Comerciantes surpreendidos com Imposto do Selo sobre pagamentos com cartões
Governo criou medida no OE de 2016, aprovado em Março, mas só em Dezembro a Redunicre começou a cobrar o imposto aos comerciantes. Ahresp duvida da legalidade da medida.
O Imposto do Selo de 4% sobre as comissões cobradas pelos bancos nos pagamentos com cartões começou a ser repercutido e cobrado aos comerciantes nove meses depois de ter entrado em vigor. A medida foi aprovada no Orçamento do Estado (OE) de 2016, cuja lei foi publicada a 30 de Março, mas apenas em Dezembro a Redunicre começou a cobrar aos empresários. Esta é uma marca da Unicre e tem a maior rede de aceitação de cartões do país, com 80 mil terminais.
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O Imposto do Selo de 4% sobre as comissões cobradas pelos bancos nos pagamentos com cartões começou a ser repercutido e cobrado aos comerciantes nove meses depois de ter entrado em vigor. A medida foi aprovada no Orçamento do Estado (OE) de 2016, cuja lei foi publicada a 30 de Março, mas apenas em Dezembro a Redunicre começou a cobrar aos empresários. Esta é uma marca da Unicre e tem a maior rede de aceitação de cartões do país, com 80 mil terminais.
À Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (Ahresp) têm chegado queixas de empresários, surpreendidos com o pagamento de mais uma taxa. José Manuel Esteves, director geral da organização com 20 mil sócios, admite estar “muito preocupado” com a cobrança do imposto, aplicado aos chamados descontos de serviço ao comerciante. “Estamos a estudar a urgente interpretação legal desta decisão unilateral que, além de injusta e prepotente, é ilegal. A breve trecho daremos notícia sobre a posição oficial. Perante este conhecimento não aceitamos”, disse ao PÚBLICO.
Na carta que está a enviar aos clientes, a Redunicre começa por invocar a alteração na tabela geral do Imposto do Selo que passou a ser aplicado às “taxas relativas a operações baseadas em cartões”. Em cumprimento do “artigo nº 153 sobre a referida Lei, a Unicre informa que iniciará a cobrança a partir de 1 de Dezembro de 2016.
A título de exemplo, detalhado na carta, numa compra de 25 euros paga com cartão o comerciante paga uma taxa de serviço de 1% sobre este valor (ou seja 25 cêntimos). Aplica-se, em seguida, o Imposto do Selo de 4% sobre estes 25 cêntimos (o que dá um cêntimo). O comerciante desembolsa, assim, um total de 26 cêntimos.
Em 2015, as compras com cartões feitas nos terminais da Redunicre somaram 16.600 milhões de euros, conseguidos num total de 428,2 milhões de transacções. Esta unidade de negócio da Unicre está a ser cobiçada pela Sibs, a dona e gestora do Multibanco que avançou com uma proposta de aquisição, ainda a ser analisada pela Autoridade da Concorrência.
Questionada pelo PÚBLICO sobre a cobrança do Imposto do Selo aos clientes, fonte oficial da empresa diz que estão a ser aplicados “estritamente os normativos decorrentes da alteração à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº. 7-A/2016”, o diploma do OE, que entrou em vigor a 30 de Março. E de acordo com esta alteração “a incidência económica do imposto decorrente de operações baseadas em cartão recai sobre os clientes das instituições financeiras”, garante.
Na lei em causa o Imposto do Selo é descrito apenas como “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões — 4 %”, não havendo referência directa aos clientes.
À pergunta sobre por que motivo só agora o custo foi repercutido nos comerciantes, a Unicre diz que só recentemente foram concluídos os “desenvolvimentos técnicos necessários à implementação da medida governamental”.
O Ministério do Finanças preferiu não se pronunciar sobre o caso concreto da Unicre, mas lembrou que o Imposto do Selo “já era devido anteriormente, tendo o OE de 2016 apenas clarificado a sua exigibilidade”. Ou seja, as instituições financeiras já o pagavam, mesmo que não o cobrassem desta forma aos comerciantes.
O ministério de Mário Centeno não adiantou quanto é que o Estado arrecadou em 2016 com esta receita. Fonte oficial diz que as instituições financeiras entregam o imposto “conjuntamente em relação a um vasto conjunto de operações, sendo aqueles montantes posteriormente detalhados e confirmados em sede de inspecção tributária”. Por isso, “não é possível discriminar até ao momento a receita de Imposto do Selo recebida especificamente em relação às taxas de pagamento baseadas em cartões”.
Quando apresentou o OE, em Fevereiro do ano passado, Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, detalhou que o Estado “não cobra nem ao cliente, nem ao comerciante”. “O imposto é aplicado sobre a comissão que é cobrada pelo banco no terminal de pagamento”, disse. Contudo, admitiu que não poderia controlar a forma como os “agentes económicos repercutem os impostos”. Na altura, disse ainda que o Imposto do Selo vinha clarificar uma norma que suscitou um diferendo entre a banca e a Autoridade Tributária e que se arrastava há dois anos.