A braços com as ameaças do "Brexit", Irlanda do Norte fica sem Governo

Vice-primeiro-ministro Martin McGuinness demite-se em ruptura com unionistas por causa de um escândalo que custou milhões aos cofres estatais. Eleições vão coincidir com preparação das negociações de Londres com a UE.

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May com Arlene Foster e Martin McGuinness Charles McQuillan/Reuters

A instabilidade está de regresso à Irlanda do Norte, mas desta vez não por causa das disputas que há décadas ensombram a convivência entre unionistas e republicanos – ou pelo menos não directamente. No centro da polémica está um plano de incentivo ao uso de energias renováveis que se revelou ruinoso para os contribuintes, mas a demissão, anunciada esta segunda-feira, de Martin McGuinness do cargo de vice-primeiro-ministro acaba por ditar a queda do governo que unia o Sinn Féin aos rivais do Partido Democrático Unionista (DUP), abrindo caminho a eleições que vão coincidir com os preparativos em Londres para o início das negociações de saída do país da União Europeia.

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A instabilidade está de regresso à Irlanda do Norte, mas desta vez não por causa das disputas que há décadas ensombram a convivência entre unionistas e republicanos – ou pelo menos não directamente. No centro da polémica está um plano de incentivo ao uso de energias renováveis que se revelou ruinoso para os contribuintes, mas a demissão, anunciada esta segunda-feira, de Martin McGuinness do cargo de vice-primeiro-ministro acaba por ditar a queda do governo que unia o Sinn Féin aos rivais do Partido Democrático Unionista (DUP), abrindo caminho a eleições que vão coincidir com os preparativos em Londres para o início das negociações de saída do país da União Europeia.

Ao abrigo das regras que ditam a partilha de poder entre republicanos e unionistas, se o Sinn Féin não nomear um sucessor para o lugar de McGuinness no prazo de sete dias (o que o partido já assegurou que não fará), cabe ao ministro britânico para a Irlanda do Norte, James Brokenshire, convocar novas eleições. Segundo a BBC, o novo escrutínio deverá acontecer dentro de seis semanas, ou seja em finais de Fevereiro, a menos de um mês do prazo previsto pela primeira-ministra britânica, Theresa May, para accionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa.

E se o “Brexit” já ameaçava desestabilizar a região – tal como a Escócia, a Irlanda votou a favor da permanência na UE e a saída poderá obrigar à reposição de controlos na fronteira que desapareceram com os acordos de paz de 1998 – a antecipação das eleições, no actual clima político, não deverá contribuir para serenar os receios.

Um risco que McGuinness diz, no entanto, ser necessário para resolver a situação criada pela recusa de Arlene Foster, líder do DUP e chefe do governo autónomo há exactamente um ano, em demitir-se, pelo menos enquanto durasse o inquérito ao polémico esquema de incentivos, por cuja gestão foi responsável enquanto secretária para o Comércio de Investimento.

“A sua posição não é credível nem sustentável”, escreve na carta de demissão o antigo comandante do Exército Republicano Irlandês (IRA), que foi o principal negociador do Sinn Féin durante as negociações que conduziram ao acordo de paz de 1998 e que era há uma década o rosto dos republicanos no governo de partilha de poder. “A gestão do DUP destes assuntos está completamente desfasada da reacção dos eleitores, que estão justamente revoltados com o esbanjamento de dinheiro público e com as suspeitas de irregularidades e corrupção.”

Criado em 2012, o Incentivo para o Aquecimento Renovável (RHI) é atribuído a empresas, explorações agrícolas e outros consumidores não-domésticos que usem energias alternativas (queimadores de biomassa, painéis solares e bombas de calor), atribuindo 1,6 libras (1,8 euros) por cada libra gasta com aquecimento. Depressa se percebeu que o esquema era um passaporte para abusos – havia empresários a aquecer armazéns vazios apenas para receber apoios, o que era possível porque não havia um tecto máximo previsto, ao contrário do que sucede com um esquema semelhante em Inglaterra.

Mas o plano demorou a ser encerrado (centenas de empresários aproveitaram os últimos meses para apresentar a candidatura) e quando finalmente o escândalo veio a público, em Fevereiro de 2016, os contribuintes ficaram a saber que será pago aos beneficiários durante 20 anos, gerando custos estimados de mais de 500 milhões de libras (575 milhões de euros).

Em Dezembro, Arlene Foster sobreviveu a uma moção de censura e, numa entrevista publicada horas antes da demissão de McGuinness, a primeira-ministra da Irlanda do Norte assegurava que não ia ceder à pressão dos parceiros de governo. “Se houver eleições, o DUP estará pronto, como sempre esteve”, disse.

Tanto o Governo britânico como o congénere irlandês vieram já pedir diálogo aos líderes dos dois maiores partidos da Irlanda do Norte para protegerem os acordos de paz e as instituições autónomas que hoje são garante da convivência pacífica. Mas na carta de demissão, McGuinness afirma que “estas instituições só têm valor se gozarem da confiança e do apoio do povo que nasceram para servir”.

A ruptura promete tornar ainda mais acintosa a campanha eleitoral, tornando ainda mais difícil o entendimento a que os dois partidos terão de chegar para formar um novo governo se, como é provável, se mantiverem como os mais votados em cada uma das suas comunidades, ameaçando paralisar as instituições autónomas. No entanto, a expectativa do Sinn Féin, escrevem os correspondentes dos jornais britânicos em Belfast, é que o DUP saia fragilizado do escândalo e a divisão de votos entre os unionistas lhe permita tornar-se o partido mais votado, cabendo-lhe então nomear o futuro primeiro-ministro – um lugar que poderá já não ser de McGuinness, que foi recentemente obrigado a cancelar uma visita à China por razões de saúde e continua debilitado.