimir Putin, ao mesmo tempo que instigava os líderes do país a acederem ilegalmente ao correio electrónico da sua oponente.
As ligações remontam a três décadas atrás
Trump visitou Moscovo pela primeira vez em 1987, numa tentativa de conseguir contratos na área do imobiliário. Tal como contou numa entrevista que deu à revista Playboy, dois caças russos escoltaram o seu jacto particular até ao aeroporto, e insistira em ter dois coronéis russos a viajar consigo no avião. Ficou hospedado no Hotel Nacional, com vista para o Kremlin, e disse que os soviéticos queriam que ele construísse dois hotéis de luxo. O embaixador soviético tinha visitado Trump em Nova Iorque e afirmara que a sua filha tinha “adorado” a Trump Tower e sugeriu uma versão do edifício em Moscovo, isto de acordo com uma reportagem sobre a visita publicada na altura pela revista Newsweek. Trump visitou alguns possíveis locais para a construção na zona de Moscovo.
Trump disse aos responsáveis soviéticos que não sabia como iria arranjar financiamento para a obra, dado que o Governo era proprietário das terras. Segundo Trump, a resposta foi: “Não se preocupe, sr. Trump. Vamos arranjar contratos e autorizações de aluguer de terrenos.”
Trump diz que respondeu o seguinte: “Quero ser dono, não quero alugar.” Os soviéticos disseram que iriam criar um comité com sete representantes do Governo e três de Trump para resolver os problemas.
Numa entrevista em 1990, o magnata do imobiliário contou que ficara “muito mal impressionado” com o sistema soviético, que classificou como “um desastre”. “O que vai acontecer por lá dentro de pouco tempo é uma revolução”, disse. Acrescentou que o seu “problema” com o líder da URSS, na altura Mikhail Gorbatchov, era que ele “não tinha um pulso suficientemente firme”.
Acabou por não concretizar o negócio, mas em breve tentou de novo. Em 1996, Trump projectou a construção de condomínios de luxo em Moscovo, o que também nunca se concretizou. Nova tentativa em 2005, com a assinatura de um acordo para um possível edifício Trump no terreno de uma antiga fábrica de lápis; também não se se materializou.
A família Trump não se deu por vencida. Donald Trump Jr. esteve na Rússia seis vezes durante um período de 18 meses que se iniciou por volta de 2006, tentando concretizar negócios. O seu pai parecia convencido de que iria finalmente acontecer.
“A Rússia é um dos melhores lugares do mundo para fazer investimentos”, disse Trump pai em 2007. “Chegará uma altura em que iremos estar em Moscovo.”
No ano seguinte, numa conferência sobre o sector imobiliário, Donald Jr. disse que a sua empresa tinha tentado investir na Rússia. "Os russos constituem uma parte muito significativa dos nossos activos. Vemos muito dinheiro a cair da Rússia”, garantiu.
O grupo Trump vendeu propriedades a investidores russos, e o pai Trump recebeu 95 milhões de dólares por uma mansão em Palm Beach que vendeu em 2008 ao milionário russo Dmitri Ribolovlev – mais do dobro dos 41 milhões de dólares que havia pago pela propriedade, isto de acordo com o registo predial.
“O mais perto que estive da Rússia foi quando comprei uma casa há alguns anos em Palm Beach, na Florida”, afirmou Trump em Julho do ano passado. “Palm Beach é um lugar muito caro. Houve um homem que ficou falido e eu comprei a casa por 40 milhões de dólares e vendi-a a um russo por cem milhões, incluindo as comissões da imobiliária… Está bem, se calhar vendo propriedades a russos, estão contentes?”
As ambições de Trump de construir na Rússia continuavam sem se concretizar, pelo que fez mais uma tentativa em 2013. Nesse ano, viajou até Moscovo com o concurso Miss Universo (que lhe pertencia), que se realizou no auditório Crocus, de 7300 lugares. Trump publicou um tweet a aliciar o líder russo: “Acham que Putin irá ao concurso de Miss Universo em Novembro em Moscovo – e, se for, irá tornar-se no meu novo melhor amigo?”
