O dia voltou a estar “bonito” para Mário Soares nos Jerónimos
As cerimónias fúnebres do ex-Presidente da República levaram-no de volta a um dos lugares mais simbólicos da sua governação, onde assinou a adesão à CEE. Milhares de pessoas já lhe prestaram homenagem.
“O dia estava bonito”. Foi este o comentário de Mário Soares a 12 de Junho de 1985, dia em que o então primeiro-ministro do Governo do bloco central assinou o tratado de adesão à Comunidade Económica Europeia, nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos. Quase 33 anos depois, o dia voltou a estar bonito naquele lugar, desta vez para o adeus ao ex-Presidente da República.
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“O dia estava bonito”. Foi este o comentário de Mário Soares a 12 de Junho de 1985, dia em que o então primeiro-ministro do Governo do bloco central assinou o tratado de adesão à Comunidade Económica Europeia, nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos. Quase 33 anos depois, o dia voltou a estar bonito naquele lugar, desta vez para o adeus ao ex-Presidente da República.
As centenas de pessoas que, nos jardins de Belém, aplaudiram e gritaram “Soares é Fixe” quando o corpo de Mário Soares chegou aos Jerónimos ao início da tarde, caíram num arrepiante, longo e profundo silêncio no momento em que a urna coberta com a bandeira de Portugal era transportada para o interior do mosteiro ao som da marcha fúnebre de Chopin tocada pela banda da GNR. Um silêncio quebrado por um grito uma mulher quando o corpo já estava no interior: “Viva Mário Soares, ficarás para sempre nos nossos corações.”
A presidir ao funeral de Estado, estava o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Junto a ele estava Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques - a representar o Governo, em substituição do primeiro-ministro, de visita à Índia -, os antigos deputados socialistas Miranda Calha e Manuel Alegre, a mulher de António Costa, Fernanda Tadeu, e o filho.
Foram eles que receberam nos Jerónimos o cortejo fúnebre, os filhos de Mario Soares, João e Isabel, os netos e os familiares mais próximos.
Depois das honras militares, prestadas por 131 militares da GNR em parada no largo fronteiro aos Jerónimos, a urna foi transportada para a Sala dos Azulejos. Aos seus pés, foram depositadas coroas de flores em nome do Presidente da República, do presidente da Assembleia da República e do primeiro-ministro. Depois de familiares e amigos mais próximos de Soares lhe prestarem homenagem, as portas do velório foram abertas.
Desde então, milhares de pessoas foram prestar-lhe homenagem, no primeiro dos três dias de luto nacional, na Sala dos Azulejos, ao lado dos claustros onde esta terça-feira será celebrada uma sessão evocativa a partir das 13 horas, antes do funeral que se realiza às 17h no Cemitério dos Prazeres. Entre elas, inúmeras personalidades, sobretudo da política e da cultura, mesmo se tiveram divergências em vida com Soares.
Pelas 14 horas chegou a primeira comitiva política, a do PCP, chefiada por Jerónimo de Sousa. “Quem escreve a história são os vencedores, mas a história não se apaga. Temos a nossa própria visão da História”, disse aos jornalistas quando confrontando com os comentários ouvidos nos últimos dias de que Mário Soares esteve do lado certo da História e que evitou uma ditadura comunista. Jerónimo preferiu sublinhar o papel de Mário Soares na luta contra a ditadura de Salazar.
Pouco depois, o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, não quis falar sobre episódios que tenha partilhado com Soares, preferindo dizer que este é o momento de o país prestar uma "última e merecida homenagem" e de falar do "significado da sua intervenção cívica e política".
Mais tarde, a líder bloquista, Catarina Martins, sublinhava que Mário Soares, apesar de ter estado “muitas vezes” em “conflito” com a esquerda, “seguramente será recordado pelo Bloco de Esquerda pelas vezes que lutámos juntos contra a Guerra do Iraque ou contra a troika”.
