Trump, um Presidente cheio de incompatibilidades
O plano para evitar conflitos de interesses entre o cargo e os negócios é mais encenação do que substância e deixa-o “vulnerável a suspeitas de corrupção”, diz o Gabinete de Ética do Governo americano.
Com uma verdadeira montanha de envelopes amarelos fechados colocados à sua frente, o Presidente eleito dos Estados Unidos mostrou o grande número de documentos que já assinou para passar os seus negócios para um fundo fiduciário controlado pelos seus dois filhos mais velhos, Donald Jr. e Eric, apoiados por uma empresa de consultoria de Nova Iorque. Mas Donald Trump não vai vender a sua participação na empresa-mãe. E continua sem mostrar as suas declarações de impostos, ao arrepio do que fizeram os Presidentes que o precederam.
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Com uma verdadeira montanha de envelopes amarelos fechados colocados à sua frente, o Presidente eleito dos Estados Unidos mostrou o grande número de documentos que já assinou para passar os seus negócios para um fundo fiduciário controlado pelos seus dois filhos mais velhos, Donald Jr. e Eric, apoiados por uma empresa de consultoria de Nova Iorque. Mas Donald Trump não vai vender a sua participação na empresa-mãe. E continua sem mostrar as suas declarações de impostos, ao arrepio do que fizeram os Presidentes que o precederam.
O plano de Trump para evitar incompatibilidades entre os seus negócios e o cargo de Presidente dos EUA é mais encenação do que substância, veio dizer o director do Gabinete de Ética do Governo, Walter Shaub, depois da conferência de imprensa de Trump na quarta-feira. “Não podemos correr o risco de criar a ideia de que os líderes do Governo usam a sua posição para obter benefícios”, afirmou Shaub. Com o plano apresentado, Trump fica “vulnerável a suspeitas de corrupção.” Está bem atrás dos padrões seguidos desde o escândalo do Watergate, com Richard Nixon, sublinhou.
O que se esperaria de Trump é que vendesse os seus activos, ou então que os colocasse num blind trust — um fundo fiduciário supervisionado por uma entidade independente, de cujo conteúdo ou gestão os beneficiários não teriam conhecimento, para evitar os conflitos de interesse. Mas o modelo apresentado por Trump não satisfaz esta condição, ao contrário, por exemplo, do que fez Rex Tillerson, o ex-director da petrolífera Exxon Mobil, a sua escolha para secretário de Estado, disse Staub.
“Afastar-se da gestão diária dos seus negócios não tem muita importância, do ponto de vista do conflito de interesses. A presidência é um trabalho a tempo inteiro, ele teria sempre de se afastar. Sem criar um blind trust não acrescenta nada à equação — e o que propôs fica muito longe disso”, afirmou o responsável pelo organismo que garante os padrões de ética dos funcionários da Casa Branca e das mais de 130 agências federais americanas.
Há vários outros problemas nos planos de Donald Trump, que considera estar isento das leis relativas aos conflitos de interesse que se aplicam aos funcionários federais, diz o New York Times. Por exemplo, apesar de o Presidente eleito ter garantido que cancelou três dezenas de negócios pendentes, e que isso lhe custou muitos milhões de dólares, a Trump Organization vai continuar à procura de oportunidades de negócio dentro dos EUA. Apenas se vai refrear no estrangeiro.
Os potenciais novos negócios serão analisados por um conselheiro de ética, que o Presidente eleito nomeará em breve. Mas há coisas que simplesmente não são praticáveis, justificou uma representante legal de Donald Trump. “Ele não pode deixar de saber que é proprietário da Trump Tower”, explicou uma sua advogada.
Contra a Constituição
Se representantes de governos estrangeiros ficarem alojados em hóteis do grupo Trump, o valor da despesa será doado ao Tesouro dos EUA, assegura o Presidente eleito. Mas o que for gasto nos campos de golfe, por exemplo, ficará nos cofres do grupo — o que quer dizer que as empresas Trump podem beneficiar de pagamentos feitos por outros países. Esta possibilidade vai contra a cláusula dos emolumentos da Constituição americana, que proíbe o Presidente de aceitar “qualquer presente, cargo ou título, de qualquer tipo, de qualquer rei, príncipe ou Estado estrangeiro.”
“O Presidente eleito abriu um caminho perigoso para ele e para o nosso país”, disse Fred Wertheimer, presidente da ONG Democracy 21. “Está a preparar o palco para abusar da sua posição para obter ganhos financeiros de uma forma nunca vista. O povo americano não conseguirá discernir o que estará por trás das decisões políticas de Trump: se os interesses financeiros do Presidente, de quem o financia ou dos americanos”, declarou, citado pelo Guardian.
Mas apesar dos planos de Trump para minimizar os conflitos de interesse estarem a suscitar críticas, o Gabinete de Ética do Governo não pode obrigar o Presidente eleito a modificá-lo. “Embora todos os Presidentes da era moderna tenham adoptado a abordagem que recomendamos, a do blind trust, o gabinete de ética não tem poderes para exigir que cumpra esta tradição”, reconheceu esta agência independente.
“Mas a indignação pública pode fazer a diferença”, sublinhou Norman Eisen, da Brookings Institution, que foi consultor especial para assuntos de ética da Casa Branca entre 2009 e 2011.
Duas sondagens divulgadas esta semana revelam que mais de metade dos norte-americanos mostra alguma preocupação com os conflitos de interesse do Presidente eleito causados pelos seus negócios e a sua entrada na Casa Branca. Um estudo de Pew Research Center revela que 57% dos americanos diz-se preocupado com a sua capacidade em “garantir os melhores interesses do país”, devido às suas relações com “organizações, empresas ou governos estrangeiros”.
Outro estudo, da Universidade de Quinnipiac, chegou a resultados semelhantes: 60% dos eleitores está muito ou pelo menos algo preocupado com a possibilidade de “Donald Trump vetar uma lei que possa ser boa para o país, se isso prejudicasse os seus interesses empresariais”.