Sobre o jornalismo e seus derivados
A oligarquia que domina hoje os media, responsável pelo triunfo do espaço de opinião e comentário, funciona como produtora de uma indústria de conteúdos.
Começo este texto, ainda motivado pela identificação de uma “nova ignorância”, feita por José Pacheco Pereira, no ponto em que terminei o da semana passada: pela afirmação de que estou consciente da contradição a que me exponho semanalmente. Em que consiste essa contradição? Acho que os jornais precisam de ser pensados, transformados e criticados do interior para tentar interromper a “estratégia fatal” que lhes dita o caminho. E, no entanto, até esta afirmação, enquadrada num espaço de “opinião”, onde há de tudo para representar a pluralidade do mundo, é uma crítica vã, mais não faz do que tornar-me rotineiro e alimentar a rotina do jornal. Nas dezenas de reformas e liftings a que os jornais, nas últimas duas décadas, foram submetidos pelas suas administrações e direcções (se ainda é possível distinguir uma coisa da outra), alguém conseguiu vislumbrar alguma que não fosse para acentuar o sentido da anterior, de cujo sucesso não houve notícia? Alguém assistiu porventura a outras experiências, a autênticas e bem pensadas inflexões? E tudo isso foi feito sem que, de uma maneira geral, os jornalistas proletarizados nas redacções tivessem a possibilidade de ter uma intervenção crítica na vida do jornal onde trabalham. E essa impotência aumentou à medida que cresceu a oligarquia dos colunistas e comentadores, esse exército numeroso que confiscou todos os media e instaurou lá dentro uma nova luta de classes. Um colunista exterior à vida do jornal preocupa-se com o espaço que nele ocupa, com a “visibilidade” (palavra essencial no jargon do meio) que lhe é oferecida e de onde ele retira o capital simbólico, eventualmente convertível em capital real; um jornalista da redacção faz parte de um corpo que é o do jornal na sua totalidade e de um modo geral está excluído desta economia simbólica. O primeiro está ao serviço de uma indústria de conteúdos que não precisa de se pensar enquanto forma. O mesmo é dizer: pensa-se como plataforma que distribui conteúdos e às vezes brindes.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Começo este texto, ainda motivado pela identificação de uma “nova ignorância”, feita por José Pacheco Pereira, no ponto em que terminei o da semana passada: pela afirmação de que estou consciente da contradição a que me exponho semanalmente. Em que consiste essa contradição? Acho que os jornais precisam de ser pensados, transformados e criticados do interior para tentar interromper a “estratégia fatal” que lhes dita o caminho. E, no entanto, até esta afirmação, enquadrada num espaço de “opinião”, onde há de tudo para representar a pluralidade do mundo, é uma crítica vã, mais não faz do que tornar-me rotineiro e alimentar a rotina do jornal. Nas dezenas de reformas e liftings a que os jornais, nas últimas duas décadas, foram submetidos pelas suas administrações e direcções (se ainda é possível distinguir uma coisa da outra), alguém conseguiu vislumbrar alguma que não fosse para acentuar o sentido da anterior, de cujo sucesso não houve notícia? Alguém assistiu porventura a outras experiências, a autênticas e bem pensadas inflexões? E tudo isso foi feito sem que, de uma maneira geral, os jornalistas proletarizados nas redacções tivessem a possibilidade de ter uma intervenção crítica na vida do jornal onde trabalham. E essa impotência aumentou à medida que cresceu a oligarquia dos colunistas e comentadores, esse exército numeroso que confiscou todos os media e instaurou lá dentro uma nova luta de classes. Um colunista exterior à vida do jornal preocupa-se com o espaço que nele ocupa, com a “visibilidade” (palavra essencial no jargon do meio) que lhe é oferecida e de onde ele retira o capital simbólico, eventualmente convertível em capital real; um jornalista da redacção faz parte de um corpo que é o do jornal na sua totalidade e de um modo geral está excluído desta economia simbólica. O primeiro está ao serviço de uma indústria de conteúdos que não precisa de se pensar enquanto forma. O mesmo é dizer: pensa-se como plataforma que distribui conteúdos e às vezes brindes.
Os media são capazes de acolher, vindas da direita e da esquerda, abundantes posições críticas perante a sociedade, o governo, a oposição e todo o sistema político; mas o que é mais difícil encontrar neles é quem tenha uma atitude crítica relativamente à posição que ocupa não perante o mundo e seus arredores, mas no interior do sistema mediático, capaz de pensar o papel que desempenha em todo o processo de produção jornalística. Isso sim, seria uma atitude crítica necessária e capaz de operar transformações. Analisando as coisas deste ponto de vista, pessoas que parecem ocupar posições politicamente antagónicas situam-se exactamente no mesmo lado, produzem o mesmo efeito e trabalham para o mesmo fim. Uns e outros estão tão ocupados com a dimensão mais imediata da sua tarefa que a única relação com os meios de produção em que são capazes de pensar é de ordem meramente pragmática. Este sistema que conta com um papel acrítico da elite que ocupou o espaço público mediático exibe-se bem nesta portuguesíssima aberração: há quem tenha opinião para emitir e comentário para fazer sempre que o Sol se levanta. Até os membros deste novo clero aparentemente mais exigentes e conscientes são tão atraiçoados pela falta de distância crítica em relação à posição que ocupam e o papel que desempenham quanto a literatura politicamente engagée atraiçoava a sua tendência revolucionária ao praticar as formas mais reaccionárias e inócuas. Na denúncia dos “formalismos” e na recusa da reflexão interna sempre os neo-classicismos fascistas convergiram com os realismos socialistas. Há velhas convergências que perduram.