Negócios à moda do faroeste
Vender o Novo Banco desta forma é convidar John Grayken a destruir-nos valor e pagar-lhe, caso ele não consiga lucrar com isso.
Há uma coisa que temos de saber sobre o potencial novo dono do Novo Banco: não se consegue saber grande coisa sobre ele, e isso é mau. O Banco de Portugal confirma que ele tem dinheiro para comprar aquele que já foi o Banco Espírito Santo. Isto é mais do que podem dizer os outros candidatos a compradores, que não conseguiram fazer prova das centenas de milhões de euros que oferecem pelo banco. Mas se essa é a única razão para tomar uma decisão, é uma razão perigosa e seria uma decisão errada.
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Há uma coisa que temos de saber sobre o potencial novo dono do Novo Banco: não se consegue saber grande coisa sobre ele, e isso é mau. O Banco de Portugal confirma que ele tem dinheiro para comprar aquele que já foi o Banco Espírito Santo. Isto é mais do que podem dizer os outros candidatos a compradores, que não conseguiram fazer prova das centenas de milhões de euros que oferecem pelo banco. Mas se essa é a única razão para tomar uma decisão, é uma razão perigosa e seria uma decisão errada.
Claro que John Grayken tem dinheiro. Desde que fundou a Lone Star Funds, há pouco mais de 20 anos, lucrou 20% todos os anos, e este ano o seu fundo chegou a uma capitalização de 60 mil milhões de euros, ou seja, mais rico do que o Luxemburgo. O próprio Grayken tem cerca de seis mil milhões em seu nome. Pelo nome que deu ao seu fundo de investimentos — Lone Star, a “estrela solitária”, que é o símbolo do Texas — poderíamos julgar que se trata de uma pessoa apegada ao lugar onde fundou a empresa, Dallas, nesse estado norte-americano. Mas Graykon não é apegado a lugar nenhum. Em 1999 abandonou a nacionalidade americana por razões fiscais. Tornou-se irlandês. Também não vive na Irlanda, mas em Londres, de onde comanda a sede da sua empresa em Nova Iorque. Tem o cuidado de nunca passar mais de 120 dias por ano nos EUA para não pagar impostos ao seu país natal. Não se lhe conhece qualquer filantropia, projeto social ou visão do mundo. Uma coisa é certa: experiência na compra de bancos não lhe falta. Só que é a experiência contrária à de que precisamos.
Resuma-se a história. Nos anos 80 e 90 do século passado os EUA passaram por uma crise do sistema financeiro — a Savings and Loan crisis — que de certa forma prefigurou a nossa Grande Recessão de 2008. Essa crise teve origem na desregulação de um sistema semibancário de “Caixas de Poupança e Crédito” (as tais Savings and Loan) que passaram a poder investir no imobiliário quase sem supervisão. Mais de metade das famílias americanas chegou a ter a sua hipoteca neste sistema. Quando a bolha rebentou, as caixas faliram, muitas famílias perderam as casas e cerca de mil bancos pequenos e grandes foram arrastados. Foi então que John Grayken aprendeu a arte dos “fundos abutre”: comprar um banco em apuros, aproveitar ativos, despedir funcionários, vender o que tem valor e desembaraçar-se do resto. Repetiu a receita mundo afora, da crise asiática de 1997 à Irlanda dos últimos anos. Agora desembarca na ocidental praia lusitana para comprar o Espírito Santo.
Claro que o Banco de Portugal tem outro caderno de encargos em mente. Segundo afirmou no seu comunicado de ontem, pretende negociar com a Lone Star para preservar o valor do Novo Banco. Esta diz que sim, desde que haja uma garantia do Estado para os prejuízos. Se o contribuinte português pagar, o abutre diz que canta como o rouxinol. Mas, nesse caso, não há justificação para lhe vendermos o terceiro maior banco nacional, ao qual recorre uma boa parte da economia nacional para o seu financiamento — atividade na qual, de resto, Grayken tem pouco ou nenhum interesse. Para não falar nos riscos que correm milhares de famílias que têm hipotecas ao Novo Banco: na Irlanda, os bancos da Lone Star executam a hipoteca de famílias mesmo quando estas pagam até 96% do seu empréstimo. Em suma: países avisados não deixam John Grayken entrar no seu sistema bancário.
Pagar por pagar, o Estado pode nacionalizar o Novo Banco à espera de um melhor momento para o vender (se não com lucro, pelo menos com a garantia de que ele continuará a desempenhar um papel construtivo na economia nacional) ou nacionalizar com uma estratégia a longo prazo que complemente a da Caixa Geral de Depósitos. Mas vender o Novo Banco desta forma é convidar John Grayken a destruir-nos valor e pagar-lhe, caso ele não consiga lucrar com isso. Pelos vistos, a única coisa que o senhor guardou do Texas foi a capacidade de fazer negócios à moda do faroeste.