José Pedro Croft: O escultor que vai dialogar com a arquitectura de Siza
Vai ter um ano em cheio de exposições. Mas o acontecimento principal na actividade de José Pedro Croft em 2017 é a participação na Bienal de Veneza como único artista a representar Portugal.
Vai ter um ano cheio. Em Fevereiro estará no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Em Março, na galeria Senda, em Barcelona. Em Maio, na galeria Bernard Bouche, em Paris, e no Chiado 8, com obras da colecção Cachola, exposição comissariada por Delfim Sardo. Em Junho estará na Art Basel com uma individual pela galeria Helga de Alvear. E em Novembro abre uma individual na galeria Vera Cortês, com quem passou a trabalhar há pouco tempo. Mas a lista não dá conta daquele que vai ser o acontecimento principal na actividade de José Pedro Croft em 2017: a participação na Bienal de Veneza como único artista a representar Portugal .
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Vai ter um ano cheio. Em Fevereiro estará no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Em Março, na galeria Senda, em Barcelona. Em Maio, na galeria Bernard Bouche, em Paris, e no Chiado 8, com obras da colecção Cachola, exposição comissariada por Delfim Sardo. Em Junho estará na Art Basel com uma individual pela galeria Helga de Alvear. E em Novembro abre uma individual na galeria Vera Cortês, com quem passou a trabalhar há pouco tempo. Mas a lista não dá conta daquele que vai ser o acontecimento principal na actividade de José Pedro Croft em 2017: a participação na Bienal de Veneza como único artista a representar Portugal .
O convite surgiu há cerca de um ano, quando João Pinharanda, curador e crítico de arte, actual conselheiro cultural na Embaixada de Portugal em Paris, lhe telefonou. “Fui abordado pelo João Pinharanda faz agora um ano, dizendo-me que tinha sido convidado para ser o curador da representação portuguesa à próxima Bienal de Veneza. Ele já tinha sido contactado meses antes, mas eram necessárias autorizações governamentais, tinha mudado o Governo, etc., e só naquela altura, em Dezembro, é que estava em condições de me formalizar o convite. Na altura, o ministro da Cultura era o João Soares. E o João Pinharanda acrescentou: 'Tens que guardar segredo total. O anúncio da representação portuguesa é um anúncio político, por isso temos que aguardar luz verde antes de podermos falar.' Uma das coisas que veio com o convite foi a obrigatoriedade de estabelecer um diálogo com o Siza.” Recorde-se que Siza Vieira ganhou nos anos 1980 um projecto para habitação social na Giudecca, em Veneza, um conjunto de dois edifícios que nunca chegou a ser concluído. A sua participação na Bienal de Arquitectura, no próprio local do estaleiro do Campo di Marte, significou também o retomar das obras para a construção do segundo edifício que nunca tinha passado do papel.
Deste modo, e pela primeira vez de modo totalmente explícito, as representações portuguesas às bienais de Veneza de arquitectura, que teve lugar em 2016, e de Artes Plásticas, que abrirá em Maio, estão estreitamente imbricadas num trabalho a dois, entre arquitecto e escultor. Ao mesmo tempo, o modelo da participação portuguesa retoma um paradigma que tem sido quase sempre a norma, e que implica o convite a um curador para que pense a exposição.
Representar Portugal na bienal de Veneza significa sempre o início de uma internacionalização segura do trabalho do artista. Veneza é uma montra excepcional, e nos dias que antecedem a abertura da Bienal todo o universo de artistas, curadores, galeristas, directores de museu – bem como todos os que, ainda não sendo nada disso, têm esperança de o vir a ser um dia – se acotovela nos Giardini, no Arsenale ou nas centenas de exposições individuais que se espalham por todas as ilhas da Laguna. A peça de Croft ficará na Giudecca, perto das construções de Siza Vieira, embora o lugar exacto das suas peças seja ainda segredo. Pensou num primeiro projecto para o Campo di Marti, ilha pouco turística e de características operárias. Mas essa ideia acabou por evoluir autonomamente. É deste processo que nos dá aqui conta.
Como é a história da instalação escultórica que vamos ver na Bienal? O que é que já pode desvendar deste projecto?
A primeira peça que imaginei, a partir da métrica do Siza, foram três pórticos. Isto porque tive que pensar rapidamente numa peça para orçamentar, e que simultaneamente estivesse à escala do conjunto. As formas retomavam a cruz, o quadrado e o círculo, o azul o amarelo e o vermelho.
São as cores do Mondrian.
Sim, são as cores de parte do neoplasticismo, mas são também as formas de um certo minimalismo.
Como é que aparece essa referência ao minimalismo? Quando ele surge, no final da década de 50 em Nova Iorque, tinha o objectivo de criar uma arte totalmente americana, que não tivesse nada a ver com a tradição europeia.