Putin não assistiu ao concurso, mas Trump aproveitou a ocasião para se encontrar com altos funcionários e procurar oportunidades no sector imobiliário. Reuniu-se com um construtor chamado Aras Agalarov, que diz que falou com Trump acerca da possibilidade de construir torres adjacentes em Moscovo. Trump parecia seguro de que o negócio se iria concretizar, tendo publicado um tweet: “Tower Trump-Moscovo é a próxima.”
Durante a sua estadia em Moscovo para promover o concurso, Trump elogiou profusamente Putin, e o líder russo correspondeu enviando-lhe com uma “carta amigável”, segundo disse Agalarov ao jornal Washington Post em 2016. O filho de Agalarov, Emin, visitou Trump em Nova Iorque após o magnata ter anunciado a sua candidatura à presidência, e disse que Trump tinha criticado a Administração dos Estados Unidos, por esta “não ser capaz de ser amiga da Rússia”.
Esta visão amigável da Rússia aumentou ao longo da campanha eleitoral. Em Julho, Trump encorajou a Rússia a aceder ilegalmente ao correio electrónico de Hillary Clinton. “Digo-vos uma coisa, Rússia: se estiverem a ouvir isto, espero que consigam encontrar as 30 mil mensagens que estão desaparecidas. Acho que provavelmente a nossa imprensa vos vai agradecer imenso.”
Mais tarde, agências dos serviços secretos dos Estados Unidos declararam que a Rússia, sob as ordens de Putin, estava por trás do acesso ilegal às mensagens de correio electrónico da Comissão Nacional Democrática, num esforço para prejudicar a campanha de Clinton e auxiliar a de Trump. As mensagens do director de campanha de Clinton, John Podesta, foram também devassadas e colocadas no domínio público, o que embaraçou Clinton. Podesta escreveu no Post que acreditava ter sido o “alvo concreto do acesso ilegal feito pela Rússia”.
Em Setembro, Trump continuou a cobrir Putin de elogios, afirmando sobre o Presidente russo: "Ele é muito mais líder do que o nosso Presidente alguma vez foi.” Quando lhe pediram para explicar a afirmação, respondeu: “Ele tem 82% de taxa de aprovação nas sondagens… Por isso, quando ele diz que eu sou brilhante, considero isso um elogio, ok?”
As afirmações de Trump sublinham a sua tendência para valorizar os que lhe afagam o ego, bem como a sua admiração face aos líderes que projectam uma imagem de poder – duas características de que Moscovo parece estar bem consciente.
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Riabkov, disse à agência noticiosa estatal Interfax que o seu país tinha mantido “contactos” com a campanha de Trump. “Obviamente, conhecemos a maioria dos elementos da sua equipa”, afirmou Riabkov. Responsáveis da campanha negaram que tais conversas tenham acontecido.
Riabkov não disse com quem é que a Rússia tinha falado. Paul Manafort, que foi director de campanha de Trump, geriu um fundo de investimento de um aliado de Putin, e foi citado num processo de corrupção na Ucrânia, em que investigadores estavam a vasculhar pagamentos ilegais de um partido pró-Rússia que tinha contratado Manafort quando este era consultor político. Manafort negou qualquer ilegalidade e afirmou que nunca recebeu pagamentos indevidos.
O conselheiro de Trump para a segurança nacional, o tenente-general reformado do Exército Michael Flynn, sentou-se ao lado de Putin num jantar em 2015. Flynn disse ao Post no ano passado que tinha sido pago para fazer um discurso na festa de aniversário da televisão RT, em Moscovo; foi neste canal que Trump apareceu, mais tarde.
Trump manteve o tom caloroso para com Putin e a Rússia na conferência de imprensa na última quarta-feira, mesmo tendo admitido "achar" que foi a Rússia que entrou ilegalmente no correio electrónico do Partido Democrata. Referindo-se ao memorando não confirmado em que se diz que a Rússia recolheu material comprometedor sobre si – a que chamou “notícias falsas” –, Donald Trump declarou ter acreditado quando os russos negaram ter recolhido tais informações. E depois disse que encarava com agrado a amizade de Putin.
“Se Vladimir Putin gosta de Donald Trump, eu considero isso uma vantagem, não um perigo.”
Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post