Desculpe, o pai também muda fraldas
“Ver um pai a mudar a fralda a um bebé, a dar-lhe a sopa ou a levá-lo ao médico já deixou de ser uma raridade em Portugal. O que só diz bem de todos nós: dos pais e do país.”
Confesso que fiquei um pouco desconfiado na primeira vez em que ouvi o nome “Curso de Preparação para o Parto (CPP)”. Mas como a paternidade era uma novidade absoluta e não havia bebés de amigos por perto, era bem-vinda toda a informação sobre como tratar de um recém-nascido.
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Confesso que fiquei um pouco desconfiado na primeira vez em que ouvi o nome “Curso de Preparação para o Parto (CPP)”. Mas como a paternidade era uma novidade absoluta e não havia bebés de amigos por perto, era bem-vinda toda a informação sobre como tratar de um recém-nascido.
Fui e gostei muito. Aprendi a mudar fraldas num boneco, vi como se dá banho, como se limpa o cordão umbilical ou como se pode fazer massagens em caso de cólicas. E, mais importante ainda, fiquei a saber o essencial sobre quando ir para a maternidade e o que fazer para ajudar a mãe naquelas horas críticas de sofrimento em que a criança nasce-não nasce.
Senti-me como um treinador preparadíssimo para uma grande final. Até que chegou o dia. Aos primeiros sinais relevantes, fomos para a maternidade. Primeiro fiquei à porta e depois deixaram-me finalmente entrar no quarto. Levei as revistas, as bolachas e os sugus – dica da professora do CPP, porque, disse ela, muitos pais não se alimentam devidamente e caem para o lado na hora da verdade.
E fui dando todo o apoio que podia à mãe. Quando as coisas começaram a aquecer, pus em prática o que tinha aprendido. E – qual treinador – dava dicas à mãe sobre como ela devia respirar. Só que o rapaz não queria sair e foi preciso subir para o bloco operatório para lhe dar uma ajuda-extra a sair.
Estávamos em 2012 numa maternidade pública e, por isso, o pai teve de ficar à porta. Nem imaginam como é frustrante ficar do lado de fora naquele momento, chutado para um corredor escuro, onde cada minuto parece um século. E, pior, sabendo que noutros hospitais (os privados) isso não aconteceria.
Foi, por isso, que aplaudi o enorme progresso feito em Abril de 2016, quando finalmente o Serviço Nacional de Saúde passou a permitir que os pais assistam aos partos por cesariana. Ou que fiquei satisfeito pelo facto de a licença parental inicial obrigatória ter sido aumentada para 15 dias.
Ver um pai a mudar a fralda a um bebé, a dar-lhe a sopa ou a levá-lo ao médico já deixou de ser uma raridade em Portugal. Tornou-se até habitual, o que só diz bem de todos nós: dos pais e do país. É claro que as generalizações são perigosas, e haverá ainda umas quantas bolsas de resistência, mas muitos pais não abdicam hoje de dividir a tarefa (e os prazeres) de tratar dos filhos.
Portugal tem feito enormes progressos. Medidas como o alargamento da licença de parentalidade ou a permissão de assistir ao parto não são meros detalhes. São fundamentais para integrar os pais. Quanto mais presente um pai estiver nos primeiros momentos de vida de um bebé, mais vai querer estar nos tempos seguintes.
No meu caso, exceptuando o momento biológico da amamentação, fiz e faço questão de fazer tudo o que a mãe faz. Os meus filhos sabem que tanto pode ser o pai como a mãe a deitá-los, a dar-lhes banho, a fazer-lhes o almoço, a ir buscá-los à escola. Tanto pode ser o pai ou a mãe a dar-lhes um abraço, um miminho, a ler-lhes uma história ou pô-los de castigo se for necessário. O pai e a mãe são iguais.
E é precisamente por achar que pais e mães são (e devem ser) iguais, que ainda me irritam algumas situações. Como aqueles comentários até abonatórios à primeira vista quando resolvo ir às compras sozinho com os dois filhos e a empregada da loja dispara: “É preciso ter coragem para vir sozinho com eles...” — é verdade que é preciso coragem, mas vi dezenas de mães sozinhas em iguais circunstâncias e imagino que elas não oiçam o mesmo comentário.
Ou, ainda mais irritante, a falta de fraldários que possam ser usados pelos pais. É verdade que já há muitos locais públicos (especialmente centros comerciais) com fraldários em casas de banho que podem ser usadas por pais e mães, mas ainda subsistem demasiados casos em que o fraldário é um exclusivo dos WC femininos. O caso mais recente aconteceu-me há meses e numa zona relativamente nova da cidade de Lisboa, onde seria suposto que o restaurante estivesse já adaptado à realidade dos nossos dias. E — como estava a almoçar sozinho com as crianças enquanto a mãe trabalhava — não tive outro remédio que não fosse invadir a casa de banho feminina para trocar a mal-cheirosa fralda. Apesar de ser evidente o propósito da dita invasão, fui premiado com uns quantos olhares interrogativos e claramente reprovadores. Sabem como respondi? “Desculpe, mas o pai também muda fraldas”.