A melhor homenagem a Soares
É hora de olharmos para os manuais escolares e pensarmos o que queremos ensinar aos nossos filhos sobre a nossa história moderna. Nenhum país se constrói sem partir de uma forte e orgulhosa memória colectiva.
Hoje o país sairá à rua para prestar uma última homenagem a Mário Soares. Será justa, porque Soares não foi ímpar, foi único — pelo papel que teve antes do 25 de Abril, daí até ao 25 de Novembro, daí até à adesão à CEE e, depois, por ter sido o primeiro civil eleito Presidente da República.
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Hoje o país sairá à rua para prestar uma última homenagem a Mário Soares. Será justa, porque Soares não foi ímpar, foi único — pelo papel que teve antes do 25 de Abril, daí até ao 25 de Novembro, daí até à adesão à CEE e, depois, por ter sido o primeiro civil eleito Presidente da República.
Mas dizer isto não é dizer que Mário Alberto Nobre Lopes Soares tenha sido um líder unânime. Dificilmente isso seria possível tão cedo. Dificilmente isso seria possível em democracia (e ainda bem, como ele nos ensinou). Dificilmente esse consenso poderia nascer no contexto daqueles anos, os mais difíceis, mais turbulentos e extraordinários da nossa história colectiva recente.
Se a morte de Soares não poderia trazer-nos unanimidade, dá-nos pelo menos a possibilidade de virarmos uma página da nossa democracia. Porque Soares já não está entre nós, mas porque também já perdemos Cunhal, Sá Carneiro, Amaro da Costa, Almeida Santos, Spínola, Melo Antunes (entre tantos outros que marcaram os primeiros anos do resto das nossas vidas), é hora de olharmos para os manuais escolares e pensarmos o que queremos ensinar aos nossos filhos sobre a nossa história moderna — sobre como nasceu o país que hoje temos.
Como explica a Natália Faria, num texto que hoje assina aqui no PÚBLICO, um aluno que agora entre no ensino obrigatório só passará pelo nome de Mário Soares três vezes, algures nos livros do 6.º, 9.º e 12.º anos. Talvez passe só duas vezes, se pelo caminho quiser seguir Ciências e dispensar a História. Nesses anos, fala-se da descolonização, do primeiro Governo eleito, da adesão à CEE — e pouco mais. Não por desprezo, não por ignorância, mas largamente porque a nossa história ainda se faz a quente, ainda se faz a medo.
Nenhum país se constrói, nenhum país se levanta sem partir de uma forte e orgulhosa memória colectiva: 42 anos depois, a morte de Mário Soares dá-nos a oportunidade de abrir esse debate, de escrever mais uns capítulos nesses manuais escolares, de replicá-los por outros anos. Não sobre Soares, mas sobre os que reconstruíram as nossas histórias, os que fizeram o Portugal moderno.
Hoje, nas centenas de escolas de Portugal inteiro, muitos professores terão a primeira oportunidade de fazer esse caminho, falando de Soares aos nossos filhos. Nos próximos meses, os nossos historiadores, as nossas editoras e os nossos políticos terão também a sua vez. Assim poderemos olhar para a frente com a cabeça bem levantada. Dizendo, ou não, que Soares foi fixe, essa é a melhor maneira de lhe prestar a nossa homenagem.