As cinco decisões políticas determinantes de Mário Soares
Descolonização, liberdade sindical, adesão à Europa, fim da Reforma Agrária e flexibilização dos contratos a prazo foram cinco medidas de governos liderados por Mário Soares que determinaram o futuro de Portugal.
Nos primeiros anos pós-25 de Abril, Mário Soares foi ministro nos primeiros três governos provisórios (Maio de 1974 a Março de 1975) e primeiro-ministro dos dois primeiros governos constitucionais. Nessa condição foi responsável directo ou tutelou politicamente a condução de políticas governativas que marcaram o perfil da sociedade e da economia portuguesa. Foram decisões fundadoras do país que Portugal é hoje.
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Nos primeiros anos pós-25 de Abril, Mário Soares foi ministro nos primeiros três governos provisórios (Maio de 1974 a Março de 1975) e primeiro-ministro dos dois primeiros governos constitucionais. Nessa condição foi responsável directo ou tutelou politicamente a condução de políticas governativas que marcaram o perfil da sociedade e da economia portuguesa. Foram decisões fundadoras do país que Portugal é hoje.
Nem mais um soldado
Terminar com a guerra colonial era um dos objectivos do 25 de Abril e a democratização prometida tornava incontornável a negociação pelo novo regime em Portugal da independência das colónias. As negociações iniciam-se durante os primeiros governos provisórios em que Mário Soares foi ministro dos Negócios Estrangeiros e Almeida Santos ministro da Coordenação Interterritorial.
A efervescência política em Portugal continental aumentava a pressão sobre as condições negociais. Logo a 4 de Maio, uma manifestação do MRPP sob o lema de “Nem mais um soldado para as colónias” invade o aeroporto de Lisboa e impede o embarque de tropas necessárias para garantir a segurança do que ainda era o Estado português nos territórios ultramarinos.
As independências vieram no ano a seguir ao do 25 de Abril de 1974: Moçambique a 25 de Junho, Cabo Verde a 5 de Julho, São Tomé e Príncipe a 12 de Julho e Angola a 11 de Novembro. A Guiné já tinha de facto proclamado a sua independência unilateralmente a 24 de Setembro de 1973.
No meio da pressão política interna e externa, Almeida Santos consegue coordenar a criação do Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN), depois de ter sido estudado o modelo de descolonização francesa e procurado colmatar os erros, nomeadamente os riscos de estigmatização sobre os retornados no caso de ficarem concentrados numa região.
Do ponto de vista sociológico foi um sucesso a integração de meio milhão de retornados – um número que segundo muitas opiniões é baixo em relação aos portugueses que de facto vieram para o continente. E os retornados ajudaram a renovar o tecido social e económico português e contribuíram assim para construção do Portugal democrático.
Mas o drama humano que representou a necessidade de fugir das colónias em tão pouco tempo deixou marcas traumatizantes em muitos dos que perderam os seus projectos de vida e o seu património. Ainda hoje a responsabilidade desse drama humano é por muitos apontada a Mário Soares.
Liberdade sindical
O debate político e social em torno do direito à “unicidade sindical” ou à “unidade sindical” foi a linha de fissura da esquerda portuguesa durante o PREC (Período Revolucionário em Curso de 1974/75). Do lado da “unicidade”, o PCP insistia que só poderia haver uma central sindical, a CGTP. Do outro lado da barricada, em defesa da “unidade” e da liberdade sindical esteve o PS, liderado por Mário Soares, numa luta política em que o grande protagonista socialista foi o número dois do PS, Francisco Salgado Zenha.
O debate foi político e travou-se também nas ruas em manifestações de massas. A 16 de Janeiro de 1975, o PS convocou para o Pavilhão dos Desportos em Lisboa aquele que foi o primeiro grande comício da sua história, sob o lema de “Socialismo Sim, Ditadura Não”. Soares e Zenha no palco fazem uma pungente defesa da liberdade e afirmam o PS como o seu garante.
De nada serviu no imediato: a 21 de Janeiro de 1975, o III Governo provisório chefiado por Vasco Gonçalves aprova a lei da unicidade sindical, elaborada sob a responsabilidade do então secretário de Estado do Trabalho, Carlos Carvalhas.
O PCP ganhara a primeira batalha, mas após as legislativas de 25 de Abril de 1976 Mário Soares seria primeiro-ministro do I Governo constitucional e, em Outubro desse ano, a lei da “unicidade” sindical é considerada inconstitucional e revogada. Mesmo assim, só em 1978 haverá espaço legal e político para a criação da UGT como central sindical em igualdade de circunstâncias legais com a CGTP.
A Europa connosco
Portugal integrava a EFTA desde 1960 e, em 1972, Marcello Caetano assinara acordos no plano comercial e económico com a Comunidade Económica Europeia (CEE). A seguir ao 25 de Abril e passado o PREC, Mário Soares ergue como bandeira da adesão de Portugal à CEE. Uma ideia que surgiu como estranha mesmo perante a maioria dos políticos portugueses, incluindo a maioria dos dirigentes máximos do PS.