O minimalismo provocou uma ruptura muito importante. Curiosamente, quando eu estava em Veneza em Fevereiro, faz agora um ano, a pensar na peça que poderia criar, vi na Punta della Dogana uma obra absolutamente fabulosa de Sol LeWitt, Wall Drawing #343, que esteve exposta até Novembro, e que usava estas formas. Claro que a escala desses desenhos era menor.
Uso as coisas com a maior das desfaçatezes. O pórtico começava uma conversa com a arquitectura, e esse primeiro projecto era por aí que ia. Entretanto começo a trabalhar esta primeira peça e ela começa a ser desarticulada. Fica mais livre, de alguma maneira. Os elementos dos pórticos – espelhos, vidros, vigas – passavam a estar ora suspensos, ora assentes no chão. Mas as contingências da obra do Siza Vieira, que vai mesmo avançar, determinaram que o pátio do Campo di Marte acabasse por ter que ficar fechado. Por isso, tive que escolher uma localização alternativa no mesmo local. Continuo perto do Campo di Marte, onde haverá em breve um edifício do Siza, outro do Aldo Rossi e mais tarde um do Rafael Moneo, ou seja, três Pritzker juntos. Na nova localização o meu trabalho perde rudeza, mas ganha visibilidade. A peça também voltou a ser transformada, ou seja, tem apenas agora um momento de cor e vidros transparentes, ou não, que ora deixam que a imagem da paisagem os atravesse, ora a reflectem. Continua a haver uma relação com a paisagem, com o espectador, com a história pela via do minimalismo. Mas nesta segunda versão o pórtico, elemento arquitectónico, já está completamente desconstruído.
É interessante porque olhando para a história deste tipo de peças suas de há uns tempos para cá notamos que elas partem da horizontalidade, como em Cascais ou na grande antológica da Cordoaria, onde havia uma sala cheia de lajes de pedra tombadas no chão, para uma postura inclinada, como recentemente vimos em Évora, na exposição “Vantagens e Desvantagens da História para a Vida”, para aquilo que vai estar neste projecto, que é ainda mais inclinado. Mas é interessante notar que esta peça não terá espessura, tal como acontecia nestas outras que referi. E é um rectângulo, o que remete para a pintura, embora não seja esse o seu mundo.
Sim, é um rectângulo. Que está fixo aos suportes apenas por dois pontos. É uma vela! O problema aqui nunca será a vela, ou a ausência de peso percebido dela. O problema aqui é o terreno, as fundações que será preciso construir para fixar a peça. Estamos a trabalhar com uma base que é essencialmente lodo. Consegue-se chegar a uma solução durável, mas é preciso contar com inúmeras boas vontades também em Veneza. Tenho que assegurar que, quando a bienal acabar, deixo tudo como encontrei.
E são trabalhos caríssimos. Felizmente há um empresário da Póvoa do Varzim, um mecenas de muitos artistas cá em Portugal, que me disse: “Zé Pedro, se tens esse sonho, vamos fazê-lo.” As esculturas estão já a ser construídas na Póvoa do Varzim. Chama-se José Maria Ferreira e é um caso extraordinário que tem trabalhado com o Siza Vieira, o Souto de Moura, o Pedro Cabrita Reis e comigo próprio.
Estou muito satisfeito com este projecto. Embora ainda falte tratar de uma imensidão de pormenores burocráticos…
E não tem mais nada em mãos por agora? Eu sei que é uma pessoa muito organizada, que trabalha um projecto de cada vez…
Mas é que tenho mesmo. Estou a fazer um projecto escultórico para a barragem do Baixo Sabor, que tem edifícios do Siza Vieira. É a minha segunda colaboração com o arquitecto, algo que me está a dar imenso gosto fazer.
O projecto consta de dois núcleos nas margens opostas da albufeira. De um lado, há uma série de cinco espelhos e cinco molduras que estão dispostos na paisagem, e aos quais não se pode aceder por terra. Do lado oposto, há uma espécie de promontório dotado de binóculos para poder ver os espelhos do outro lado. Os espelhos estão a 150 metros de distância, e graças aos binóculos podes ver simultaneamente a paisagem que está em frente e a que está por detrás de ti.
Está na continuidade do projecto de Veneza.
Sim. E o promontório é um contentor grande, pintado de vermelho, mas que não está muito bem pintado, como sucede tantas vezes nos meus projectos.
Como é trabalhar com o Siza Vieira?
Foi uma oportunidade extraordinária. Eu não o conhecia pessoalmente. Logo em Fevereiro tivemos uma primeira reunião, em que ele me explicou o que era o seu projecto de arquitectura, o seu projecto de uma praça, e logo ali convidou-me a pensar numa fonte que ficasse lá definitivamente. E, ao mesmo tempo, contou-me do projecto da barragem. Teve a atenção e o cuidado de me explicar como é que ele via aquele lugar e aquela estrutura, sendo que me dava toda a liberdade para eu fazer o que quisesse. Portanto, estes meses foram também meses em que eu estabeleci um olhar novo, inédito, sobre a obra do Siza Vieira.