Um cemitério de aristocratas cheio de turistas
Jazigos exuberantes e nomes sonantes. O Cemitério dos Prazeres é um museu a céu aberto muito procurado por turistas nacionais e estrangeiros. É para lá que vai o corpo de Mário Soares esta tarde.
De um lado a cara. Do outro a mensagem: “Unir os portugueses, servir Portugal”. Os cartazes de homenagem a Mário Soares foram colocados na capela do Cemitério dos Prazeres a meio da tarde desta segunda-feira, no mesmo sítio onde estiveram o rosto e um poema de Mário Cesariny desde a trasladação do poeta, no início de Dezembro.
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De um lado a cara. Do outro a mensagem: “Unir os portugueses, servir Portugal”. Os cartazes de homenagem a Mário Soares foram colocados na capela do Cemitério dos Prazeres a meio da tarde desta segunda-feira, no mesmo sítio onde estiveram o rosto e um poema de Mário Cesariny desde a trasladação do poeta, no início de Dezembro.
A substituição das telas foi apenas um dos muitos sinais da azáfama que se viveu naquele cemitério lisboeta durante todo o dia. Enquanto um grupo de bombeiros e de agentes da polícia ensaiava o protocolo a seguir nas exéquias desta tarde, alguns trabalhadores arrastavam cabos, posicionavam as colunas de som e montavam os palanques de onde será transmitida toda a cerimónia.
Quando atravessar o grande portão em pedra dos Prazeres, o cortejo fúnebre de Mário Soares entrará na companhia de muitos notáveis da política, das artes e da cultura em Portugal. Mário Cesariny, Columbano Bordalo Pinheiro, Natália Correia, Ramalho Ortigão, José Malhoa, José Cardoso Pires, Maria de Lurdes Pintassilgo, Sousa Franco, Craveiro Lopes e Norton de Matos são algumas das personalidades aqui sepultadas.
O Cemitério dos Prazeres não é o maior e não é o mais antigo, mas é certamente o mais famoso de Lisboa. Não só pelo rol de nomes conhecidos que se encontram porta sim, porta sim, mas sobretudo pela arquitectura de muitos jazigos, que demonstra que este é um cemitério “muito mais aristocrata” do que o do Alto de São João, explica ao PÚBLICO Francisco Queiroz, investigador em História de Arte da Universidade do Porto com muito trabalho académico sobre os cemitérios portugueses.
É pela grandiosidade do jazigo do Duque de Palmela, pelo rendilhado da capela Pinto Leite ou pela exuberância do jazigo de Carvalho Monteiro que o cemitério é também muito procurado por turistas. “O morto é apenas o móbil do crime”, ri-se Licínio Fidalgo, que faz visitas guiadas ao recinto e esteve ontem a supervisionar os trabalhos junto ao local onde serão prestadas as últimas homenagens ao ex-Presidente. “Se nós começarmos a ver isto bem, vai muito para além do sítio onde se põem os mortos”, explica este técnico da Câmara Municipal de Lisboa.
Construído para mortos, desfrutado pelos vivos
A ideia de enterrar os mortos nesta zona alta da cidade remonta a 1833, quando uma epidemia de cólera matou milhares de pessoas na capital. Inicialmente era para ser provisório, mas “toda a gente em Lisboa sabia que o cemitério teria de ser permanente” e “foi uma questão de meses” até assumir essa condição, explica Francisco Queiroz. Os jazigos trabalhados e os nomes sonantes vieram pouco depois, à medida que a aristocracia ia ocupando as Amoreiras, o Rato, Campo de Ourique e a Lapa, e construía casas tão sumptuosas para a morte como as que ocupava em vida. “O túmulo tem de estar equiparado ao estatuto socio-económico e cultural da família”, acrescenta o investigador, que explica que as figuras da nobreza e alta burguesia da altura “estavam muito preocupadas com ‘o que é que os outros vão dizer?’”.
“Isto é construído para os mortos, mas para que os vivos desfrutem”, diz Licínio Fidalgo, apontando os canteiros ajardinados, as extensas áleas de ciprestes, os brasões nos jazigos e os bancos ao longo das ruas. Hoje, além dos familiares dos cerca de 400 mil mortos que aqui se encontram, quem desfruta são turistas. “Alemães é o forte, mas já começamos a ter muitas pessoas de Leste, muitos italianos e pessoas de língua francesa”, explica Licínio, que realiza visitas guiadas todos os meses ou a pedido. O cemitério tem mais de sete mil jazigos e, para enquadrar tal vastidão, os técnicos têm dez percursos definidos, consoante o interesse dos visitantes seja a arquitectura, a simbologia, a escultura ou os próprios sepultados. "Podem-se fazer em estilo peddy-paper", afirma.
Um dos jazigos que Licínio Fidalgo tem para mostrar aos visitantes é o de Jaime Cortesão, onde o cortejo fúnebre de Mário Soares vai fazer uma paragem. Situado logo ao lado da capela, o monumento, da autoria de Keil do Amaral, é composto simplesmente por duas paredes paralelas. Foi lavado esta segunda-feira à tarde. Sobre uma estrutura metálica, onde estão as datas de nascimento e morte do médico, historiador e lutador antifascista, foram colocadas duas rosas amarelas. As mesmas que estão no jazigo da família Soares. As flores preferidas de Maria Barroso.