Mesmo assim Mário Soares não desiste do seu objectivo e, logo na campanha eleitoral para as eleições legislativas de 1976, as ruas conhecem o cartaz do PS que proclamava “A Europa connosco”. A história é conhecida e esta decisão quase unipessoal de Mário Soares foi decisiva para a consolidação e o desenvolvimento do Portugal democrático e moderno.
O pedido formal de adesão foi feito pelo próprio Mário Soares enquanto primeiro-ministro em 1977 e seria ele, de novo como primeiro-ministro do Bloco Central, num dos seus últimos actos formais antes da dissolução do Governo, a assinar o Tratado de Adesão, a 12 de Junho de 1985, no claustro do Mosteiro dos Jerónimos, onde hoje têm início as suas cerimónias fúnebres.
A 1 de Janeiro de 1986, Portugal passou a ser o 11º Estado-membro da CEE, era então primeiro-ministro Cavaco Silva. Pouco depois, a 9 de Março, Mário Soares foi eleito Presidente da República e ocupou o primeiro órgão de soberania de um Portugal membro de pleno direito da Europa. Em menos de uma década, o seu projecto de fazer de Portugal um país europeu e moderno estava a concretizar-se. E o país ia começar a receber os fundos estruturais que seriam essenciais para o desenvolvimento económico.
Lei Barreto
As ocupações selvagens de terras agrícolas iniciaram-se após o 25 de Abril e a Reforma Agrária só foi enquadrada legalmente a 27 de Julho de 1975 pela lei elaborada por Oliveira Baptista, ministro da Agricultura do IV Governo provisório liderado por Vasco Gonçalves.
A Lei Oliveira Baptista estipulava uma classificação das herdades por pontos e determinava que apenas as terras para lá de 50 mil pontos podiam ser expropriadas, enquanto as terras que se situavam na classificação até 55 mil pontos eram uma “reserva” que devia ficar com os seus legítimos proprietários. Com a Reforma Agrária em marcha e iniciada antes de a lei existir, este princípio nunca foi cumprido, nem por Oliveira Baptista nem sequer por Lopes Cardoso, ministro da Agricultura do I Governo constitucional, liderado por Mário Soares.
Foi apenas com a chegada de António Barreto ao Ministério da Agricultura, ainda no I Governo constitucional, que as “reservas” começaram a ser entregues aos legítimos proprietários, numa altura em que existiam já 600 UCP – unidades colectivas de produção. As poucas entregas feitas foram acompanhadas por aparato militar, em que as tropas não levavam munições nas armas, para afastar os ocupantes.
Isto, enquanto o ministro preparava o que ficou para a História como a Lei Barreto de 22 de Julho de 1977. Aí ficou determinado que 34% das herdades eram destinadas às “reservas” dos legítimos proprietários; 32% seriam para pequenos e médios agricultores e 30% eram para a exploração colectivista ou cooperativa. Pela primeira vez, era introduzido na lei o princípio de que, além do direito às “reservas”, os proprietários tinham de ser indemnizados pela parte das suas terras que fossem ou tivessem sido expropriadas. Ainda hoje há indemnizações por pagar.
Abrir a porta ao trabalho precário
A intenção era descongelar o mercado de trabalho e, à época, bem como durante anos, ninguém percebeu a real dimensão da aprovação do Decreto-lei 781/76, de 28 de Outubro de 1976, que alterava as condições do contrato a prazo. Na realidade, esta lei aprovada pelo I Governo constitucional liderado por Mário Soares abriu a porta ao que décadas depois foi classificado como trabalho precário.
Durante as convulsões sociais e económicas do PREC o mercado de trabalho tinha sido congelado, a contratação de trabalhadores por parte dos empresários estava bloqueada e o desemprego crescia. Com a intenção de descongelar o mercado de trabalho e assumindo que a medida seria temporária, o I Governo constitucional decide facilitar o uso de um tipo de contratação de trabalhadores que já existia em Portugal antes do 25 de Abril e que se destinava ao trabalho sazonal e/ou temporário.
O próprio Governo assumia que encarava esta alteração como uma solução de recurso e ela mesma temporária, ao justificar a intenção no preâmbulo da lei: “Tendo ainda em conta que a contratação a prazo, desde que rodeada das necessárias cautelas, pode propiciar, a breve trecho, um significativo aumento da oferta de emprego, susceptível de posterior estabilização.”
Assim ficou estipulado que os trabalhadores podiam ser contratados tendencialmente por períodos de seis meses, ainda que a lei previsse que pudesse ser menos, no caso de se tratar de trabalho sazonal. O limite máximo da vigência deste tipo de vínculo laboral passava a ser três anos. E o grande benefício para o empregador era o facto de apenas ter de informar o empregado sobre se o contrato era renovado ou não, com oito dias de antecedência do termo estipulado. Nesse momento a relação laboral acabava sem que o trabalhador tivesse direito a qualquer indeminização. Foi o abrir de uma porta que nunca mais se fechou.