"Independentemente de, nalgum ponto, termos discordado ou concordado com Mário Soares, este é um justo reconhecimento", garantiu por seu lado a líder do CDS, Assunção Cristas, sublinhando que a razão de Portugal viver numa democracia foi "o trabalho de homens como Mário Soares, e com Mário Soares à cabeça".
Os antigos Presidentes da República Jorge Sampaio e Ramalho Eanes também marcaram presença, mas se o socialista preferiu sair em silêncio, já o primeiro chefe de Estado eleito em democracia considerou Soares como um "co-autor relevante" de diferentes acontecimentos políticos de Portugal, recordando que, “nas grandes questões”, estiveram juntos ou muito próximos.
MNE regressou da Índia
A meio da tarde, chegou aos Jerónimos o ministro dos Negócios Estrangeiros, chefe do Protocolo de Estado e segunda figura da hierarquia do Governo, que regressou mais cedo da Índia, onde estava numa visita de Estado com o primeiro-ministro. Aos jornalistas, Augusto Santos Silva considerou que António Costa ter permanecido na visita “cumpre” os ensinamentos de Soares sobre a democracia: “É sempre possível arranjar soluções para os problemas”. Na sua opinião, “é uma bela homenagem a Mário Soares. Tenho a absoluta certeza que ele compreenderia”.
Ao longo do dia, muitas outras personalidades passaram pela Sala dos Azulejos dos Jerónimos. Como José Sócrates, que lembrou o apoio que teve de Soares nos últimos anos: “Foi um homem que esteve ao meu lado nos últimos tempos (…), um grande amigo” por quem tem “um carinho e até um amor fraternal que ficará para sempre”.
Outros socialistas, cujos caminhos políticos divergiram dos de Soares, não guardam agora mágoa por isso. "Fomos amigos, como irmãos até ao fim. Às vezes entre irmãos há sarilhos que depois se resolvem", referiu Manuel Alegre, numa referência a alguns episódios de controvérsias com Soares e à disputa eleitoral a Belém de 2006. Ou António José Seguro, que questionado pelos jornalistas sobre as divergências com o fundador do PS, justificou-as com o facto de que pensavam ambos pela sua cabeça, mas que " tudo isso é pequenino perante o legado" que Mário Soares deixa a Portugal.
A emoção marcou as cerimónias desde a manhã, logo no início do cortejo fúnebre junto à casa em que Soares sempre viveu, no Campo Grande em Lisboa. Na rua com o nome do pai, João Soares, mais de um milhar de pessoas aplaudiram a chegada do carro funerário com os primeiros gritos de “Soares é fixe” a serem ouvidos. Depois, o carro fúnebre parou junto ao Colégio Moderno, propriedade da família, onde foi prestada homenagem ao antigo chefe de Estado com uma prolongada salva de palmas.
O cortejo seguiu então para a Câmara de Lisboa, acompanhado por uma escolta da GNR constituída por 30 motociclistas da Unidade de Segurança e Honras de Estado. Na Praça do Município, a urna foi transferida para o armão (carro funerário militar) de tracção animal, o mesmo que transportou os restos mortais de Eusébio e Amália Rodrigues para o Panteão Nacional.
Em frente à Câmara Municipal, lugar simbólico da República, houve momentos de grande emoção. Da família - os netos de Soares choraram ao entregar as insígnias do avô aos militares da GNR, os filhos João e Isabel abraçaram emocionados amigos ali presentes -, do presidente da câmara, Fernando Medina, ao colocar um cravo vermelho na bandeira que cobria a urna, rodeada de rosas brancas -, de personalidades como a deputada Isabel Moreira, que o conhecia “desde sempre”, e de muitos anónimos.
A charrete puxada por duas parelhas de cavalos, seguida de uma comitiva de 84 binómios de cavalaria (homens e cavalos) seguiu então pelas ruas da cidade até ao Mosteiro dos Jerónimos. É dali que esta terça-feira à tarde sai o cortejo fúnebre, o primeiro com honras de Estado em democracia.